Spotify quer cobrar artistas para colocar músicas em playlists criadas por algoritmos
Assim como em outras grandes empresas de mídia de tecnologia, os algoritmos do Spotify têm evitado o escrutínio. Mas estamos entrando em uma nova era para o relacionamento da gigante do streaming de música com os algoritmos. As pessoas estão aos poucos tomando consciência do potencial do Spotify para vigilância emocional — um modelo para perfis de personalidade que faz com a música o que o Facebook fez com os amigos. E na segunda-feira (2), a empresa anunciou uma nova iniciativa que oferece aos artistas a opção de pagar para entrar nas recomendações automatizadas.
Em um comunicado cuidadosamente redigido, o Spotify está enquadrando seu último movimento como um teste que dará aos artistas mais “entrada” nos algoritmos de recomendação que povoam playlists personalizadas com faixas novas.
A empresa escreve que seus algoritmos levam “em consideração milhares de tipos de sinais: o que você está ouvindo e quando, quais músicas você está adicionando às suas listas de reprodução, os hábitos de consumo de música de pessoas que têm gostos semelhantes e muito mais”. O Spotify está adicionando um novo sinal à mistura: dinheiro.
Os artistas que enviarem novas faixas para o Spotify poderão escolher “músicas que são uma prioridade para eles” e, em troca de aceitar uma “taxa promocional de royalties de gravação”, os algoritmos do Spotify podem apenas abençoá-las com exposição.
A empresa não está fazendo promessas, está apenas oferecendo uma oportunidade, em suas palavras. Não há garantia de inserção nas playlists e a taxa reduzida de royalties só se aplica às músicas que acabam sendo veiculadas pelo novo sistema de recomendação.
O que é exatamente uma “taxa promocional de royalties de gravação”? O Spotify não respondeu imediatamente ao nosso pedido de comentário, mas um porta-voz do serviço disse ao The Verge que eles não vão divulgar qual é a taxa enquanto ela ainda estiver em testes e o Spotify vai “calibrar para ter certeza de que o mais vasto grupo de artistas e gravadoras possam ter sucesso”.
Não é de se surpreender que o Spotify esteja sendo extremamente cuidadoso em relação a esse assunto. O conceito de “pay-for-play” (“pagar para tocar”, em tradução livre) na indústria do rádio é ilegal caso não fique explícito que uma música está sendo patrocinada para ser tocada em uma transmissão normal. No Brasil, a prática é conhecida como “jabá” ou “jabaculê” e também é considerada crime.
As regras da web são definidas de modo menos claro, mas o tipo de estratégia que o Spotify está delineando garante que não haja pagamento direto e nenhuma garantia de exposição extra — apenas alguns truques algorítmicos até que os resultados comecem a aparecer.
O maior risco a curto prazo é que essa abordagem cause mais danos ao relacionamento entre o Spotify e os músicos. Uma nova campanha mostra que o Sindicato de Músicos e Trabalhadores Aliados está exigindo que a empresa pague aos artistas pelo menos US$ 0,01 por reprodução de uma música. O Spotify não divulga quanto paga aos artistas, mas analistas descobriram que o valor é de cerca de US$ 0,00318 por reprodução.
E, claro, não vamos desconsiderar a possibilidade de que os artistas utilizem esse serviço, gostem, e todos saiam ganhando. Mas ainda é um sinal estranho de que o Spotify está experimentando métodos que, por sua natureza, tornam as recomendações menos orgânicas.