Uma tartaruga gigante em uma ilha no arquipélago de Seychelles é a prova viva daquele ditado que diz “devagar e sempre se chega lá”. Isso porque o animal conseguiu perseguir um pássaro jovem, que é bem mais rápido que seu “predador”, e engoli-lo por inteiro. Além disso, cientistas divulgaram nesta segunda-feira (23) uma pesquisa na Current Biology descrevendo o comportamento da tartaruga, incluindo imagens do encontro.
O caso ocorreu no final da tarde de 30 de julho de 2020, na Ilha Frégate, que fica no Oceano Índico e a centenas de quilômetros a nordeste de Madagascar. Uma tartaruga gigante das Seychelles (Aldabrachelys gigantea) com uma carapaça de quase 60 centímetros de comprimento se aproximou de um filhote de andorinha-do-mar (Anous tenuirostris), que por sua vez estava parado em um tronco.
Com a boca aberta, a tartaruga forçou a andorinha-do-mar a voltar para a beira do tronco. O pássaro bateu as asas e bicou a tartaruga. Em seguida, as mandíbulas da tartaruga se fecharam na cabeça do pássaro, e ele caiu do tronco no chão da floresta. Pouco depois, o réptil engoliu o filhote inteiro.
O vídeo do encontro, filmado pela autora do estudo, Anna Zora, que é vice-gerente de conservação e sustentabilidade na ilha, pode ser um pouco perturbador, especialmente se você está acostumado com a ideia de tartarugas como animais dóceis e pacíficos. Mas um quelônio precisa comer — e lembre-se: elas também se tornam refeições para animais em níveis mais altos da cadeia alimentar. Geralmente, as dietas das tartarugas se concentram na vegetação, embora algumas comam ossos e cascas de caracóis, carniça ocasional e, em pelo menos uma espécie de tartaruga semi-aquática, rãs. No caso da nossa colega que ilustra este texto, o filhote de andorinha-do-mar serviu como um pouco de proteína extra.
Segundo Justin Gerlach, biólogo da Universidade de Cambridge, a abordagem da mandíbula da tartaruga indicou aos pesquisadores que o réptil sabia que o pássaro era algo que precisava ser morto, não algo que já estava pronto para comer. “Ela estava olhando diretamente para a andorinha-do-mar e caminhando propositalmente em sua direção. Isso era muito estranho e totalmente diferente do comportamento normal de uma tartaruga”, explicou.
Gerlach, co-autor do novo artigo, disse que tartarugas foram observadas consumindo pássaros e outros animais no passado, mas os casos anteriores não foram totalmente documentados. “Antes, sempre foi impossível dizer se a tartaruga matou diretamente o animal ou se sentou em cima dele e o encontrou esmagado. Por que recusar um pouco de proteína livre?”, questionou o cientista.
As tartarugas estão mudando? Não exatamente
Em entrevista por e-mail para o Gizmodo, Gerlach enfatizou que o comportamento observado é a exceção, e não a regra, entre essas tartarugas.
“É uma combinação incomum de circunstâncias que faz com que funcione. Para uma tartaruga caçar com sucesso, ela tem que ser mais rápida do que sua presa, o que limita as possibilidades. Se a andorinha-do-mar fugisse, teria escapado facilmente. Mas é uma espécie que constrói seu ninho em árvores altíssimas. Então, no que diz respeito ao pássaro, o solo é um lugar perigoso. Ela se afasta da tartaruga, mas no final do tronco hesita, e isso é o suficiente para que a tartaruga a agarre”, comentou.
“Tenho duas lições a tirar dessa descoberta. Primeiramente, há muito mais coisas acontecendo no comportamento da tartaruga do que a maioria das pessoas pensa. Elas não são apenas animais lentos e enfadonhos: há muito mais atividade e inteligência do que você imagina. Em segundo lugar, mostra que ainda podemos encontrar coisas inesperadas a partir da simples observação — nem todas as descobertas científicas são sobre equipamentos caros e laboratórios sofisticados. Em termos de pesquisa, queremos saber exatamente o que está acontecendo: quantas tartarugas estão fazendo isso? Sabemos que são mais de uma, mas são apenas algumas ou uma grande parte de sua população?”, disse Gerlach ao Gizmodo.
O pesquisador ainda declarou que a tartaruga será observada para entender com que frequência está se alimentando de animais maiores, pois o animal que comeu a andorinha-do-mar se compra com segurança e eficiência. Isso sugere que essa não foi a primeira vez que a tartaruga teve esse tipo de ação na natureza.
Uma curiosidade: a restauração de habitat na Ilha Frégate permitiu que mais de um quarto de milhão de andorinhas-do-mar (cerca de 10 mil ninhos) povoassem um trecho da ilha do tamanho de dois quarteirões. De acordo com um censo feito este ano, cerca de 3 mil tartarugas vivem na ilha. Esforços recentes têm procurado aumentar o número de ambos os animais após vários séculos de diminuição das populações.