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Esta técnica de escaneamento cerebral pode medir a dor que os bebês estão sentindo

Os bebês não conseguem nos dizer quanta dor estão sentindo, o que vira um problema para os profissionais de saúde que estão tentando gerenciar seus cuidados. Agora, uma nova técnica que usa escaneamentos cerebrais não-invasivos supera essa limitação frustrante, oferecendo o que pode ser a primeira medida objetiva da dor que os bebês sentem. • Útero artificial pode […]

Os bebês não conseguem nos dizer quanta dor estão sentindo, o que vira um problema para os profissionais de saúde que estão tentando gerenciar seus cuidados. Agora, uma nova técnica que usa escaneamentos cerebrais não-invasivos supera essa limitação frustrante, oferecendo o que pode ser a primeira medida objetiva da dor que os bebês sentem.

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O novo sistema, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Oxford, usa um eletroencefalograma para quantificar a quantidade de atividade cerebral relacionada à dor de um bebê. Embora o sistema ainda precise ser refinado para maior precisão e não esteja exatamente pronto para uso médico, ele pode um dia ser usado para avaliar a quantidade de dor que um bebê está sentindo durante algum procedimento doloroso, além do grau em que os aliviadores podem ou não estar funcionando. Os detalhes desse trabalho podem ser encontrados na última edição da Science Translational Medicine.

Pelo fato de os bebês não falarem, médicos e enfermeiros têm que contar com outras medições para avaliar o grau de dor sentido por seus pequenos pacientes. O choro e a gesticulação são dois sinais óbvios, mas os bebês tendem a fazer essas coisas frequentemente. Outros indicadores de dor incluem vermelhidão no nariz, sobrancelhas levantadas, aperto dos olhos e o aumento da frequência cardíaca. Essas medidas são altamente subjetivas, e cada bebê expressa sua própria resposta de jeitos específicos, forçando profissionais de saúde a ter um palpite sobre o estado de seu paciente.

A incapacidade de detectar e avaliar precisamente o desconforto físico em um bebê torna difícil a prescrição de remédios para a dor, como morfina, paracetamol ou anestesias locais. Em 2014, uma revisão de administração de dor neonatal em UTIs na Europa descobriu que recém-nascidos passam por, em média, 11 procedimentos dolorosos por dia. E diferentemente da antiga e equivocada crença de que bebês não sentem dor, as últimas evidências científicas sugerem que eles definitivamente sentem dor, em níveis iguais, ou maiores, aos dos adultos. A dor sentida durante a infância resulta em efeitos tanto de curto quanto longo prazos, como diminuição do sistema imunológico, irritabilidade, medo e até atrasos no desenvolvimento.

Cientistas têm usado várias técnicas avançadas para detectar dor em bebês há anos, inclusive espectroscopia de infravermelho próximo, eletroencefalograma e, mais recentemente, imagem por ressonância magnética funcional. Mas essas técnicas não são capazes de dizer aos cientistas o grau da dor sentida. Em um esforço para superar essa limitação, Caroline Hartley e Rebecca Slater, do Departamento de Pediatria da Universidade de Oxford, desenvolveram um novo sistema que, enfim, faz exatamente isso.

Bebê com um tampão não-invasivo de eletroencefalograma na cabeça (Imagem: Universidade de Oxford)

“Muitos estudos, de diversos grupos de pesquisa, mostraram que um padrão claro de atividade cerebral relacionada à dor pode ser registrada no cérebro de um bebê, que é graduado com intensidade de estímulo, de acordo com a idade do bebê, e observaram por meio de uma rede de regiões cerebrais que são semelhantes àquelas ativadas quando um adulto sente dor”, explicou Slater ao Gizmodo. “Em cima desse trabalho, nós criamos um modelo de eletroencefalograma de atividade cerebral relacionada à dor que pode ser projetado na atividade eletroencefalográfica de um bebê após algum procedimento de dor aguda, podendo quantificar o grau de entrada nociva que está alcançando o cérebro do bebê.”

Por entrada “nociva”, Slater está se referindo a um procedimento padrão de teste do pezinho, usado para a triagem de sangue de um neonato. Ele envolve uma breve e levemente dolorosa cutucada no pé de um bebê, que os pesquisadores podem detectar e medir com um eletroencefalograma. Para desenvolver sua métrica de dor, Hartley e Slater conduziram um estudo piloto em que a atividade cerebral de 18 bebês foi registrada enquanto eles passavam por esse procedimento. Esses dados foram então validades em um estudo subsequente envolvendo um total de 72 bebês, resultando no modelo de eletroencefalograma.

Essa assinatura de dor foi diferente de estímulos não-dolorosos ou não-nocivos, como luzes brilhantes e barulhos altos. Também se correlacionou bem com medidas comportamentais de dor bem estabelecidas (como caretas, vermelhidão no nariz etc), e quando os bebês recebiam anestesias tópicas, o sinal de dor registrado pelo eletroencefalograma diminuiu. Isso significa que o sistema poderia ser usado tanto para identificar quanto para medir dor em um bebê, determinando então se um analgésico está funcionando ou não e a que grau.

Fiona Moultrie e Gabriela Schmidt Mellado, que contribuíram com o novo estudo, monitoram um bebê em busca de sinais de desconforto (Imagem: University of Oxford)

A assinatura demonstrou 64% de sensitividade com 65% de especificidade para a dor associada com o teste do pezinho, o que é bom, mas não ótimo.

“A sensitividade de nosso modelo é a porcentagem de vezes que nosso modelo corretamente identificou atividade cerebral relacionada à dor quando um estímulo nocivo foi aplicado”, explicou Hartley. “A especificidade de nosso modelo é a porcentagem de vezes em que nosso modelo corretamente não identificou atividade cerebral relacionada à dor quando um estímulo não-doloroso foi aplicado.”

Isso significa que a técnica precisará ser melhorada antes que possa ser usada em ambientes clínicos. “A especificidade e a sensitividade foram relativamente baixas, então nossa medida de atividade cerebral relacionada à dor não pode ser atualmente utilizada em indivíduos para determinar se eles estão sentindo dor”, disse. “Em vez disso, nossa medida é útil em pesquisas ou em testes clínicos, onde podemos investigar como grupos de bebês respondem a diferentes tratamentos ou intervenções.”

Hartley e Slater agora estão usando seu modelo de eletroencefalograma no teste Poppi Trial (Dor em Procedimentos em Bebês Prematuros) para testar se a morfina pode oferecer alívio eficaz à dor para bebês prematuros durante procedimentos médicos invasivos. Pesquisas realizadas uma década atrás mostram que bebês que nasceram após menos de 29 semanas de gestação podem passar por 300 ou mais procedimentos dolorosos durante uma estadia de três meses em uma UTI neonatal, incluindo exames oculares, amostragem de sangue com agulha padrão, injeção AquaMEPHYTON (uma solução vitamínica líquida), punção venosa, teste do pezinho e uma série de procedimentos de enfermagem.

“Vamos testar se os bebês que recebem morfina sentem menos dor e se a redução de dor durante um exame ocular doloroso melhora a estabilidade da frequência cardíaca dos bebês e a respiração após o procedimento”, disse Hartley.

Em termos de uma possível aplicação clínica, a boa notícia é que melhorias podem ser possíveis. De acordo com Hartley, o cérebro se desenvolve rapidamente durante o início da vida, e cientistas sabem, a partir de pesquisas anteriores, que as atividades cerebrais relacionadas à dor aumentam com a idade gestacional (a dor aparece de forma diferente nos cérebros de bebês prematuros). Ela diz que a medição pode ser melhorada levando em conta mudanças relacionadas à idade.

“Tradicionalmente, as avaliações de dor em recém-nascidos têm sido feitas por observadores, como enfermeiras e médicos, que, baseados em sua experiência clínica, subjetivamente tentam interpretar as mudanças em sinais vitais (altamente não-específicos) e comportamentos (de alguma forma mais específicos), após dor aguda em recém-nascidos”, disse ao Gizmodo Kanwaljeet J. S. Anand, professor de Pediatria e Anestesiologia na Escola de Medicina da Universidade Stanford e que não esteve envolvido no estudo. “Essa é a primeira medição objetiva que registra e interpreta mudanças na atividade elétrica do cérebro após dor aguda e que não depende da interpretação subjetiva de um clínico. Isso é um avanço significativo.”

Anand disse que os experimentos descritos no novo estudo foram bem projetados e “maravilhosamente apresentado”, mas ele apontou algumas limitações.

“Diferenças importantes na idade pós-natal, peso, sexo, severidade da doença e outras características podem ter afetado os resultados”, disse. “Por exemplo, os padrões de eletroencefalograma amadurecem rapidamente devido à experiência pós-natal do bebê e acontecem dentro de uma semanas após o nascimento. Essas [mudanças] não foram levadas em conta em suas análises de dados.”

Anand, pioneiro no estudo de dores em bebês, disse que a grande maioria dos estímulos dolorosos acontecem em bebês prematuros que nasceram com menos de 34 semanas de gestação. “Entretanto, seus resultados e o modelo de eletroencefalograma gerados só podem ser aplicados a bebês nascidos com 34 ou mais semanas de gestação”, afirmou. “Essa abordagem para medir dor não pode ser aplicada a populações de recém-nascidos que sofrem as maiores quantidades de dor.”

Ele também foi afiado ao apontar que o foco do novo estudo foi limitado à breve dor aguda causada pelo procedimento de teste do pezinho. Infelizmente, muitos bebês são expostos a coisas muito piores que isso, e ainda assim há relutância de se reconhecer e tratar sua dor. Um estudo recente que teve Anand como coautor mostra que apenas 10% dos recém-nascidos recebidos em UTIs neonatal receberam avaliações diárias de dor prolongada e contínua. Ele diz que está na hora de uma mudança de paradigma na forma como os médicos administram a dor neonatal.

“Existe um grande fardo de dor na dor não-aguda, e nenhum estudo, nem mesmo esse, está tratando isso — a parte escondida do iceberg”, encerrou Anand.

[Science Translational Medicine]

Imagem do topo: Oxford University

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