Qual tecnologia é mais provável que se torne obsoleta durante a sua vida?

Neste Giz Pergunta, conversamos com historiadores da tecnologia para especularem qual tecnologia provavelmente será obsoleta durante sua vida.
Mãe vê holograma saindo do relógio, enquanto filha vê vitrine com periféricos de computador
Ilustração por Chelsea Beck/Gizmodo

Alguns porões são pequenos santuários devotados à obsolescência, quartos lotados de objetos que uma vez foram super sofisticados: videocassetes, telefones com fio, imensos e monitores beges de PC, etc. Os millennials terão menos porões para guardar entulho (sendo a “casa própria” um item que está rapidamente se tornando obsoleto) conforme nos mudarmos para residências corporativas, mas provavelmente teremos armários para guardar algumas coisas. Então vale a pena perguntar: que tecnologia inútil guardaremos como tesouro então?

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Para o Giz Pergunta dessa semana, contatamos alguns historiadores de tecnologia para entender como a tecnologia se tornará obsoleta nos próximos cinquenta anos.

Peter Norton

Professor Associado de Ciência, Tecnologia e Sociedade na Universidade da Virgínia, cuja pesquisa foca na história da tecnologia, entre outras coisas

Se você pudesse dizer aos futuristas de cinquenta anos atrás que eu, em 2019, usaria giz em um quadro negro na minha sala de aula da faculdade todos os dias, eles desistiriam de previsões. Cinquenta anos atrás, as pessoas na NASA estavam prevendo bases tripuladas na Lua e missões tripuladas em Marte até o final do século. E ninguém realmente conseguiu prever as mídias sociais, a Wikipedia ou os patinetes elétricos até que essas coisas já existissem. Se você tivesse feito essa pergunta cinquenta anos atrás, respostas comuns seriam o papel, usinas elétricas a carvão e aviões de passageiros subsônicos. Cinqüenta anos depois, esses e muitas outras coisas ainda são onipresentes. O Boeing 747, lançado há 50 anos, ainda está em produção hoje.

A velha tecnologia raramente desaparece. Quadros brancos e telas de LED se juntam a quadros de giz, mas não os eliminam. Os telefones fixos ficam escassos, mas não os eliminam. Câmeras de filme se tornam raridades, mas não as câmeras. As máquinas de escrever desaparecem, mas não a datilografia. E as tecnologias que parecem ser as mais ultrapassadas podem voltar como objetos cultuados por fãs – o disco de vinil, por exemplo. Tudo isso é para dizer que ninguém pode nos dizer o que será obsoleto em cinquenta anos, mas provavelmente muito menos coisas se tornarão obsoletas do que pensamos.

Chamamos algo de obsoleto quando uma inovação torna esta coisa inútil. Mas isso realmente acontece? O aspirador de pó não tornou a vassoura inútil. O automóvel não tornou a bicicleta inútil. O avião não tornou o trem de passageiros inútil. Na verdade, nos três casos, a tecnologia mais antiga era superior em alguns aspectos importantes – o que explica a sua sobrevivência.

A obsolescência é real, mas o marketing distorce e exagera. É uma boa propaganda defender que seu produto tornará obsoletos seus predecessores. Os profissionais de marketing dizem aos consumidores que um produto não é apenas útil ou diferente, mas também é existencialmente melhor. As empresas dizem aos investidores que suas inovações não apenas se juntarão aos mercados existentes, mas criarão outros novos. Grande parte da inovação tem menos a ver com atender às necessidades do que com a criação de novas demandas, menos com a solução de problemas do que com a geração de mercados.

Essas tendências transmitem um viés de alta tecnologia na inovação. A noção de obsolescência protege esse viés. Vendem para nós um futuro em que inovações de alta tecnologia nos livram de nossos problemas. Essas visões atraentes são necessárias se quisermos ser persuadidos de que o que temos agora é obsoleto.

Por exemplo, os futuros de carros de alta tecnologia que todos nós já vimos são tão atraentes – muito mais seguros, convenientes e empolgantes – que até consideramos começar a trilha interminável de consumo e investimento que seria necessária para chegar lá. Ninguém vai gastar uma fortuna em marketing em um futuro em que resolvemos nossos problemas com o que temos agora, mas o fato é que não precisamos de um futuro sem motorista de alta tecnologia para nos livrar de nossos problemas. Nós só precisamos de um futuro em que possamos dirigir menos, atendendo aos nossos desejos e necessidades. Nós já temos tudo o que precisamos para fazer isso. A densidade habitável, a capacidade de andar, o ciclismo e os sistemas básicos de transporte, melhorados pelas novas tecnologias sempre que forem úteis, podem fazer muito mais por nós agora do que os utópicos da tecnologia prometem fazer por nós daqui a décadas – se apenas comprarmos os seus produtos.

Não sei o que será obsoleto em cinquenta anos, mas os dispositivos de alta tecnologia não tornarão obsoletos seus equivalentes de baixa tecnologia.

Podemos até ver a obsolescência ao contrário, à medida que redescobrimos o desempenho inigualável de dispositivos de baixa tecnologia supostamente obsoletos, como bicicletas, e adotamos inovações que desafiam as visões de alta tecnologia e consumo excessivo, como os patinetes elétricos. Ou, visto de outra forma, talvez algumas antigas suposições devam se tornar obsoletas: a noção de que a alta tecnologia é sempre melhor do que a baixa tecnologia, ou que a solução para o consumismo é mais consumismo. Temos um amplo espectro de tecnologias para escolher, de tecnologia zero a super alta tecnologia. Muitas vezes descartamos a maior parte desse espectro antes mesmo de dar uma olhada. Nos próximos cinquenta anos, espero que possamos redescobrir todo o espectro. É a única maneira de termos certeza de que escolhemos com sabedoria.

“A velha tecnologia raramente desaparece. Quadros brancos e telas de LED se juntam a quadros de giz, mas não os eliminam. Os telefones fixos ficam escassos, mas não os telefones. Câmeras de filme se tornam raridades, mas não as câmeras”.

Amy E. Slaton

Professora de História na Universidade de Drexel e coeditora da History & Technology

Se estou tentando pensar sobre as origens históricas e os impactos da tecnologia – sobre como as coisas feitas pelo homem vêm e vão nas culturas humanas – a obsolescência parece ser a maneira errada de encarar. Acho que isso alimenta nosso impulso de imaginar que as tecnologias surgem como artefatos materiais autônomos, satisfazendo alguma necessidade ou desejo humano singular, e então desaparecem, como se apagados, quando essa necessidade ou desejo acaba. Eu acho que isso nos encoraja analiticamente a retirar as tecnologias dos mundos que as produzem. Em vez disso, se eu quiser pensar melhor sobre mudanças tecnológicas significativas que provavelmente acontecerão nas próximas cinco décadas, eu não me concentrarei em tecnologias que podem ou não desaparecer, mas talvez em como os padrões de acesso às tecnologias pode mudar. Ou seja: acho que se enquadrarmos nossas perguntas em termos mais relacionais, mais explicitamente voltados para o poder (como acesso, controle ou risco), entenderemos mais sobre como mudar os compromissos humanos com a tecnologia – passada ou futura.

Por exemplo, daqui a 50 anos os humanos, como espécie, terão água limpa e alimentos frescos, mas poucos membros da espécie (para escolher palavras deliberadamente frias) serão capazes de suprir essas necessidades, à medida que os recursos necessários para produzir e transportá-los se tornarem mais caros com a perda do ecossistema, o rápido crescimento das populações de refugiados e as crises econômicas globais em escala. Também podemos considerar que algumas pessoas em alguns lugares ainda aproveitarão de viagens aéreas movidas a combustíveis fósseis, dispositivos eletrônicos de vida curta e coisas feitas de plástico barato em cinquenta anos. Mas assentamentos costeiros, economias agrícolas e a funcionalidade de nações inteiras mais pobres que não podem se sustentar em meio a oceanos em ascensão e eventos climáticos extremos, desaparecerão. Estes são os casos de obsolescência que o prognóstico mais profundamente crítico sobre a tecnologia revela.

Nos Estados Unidos, à medida que a riqueza se torna cada vez mais concentrada e as lógicas de mercado cada vez mais fortes, os gastos já baixos do país em bens públicos amplamente distribuídos como o transporte público encolherão, por isso não seria totalmente enganador simplesmente responder a essa pergunta com “ônibus urbanos e metrôs”.

Como tecnologias que não se baseiam na canalização eficiente da riqueza para cima, prevejo que os sistemas de transporte coletivo em breve perderão qualquer força que ainda tenham sobre os formuladores de políticas, planejadores e engenheiros americanos – talvez carros sem motorista de propriedade particular ganhem sua atenção nesse cenário. Mas ainda assim, acho que a tentação de pensar em tecnologias como tendo expectativa de vida nos causa problemas porque estamos tão habituados a imaginar invenção, inovação e produção (e obsolescência) como processos facilmente rastreados, sem contexto e experimentados da mesma maneira por todas as pessoas em todos os lugares. Isso é exatamente o que o capitalismo industrial exige para manter sua reputação não merecida como uma fonte benéfica de abundância material universal. E é por isso que eu não sou uma grande fã de enfatizar os primeiros ou melhores em nosso pensamento histórico sobre tecnologia, nem, como essa questão sobre o futuro provoca, quem permanece e quem desaparece.

“Nos Estados Unidos, à medida que a riqueza se torna cada vez mais concentrada e as lógicas de mercado cada vez mais fortes, o gasto já baixo do país em bens públicos amplamente distribuídos como o transporte público encolherá, por isso não seria totalmente enganador simplesmente responder a essa pergunta com “ônibus urbanos e metrô”.”

David Edgerton

Professor de História da Ciência e Tecnologia e de História Britânica Moderna no King’s College London e autor de The Shock of the Old: Technology and Global History since 1900 (2019)

Quando pensamos em “tecnologia” – um conceito estranho e maravilhoso, que muda de forma -, somos rápidos em invocar as ideias do tempo como um determinante. Esperamos que algumas coisas se tornem obsoletas em algum momento, que chegam ao fim à medida que são substituídas por coisas novas. Essa maneira de pensar está profundamente enraizada. Pensamos em tempos históricos específicos sendo caracterizados por máquinas ou processos específicos, e imaginamos que o futuro será feito de novo por algumas dessas máquinas e processos. O favorito atual é algo chamado inteligência artificial. Nesse modo de pensar, algumas pessoas estão “à frente de seus tempos”, enquanto a maioria de nós, não tendo compreendido o significado do que alguns gurus afirmam ser o futuro, está naturalmente “atrasada”.

Mas esse modo de pensar ainda dominante é, ele próprio, muito atrasado. É uma maneira caracteristicamente ingênua e propagandística de falar sobre “tecnologia” que está conosco há muito tempo.

Existem maneiras muito melhores de pensar sobre os artefatos que são tão importantes para o nosso mundo. Podemos começar com o argumento de que, longe de sempre substituir os modelos mais antigos das coisas, as coisas novas muitas vezes acrescentam ao antigo. Nós apenas temos mais de tudo. Podemos também notar que o que nós consideramos como coisas “velhas” frequentemente mudam: elas são velhas e novas. Da mesma forma, muitas coisas que consideramos novas geralmente contêm elementos muito antigos. Certamente, certas coisas são menos aparentes, embora algumas vezes reapareçam.

Quais são então os tipos de processos que fazem as coisas desaparecerem? Pode ser, por exemplo, que peças de reposição ou combustíveis, por algum motivo, não estejam mais disponíveis. Pode ser que algo melhor apareça, e vale a pena parar de usar a máquina antiga e comprar uma nova. Pode ser que máquinas antigas simplesmente quebrem e não possam ser substituídas. Ou pode ser que certos tipos de máquinas ou produtos se tornem proibidos de possuir ou produzir. Assim, restam poucos produtos que usam CFC no mundo. Armas químicas são muito menos comuns do que eram nos anos 1930, por exemplo.

Poderíamos então perguntar de que tipo de “tecnologia” poderíamos nos livrar nos próximos cinquenta anos. Muitos diriam qualquer máquina que queime ou use carvão fóssil. Outros acrescentariam qualquer máquina usando combustíveis fósseis, e talvez, portanto, a maioria dos motores de combustão interna. Note que poderíamos, se quiséssemos, livrar-nos de todas essas coisas sem introduzir novidades. Poderíamos ampliar o uso de alternativas já existentes.

“Muitos diriam qualquer máquina que queime ou use carvão fóssil. Outros acrescentariam qualquer máquina usando combustíveis fósseis, e talvez, portanto, a maioria dos motores de combustão interna”.

Corinna Schlombs

Professora Assistente de História do Instituto de Tecnologia de Rochester

Novas tecnologias normalmente acrescentam ao invés de substituir tecnologias antigas, e as pessoas usam ambos para diferentes finalidades. Na área de tecnologias de informação e comunicação, por exemplo, o telégrafo não substituiu o sistema postal e ambos tiveram seus diferentes usos. Assim, os jornais usavam o telégrafo para transmitir informações sensíveis ao tempo, como um resultado eleitoral, e o correio significativamente mais barato para material menos sensível ao tempo, como um comentário político.

Uma notável exceção a essa observação é a telegrafia: em 2006, a Western Union enviou a última mensagem telegráfica comercial nos Estados Unidos e, desde então, as mensagens em código Morse são mediadas pela internet.

Claro que com o tempo as tecnologias da informação mudaram e, às vezes, de forma significativa. Usos, propósitos e condições evoluíram. Por exemplo, o sistema postal dos EUA serviu como o principal meio de transmissão de notícias no início do século 19. Os impressores podiam enviar os jornais a uma taxa preferencial e, em 1832, os jornais respondiam por noventa e cinco por cento do peso do correio e criavam apenas quinze por cento da receita. O correio permitiu que a informação circulasse nos “bosques selvagens”, como observou o francês Alexis de Tocqueville em 1831, e criou o que o historiador Richard John chamou de comunidade nacional de cidadãos que debatem a mais recente questão política. A maioria das empresas enviava as caras cartas que financiavam a circulação de jornais.

Os americanos não começaram a se corresponder regularmente com familiares e amigos até a década de 1840, quando o Congresso reduziu significativamente o preço da postagem de cartas. Eles logo se tornaram ávidos escritores de cartas aguardando ansiosamente notícias de seus entes queridos, e no processo transformaram o sistema postal de um meio de transmissão de notícias em algo parecido com uma rede social.

Duas tecnologias de informação e comunicação que podem estar em mudança são a televisão e o rádio. De acordo com uma pesquisa da Nielsen, os millennials já passam metade do tempo assistindo TV ao vivo em comparação com os baby boomers, e dois terços a menos ouvindo rádio AM/FM. O precedente histórico sugere que o conteúdo de vídeo e áudio não se tornará obsoleto. Mas se ele será entregue através de podcast, streaming ou sob demanda, como será pago, quem irá ver ou ouvir, e quando – todas essas questões permanecem abertas.

“O precedente histórico sugere que o conteúdo de vídeo e áudio não se tornará obsoleto”.

Thomas Haigh

Professor Associado de História da Universidade de Wisconsin Milwaukee, cuja investigação se concentra na história da tecnologia e na história social do trabalho e negócios, entre outras coisas.

A história óbvia dos últimos quinze anos tem sido o smartphone devorando todos os outros tipos de dispositivos eletrônicos de consumo. Portanto, com toda a probabilidade, câmeras, consoles de videogame, laptops tradicionais etc. não existirão por muito mais tempo. Dentro de cinquenta anos, no entanto, espero que o próprio smartphone tenha sido substituído por outra coisa. Ninguém sabe pelo que, mas como relógios e óculos são itens socialmente aceitáveis, é compreensível que os designers se concentrem neles.

Minha previsão, no entanto, é a gravata. Ela já existe há muito mais tempo do que a maioria das tecnologias de consumo, mas eu não uso uma já faz dez anos e roupas casuais são cada vez mais aceitas. Como a historiadora de arte Anne Hollander explicou em seu clássico livro Sex and Suits, a gravata combinada com ternos sob medida começou no final do século 18. Vestimentas masculinas ornamentadas saíam de moda então os homens precisavam de algo fálico para atrair a atenção para suas virilhas. Suspeito que Donald Trump será o prego final em seu caixão, esses laços excessivamente longos e sua conexão com a masculinidade agressivamente frágil, assim como Hitler tornou obsoleto o bigode de escova de dentes.

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