Como as teorias da conspiração de que o homem não foi à Lua se espalhavam antes da internet

Antes da internet, boa parte das teorias da conspiração era espalha por meio de livros mesmo. Algumas dessas teorias sobrevivem até hoje.
Ilustração mostra câmeras filmando o homem na Lua
Ilustração por Elena Scotti/Gizmodo, Getty Images, NASA

Teorias da conspiração sobre o pouso na Lua existem há anos. Décadas, na verdade. E embora seja mais fácil do que nunca espalhar histórias falsas graças à internet, a crença de que os humanos nunca foram à Lua é muito mais antiga que a web.

Como as pessoas aprenderam sobre as teorias conspiratórias da ida à Lua antes da internet? As pessoas do século 20 tinha uma tecnologia estranha e primitiva conhecida como livros.

O livro auto-publicado em 1974 intitulado “We Never Went to the Moon” (“Nunca fomos à Lua”, em tradução livre), de Bill Kaysing, foi a primeira longa discussão sobre o tema. Kaysing, que morreu em 2005, era um escritor técnico da Rocketdyne, uma empresa contratada pela NASA para fazer foguetes na década de 1950. Essa ligação entre a agência e Kaysing fez com que muita gente achasse que ele sabia do que estava falando — um dos argumentos dele era que as imagens da Lua foram gravadas em um estúdio da Área 51. As pessoas diziam acreditar em Kaysing, apesar de ele em alguns momentos admitir que ele não sabia nada sobre foguetes.

Kaysing não teve muito trabalho para convencer um público cético de que o programa espacial Apollo e o primeiro pouso na Lua em 20 de julho de 1969 eram uma farsa. Os americanos no final da década de 1960 e início da década de 1970 já viviam em um das épocas mais desalentadoras do século 20, desde a Guerra do Vietnã até a corrupção do caso Watergate, levando o cidadão comum a desconfiar de qualquer coisa que o governo pudesse lhes dizer.

A companhia jornalística Knight descobriu em julho de 1970 que 30% dos norte-americanos acreditavam que o pouso na Lua foi falsificado. E uma pesquisa da Gallup em 1976 descobriu que 28% dos americanos acreditavam que a ida à Lua fora encenada pelo governo dos EUA — descobertas bastante consistentes durante a década de 1970. No Brasil de 2019, um em cada quatro brasileiros diz que o pouso lunar é mentira.

Trecho do livro em inglês "We never went to the Moon"
Foto e legenda do livro “We never went to the Moon”, de 1974, do autor Bill Kaysing

Kaysing achava que tinha muitas razões para acreditar que o Governo dos EUA precisava fingir a ida à Lua. Primeiro, ele insistiu que simplesmente não era possível, dada a tecnologia da época. Este argumento foi construído baseado em achismo e no conhecimento exclusivo que obteve da Rocketdyne, que lhe deu uma visão especial sobre o ocorrido.

“Como testemunha de muitos testes de motores de foguetes no laboratório de Santa Susana, vi muitos fracassos, explosões e cortes prematuros no motor devido a um desastre incipiente”, escreveu Kaysing em seu livro. “Mesmo após o cluster relativamente modesto do motor Atlas ter sido aceito pela Força Área dos EUA para uso no Atlas ICBM, falhas ocorreram com repetida regularidade”.

Falta de estrelas nas fotos e encenação de Stanley Kubrick

Mas a sua prova mais contundente de que o pouco na Lua era uma farsa talvez tenha sido a mais fácil de desacreditar. Especificamente, Kaysing escreveu, repetidamente, que a ausência de estrelas nas fotos tiradas na Lua provava que os humanos nunca estiveram lá.

“Não há estrelas nas fotos deles [tiradas pelos astronautas]”, disse Kaysing a um jornal de Nova Jersey em 1977. “Se eles tivessem ido à Lua, haveria algumas estrelas como evidência”. A sugestão era que isso era algum tipo de falta de atenção por parte da NASA e prova de que tudo era falso.

A realidade? Há várias boas razões para você não ver estrelas nas fotos tiradas na Lua. No entanto, as pessoas no século 21 provavelmente entendem isso melhor do que as da década de 1970. Qualquer pessoa que tenha usado um smartphone para tirar fotos quando há uma única fonte de luz irritante sabe o quanto a situação pode ser frustrante. Os astronautas ficam expostos a uma luz solar muito mais direta no espaço, por isso, se você expor a foto usando uma abertura apropriada para a superfície da Lua, não vai capturar a luz relativamente pequena das estrelas.

Se você definir a abertura do sensor da câmera para capturar as estrelas, obterá algo semelhante a essa demonstração do pessoal do canal VideoFromSpace (em inglês), do YouTube. Eles atuam tentando desbancar fatos falsos sobre a visita à Lua.

Mudança de exposição de foto tirada na LuaOlhe as estrelas lá no fundo

Outro argumento de Kaysing era que o aclamado diretor Stanley Kubrich provavelmente estava envolvido em fingir o pouso na lua. O filme de 1968 “2011: Uma Odisseia no Espaço”, de Kubrick, incluiu alguns dos mais impressionantes efeitos especiais que foram feitos até hoje e ajudou a criar a teoria de que Kubrick havia realmente dirigido as imagens que conhecemos hoje como o pouso na Lua.

“Enquanto ‘2001’ estava sendo filmado, Kubrick e sua equipe consultaram quase 70 corporações industriais e aeroespaciais, universidades, observatórios, agências meteorológicas, laboratórios e outras instituições para garantir que o filme fosse tecnicamente preciso”, escreveu Kaysing. “Se isso tivesse sido feito para a ASP sem a cobertura de ‘2001’, muitas suspeitas teriam sido direcionadas para aqueles que estavam fazendo as investigações”.

O que é ASP? De acordo com Kaysing, isso significa o “Apollo Simulation Project”. Na verdade, Kaysing até aponta para o crescente orçamento do filme como mais uma evidência de que Kubrick estava envolvido na farsa da Lua, insinuando que o diretor foi pago pela NASA para criar um set de filmagem.

O livro de Kaysing também inclui fotos de hotéis em Las Vegas — o local onde Kaysing disse que os astronautas viviam enquanto eles deveriam estar na Lua. Na verdade, ele sugere que os astronautas insistiram em Las Vegas, porque caras como Buzz Aldrin, Neil Armstrong, Michael Collins e seus “gerentes de publicidade” queriam viver em grande estilo.

Outra captura do livro “We never went to the Moon”
Outra captura do livro “We never went to the Moon”. Dessa vez falando que os astronautas ficam escondidos em hotéis em Las Vegas

Difícil argumentar com isso, né?

Outra “evidência” que Kaysing gasta um bom tempo falando em seu livro tem relação com o fato de que as sessões práticas que os astronautas realizaram pareciam de um pouso falso na Lua. Evidentemente, fiz a mesma piada em 2014, antes mesmo de ter ouvido falar do livro de Kaysing.

E as fotos realmente parecem uma preparação para um pouso falso. O fato é que são imagens dos astronautas apenas treinando. Obviamente, essas fotos ficaram por aqui e são usadas na internet como “evidências” até hoje.

Neil Armstrong pratica uso de uma câmera de vídeo durante uma simulação em Houston em abril de 1969, três meses antes de ele caminhar na LuaNeil Armstrong pratica uso de uma câmera de vídeo durante uma simulação em Houston em abril de 1969, três meses antes de ele caminhar na Lua. Crédito: NASA

Falta de empolgação dos astronautas

Ralph Rene é um outro fraudador do pouso na Lua que ganhou certa fama antes da maioria dos americanos estarem online, tendo publicado um livro chamado Mensa Lectures, posteriormente entitulado “The Last Skeptic of Science” (“O último cético da ciência”), depois que a Mensa (uma associação de pessoas com quociente de inteligência alto) ameaçou processar Rene por usar seu nome sem permissão. Mas foi o segundo livro de Rene, publicado em 1994, que fez dele um herói popular da comunidade de céticos. Chamado de “NASA Mooned America!”, o livro, que ainda está disponível na Amazon, tem muitas similaridades com o trabalho de Kaysing da década de 1970, mas inclui algumas teorias ainda mais estranhas.

Sabe qual é a prova mais contundente que Rene tem? Os astronautas não parecem suficientemente empolgados com o retorno deles à Terra. Rene publicou esta foto para mostrar que os astronautas estavam realmente envergonhados por terem mentido para todo o mundo:

Primeiros astronautas a pisarem na Lua em quarentena enquanto falavam com o presidente Richard Nixon. Crédito: NASA Mooned America!Primeiros astronautas a pisarem na Lua em quarentena enquanto falavam com o presidente Richard Nixon. Crédito: NASA Mooned America!

Rene explicou:

É este o olhar de três homens que acabaram de voltar de uma caminhada na Lua? A tripulação do Apollo 11 acaba de retornar à Terra e está falando com o presidente Nixon. Este grupo definitivamente não é de um bando de campistas felizes. Eles poderiam sentir vergonha por algo que não fizeram?

Quero dizer, que mais provas vocês precisam?

Com o passar das décadas, uma porcentagem maior de americanos chegou a aceitar que provavelmente houve o pouso na Lua. Em 1999, apenas 6% dos cidadãos dos EUA pensavam que a coisa toda era falsa. Talvez porque, conforme a tecnologia avança, coisas assim parecem menos esquisitas. Mas os teóricos da conspiração ainda estão por aí, obviamente. E eles têm uma voz mais alta do que nunca, mesmo que o número deles tenha diminuído.

Kaysing e Rene não estão mais entre nós, mas ambos vivem no pesadelo que é a nossa internet. Ambos aparecem em alguns dos mais populares vídeos sobre a mentira da lua atualmente online, incluindo um vídeo intitulado “A verdade por trás das visitas à Lua”, que tem quase um milhão de visualizações no YouTube.

Você claramente não precisa da internet para que um teoria da conspiração se espalhe. E em uma época de conspirações reais endossadas por pessoas poderosas, é fácil ver o apelo de teorias como a farsa da Lua.

No entanto, gostemos ou não, provavelmente fomos à Lua. Por quê? As melhores evidências, além de todas as gravações, são as fotos e rochas lunares trazidas para cá. Dada a baixa tecnologia de câmera da década de 1960, teria sido mais difícil falsificar o pouso na Lua do que simplesmente ir até lá e fazer fotos e vídeos. É sério.

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