Por que ainda não temos uma vacina para o ebola
Esta semana, o CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças) confirmou o primeiro caso de ebola diagnosticado nos EUA. O paciente, que recentemente viajou para a Libéria, foi isolado em um hospital em Dallas. Com os esforços de contenção que vêm desafiando a África ocidental, e com as autoridades americanas desesperadas para encontrar pessoas que tiveram contato com o paciente de Dallas, vem a pergunta: onde é que está a vacina para o ebola?
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A boa notícia é que já existe uma vacina experimental, e o NIH (Instituto Nacional de Saúde dos EUA) começou a fazer alguns testes de emergência com humanos nessa semana, em resposta à crise que está acontecendo na África. A má notícia é que, mesmo no melhor cenário, a vacina não estará disponível antes do final do ano — talvez demore até 2015.
São três motivos principais: o ebola é relativamente raro; o vírus tem o costume de desaparecer por anos e anos; e o mais óbvio – doenças agem rápido, mas criar vacinas é um processo lento.
O que nós já temos
A vacina experimental do Centro de Pesquisa de Vacinas, do NIH, foi criada em parceria com a Okairos, uma desenvolvedora suíço-italiana de vacinas que faz parte da gigante farmacêutica GlaxoSmithKline. Ela vem sendo desenvolvida desde 2013, antes de o surto atual ter começado. A vacina foi aprovada para testes urgentes em seres humanos, e dois pacientes receberam doses durante esta semana.
O NIH descreve a vacina como “um vetor do adenovírus do chimpanzé […] no qual foram inseridos dois genes do ebola”. Em outras palavras, a vacina leva o DNA do ebola dentro de um pacote derivado de um vírus que é infeccioso em chimpanzés, mas não em humanos. O vírus insere sua carga genética dentro das células do hospedeiro, mas sem se replicar como o vírus da doença.
Uma vez no interior das células hospedeiras, os genes do ebola fazem com que o corpo produza um proteína que ativa o sistema imunológico do hospedeiro. Essa proteína não é o agente causador da doença, mas é similar a uma proteína que faz parte do vírus ebola. Por isso, quando o sistema imunológico do hospedeiro tenta limpar o corpo da proteína derivada da vacina, ele ataca qualquer vírus ebola que encontrar.
O NIH também vem investigando a possibilidade de fazer uma vacina para o ebola baseada em vacinas já existentes que protegem contra a raiva. Testes em camundongos e em macacos Rhesus mostraram que essa vacina pode criar uma proteção contra o ebola e contra a raiva. A pesquisa agora está focada em testar a vacina combinada de forma mais ampla, tanto em humanos como para prevenir a transmissão da doença entre animais.
Algumas outras vacinas contra o ebola também estão em desenvolvimento. O Laboratório Nacional de Microbiologia do Canadá criou uma vacina experimental que previne a infecção e ajuda pacientes recém-infectados a se livrarem do vírus. O Canadá prometeu enviar 1.000 doses para a OMS. A Profectus Biosciences, a Crucell e a Immunovaccine, empresas de biociência, também estão trabalhando em vacinas experimentais contra o ebola, mas essas ainda estão em estágio inicial de pesquisa.
Por que está demorando tanto?
O atual de surto de ebola é o pior da história — ele já tirou mais vidas do que todos os outros surtos somados. A OMS espera retomar o controle da situação dentro de um período de seis a nove meses. É muito tempo.
Mas mesmo à luz desses números assustadores, o ebola ainda é uma doença extremamente rara. Desde a sua descoberta, o vírus matou cerca de 3.500 pessoas. No campo das doenças transmissíveis, esse é um número extremamente pequeno: antes desse surto, simplesmente não havia pacientes o suficiente para que os médicos e cientistas pudessem estudá-los.
“O leigo sempre pergunta ‘Por que a solução não vem mais rápido?’ ‘Por que esses caras não perdem algumas noites de sono trabalhando nisso?’” diz o Doutor William Schaffner, chefe de medicina preventiva da Universidade Vanderbilt, para a ABC News. “Mas é um pouco mais complicado do que isso”.
A descoberta do ebola, ocorrida em 1976, é recente. A doença se esconde em chimpanzés, gorilas, morcegos frugívoros, macacos, antílopes e porcos-espinho. Os surtos geralmente acontecem em áreas remotas da África ocidental, longe dos pesquisadores e cientistas mais bem equipados para estudá-los. E quando esses surtos ocorrem, a prioridade são os esforços de contenção.
A OMS estima que as medidas para conter o surto atual custarão cerca de US$ 600 milhões. O desenvolvimento de vacinas é um projeto caro e o retorno financeiro é incerto — quem poderá prever qual será o tamanho do próximo surto? Também não sabemos se a vacina será efetiva contra uma eventual mutação do vírus.
Foto por AP Photo/Abbas Dulleh
O que mais pode ser feito?
Não há muito o que fazer. O tratamento padrão para pacientes com ebola se resume a cuidados básicos: manter o paciente hidratado e alimentado, cuidar da febre e de outras infecções, fazer com que ele respire de forma adequada e analisar a pressão arterial.
Basicamente, o que os médicos podem fazer é dar ao sistema imunológico do paciente tudo o que ele precisa para defender o organismo, e esperar que a infecção passe — isso tudo enquanto o paciente fica totalmente isolado, para evitar que os cuidadores peguem a doença.
Também existem alguns tratamentos experimentais, que só saíram do laboratório devido à gravidade do surto pelo qual estamos passando. Um deles é o Zmapp, que fornece ao paciente anticorpos que se conectam diretamente ao vírus ebola. Esses anticorpos foram gerados em ratos de laboratório e modificados para que funcionem no corpo humano. Eles deixam uma marca no vírus ebola para que ele seja destruído pelo sistema imunológico dos pacientes.
Este remédio estava passando por um lento processo de testes e mostrou alguma eficácia em macacos. Quando dois americanos que trabalhavam com ajuda humanitária forma diagnosticados com ebola na Libéria, abriu-se uma exceção e eles foram tratados com algumas das raras doses de Zmapp que existem. Ambos sobreviveram, mas dos outros cinco pacientes que tomaram Zmapp durante esse surto, dois morreram.
Os pesquisadores também estão experimentando dar a pacientes com ebola transfusões de sangue de pessoas que sobreviveram ao vírus. Esse método segue o mesmo princípio do Zmapp: entregar ao paciente os anticorpos que se conectam ao vírus para avisar ao sistema imunológico o que precisa ser destruído – mas, dessa vez, os anticorpos vêm de seres humanos. Como milhares de sobreviventes do ebola vivem na África, há uma enorme reserva de doadores de sangue em potencial.
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No entanto, essa técnica foi pouquíssimo testada e questões sérias permanecem. “É preciso entender quanto sangue você pode dar para o paciente, por quanto tempo e qual é a taxa segura de infusão”, disse o Dr. Michael Kurilla, diretor de Bio-Defesa do NIH, à Associated Press. “Se você souber qual é a potência do soro, teoricamente você poderia ajudar o corpo a destruir o ebola que estiver nas células antes que o vírus possa causar muito dano”.
Ate agora não há estudos que determinem os níveis ideais de anticorpos no sangue do doador. A taxa de produção de anticorpos difere de paciente para paciente, por isso nem toda transfusão será eficiente. Além disso, existem as preocupações normais acerca das transfusões de sangue: como fazer a triagem de HIV, malária e outras infecções? Como manter o sangue refrigerado e viável entre a doação e a transfusão? As pessoas que trabalham com ajuda humanitária estão desesperadas, mas o médico americano Kent Brantly, além de ter tomado o Zmapp, também recebeu uma transfusão de sangue de uma pessoa de 14 anos que sobreviveu ao ebola.
As reuniões de emergência da OMS ajudarão a planejar uma linha de ação, determinando quais desses tratamentos experimentais são promissores o suficiente para serem usados na luta atual contra a disseminação do ebola. Isso parece um jogo de adivinhação, e é mesmo. Mas também são a melhor chance que temos, na ausência de curas confiáveis ou vacinas rigorosamente testadas.
Foto por AP Photo/Steve Parsons/Pool
E quando teremos uma vacina de verdade?
Nesta semana, foi iniciada a fase 1 dos testes clínicos da vacina contra o ebola. Esse é um teste preliminar com seres humanos, no qual pacientes saudáveis que nunca foram infectados pelo vírus recebem doses baixas e são monitorados para análise dos efeitos colaterais. Esse estágio não testa a eficácia do medicamento contra a doença — ela só ajuda a determinar um limite de dosagem segura que não cause danos colaterais ou reações adversas.
A fase 2 terá testes com um grupo maior de pessoas, e estudos sobre a eficácia da vacina para tratar ou prevenir a doença em seres humanos. Então vem a fase 3, com testes em um grupo grande, para comparar a eficácia do medicamento com a de outros métodos.
Tudo isso leva tempo: um remédio comum leva em média 12 anos desde sua descoberta até que ela esteja disponível no mercado, e apenas 1 em cada 5.000 medicamentos experimentais é bom o bastante para sobreviver ao processo de teste.
A vacina contra o ebola, obviamente, é um caso especial. Órgãos médicos oficiais estão diminuindo suas exigências de avaliação por conta das circunstâncias. É por isso que a fase 1 está começando agora, com 140 pessoas saudáveis preparadas para receber a vacina nos EUA, na Inglaterra, em Gâmbia e em Mali nos próximos meses.
O Dr. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas do NIH, havia dito à ABC News que a vacina não estará disponível para os profissionais de saúde até 2015. Agora que o cronograma foi adiantado significativamente – a GlaxoSmithKline vai produzir 10.000 doses da vacina – o NIH prevê que os resultados iniciais estarão disponíveis no final deste ano.
Com alguma sorte, o surto atual de ebola diminuirá, e as pesquisas vão continuar – mas esse é o melhor dos cenários. A OMS prevê que cerca de 20.000 pessoas podem ser infectadas antes que a epidemia fique sob controle, e a taxa de sobrevivência no surto atual é de 47%; por isso, os avanços no combate ao ebola precisam chegar o mais rápido possível.
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