_Ciência

Vacinação-modelo em Serrana reduziu mortes e casos graves de COVID mesmo com variantes, indica estudo

Vacinação em massa reduziu as taxas de morte e casos graves da doença mesmo durante a circulação das variantes gama e delta

Vacina da Covid

Luciana Constantino | Agência FAPESP

Pesquisa realizada em Serrana (SP), cidade-modelo de imunização contra a COVID-19 no Brasil, comprovou que a vacinação em massa reduziu as taxas de morte e casos graves da doença mesmo durante a circulação das variantes gama e delta, consideradas preocupantes pela disseminação mais rápida do que as linhagens anteriores.

Com base na análise evolutiva do SARS-CoV-2 (filogenética), os cientistas mostraram que a dinâmica de substituição do vírus na cidade foi semelhante ao restante do país. Começou com as linhagens ancestrais (B.1.1.28 e B.1.1.33) e depois passou para gama, delta (detectada na Índia em 2020 e originalmente chamada B.1.617.2) e, mais recentemente, ômicron. No entanto, em Serrana, a pesquisa revelou que a maioria dos casos para as três variantes foi leve – 88,9%, 98,1%, 99,1%, respectivamente – graças à imunização com CoronaVac (Sinovac Biotech/Instituto Butantan) que havia atingido 80% da população-alvo à época.

Os pesquisadores fizeram análises em 4.375 genomas completos obtidos entre junho de 2020 e abril de 2022, período que engloba desde a introdução inicial do SARS-CoV-2 até o processo de vacinação com pelo menos duas doses.

Por meio da vigilância genômica foi possível, além de monitorar a disseminação das principais variantes do vírus na cidade, detectar algumas raras, como a C.37, que circulou intensamente em países andinos, mas sem disseminação significativa no Brasil. Ou a variante alfa que, embora tenha sido detectada no local, não se espalhou para outras regiões. Ao todo, foram identificadas 52 sublinhagens de SARS-CoV-2 na cidade.

A pesquisa foi publicada na revista científica Viruses e é parte do Projeto S, estudo clínico inédito de efetividade da vacinação em Serrana realizado pelo Instituto Butantan com o apoio da FAPESP. Contou com a participação de pesquisadores do Butantan, do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) e do Centro de Terapia Celular (CTC), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP ligado ao Hemocentro e ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade e São Paulo (FMRP-USP).

A cidade foi usada como modelo para os estudos, onde, pela primeira vez no Brasil, foi aplicada a vacina CoronaVac em massa em adultos maiores de 18 anos, antes mesmo do início do programa oficial de vacinação no país. Foi desenvolvido um programa de sequenciamento em larga escala destinado a investigar em tempo real todas as amostras positivas de SARS-CoV-2 obtidas na cidade (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/a-cidade-como-laboratorio/).

“O sequenciamento de última geração, que permite monitoramento genético de muitas infecções virais, está cada vez mais acessível e é amplamente utilizado para detectar as variações genéticas virais. As tecnologias atuais possibilitam sua ampla utilização até mesmo em territórios mais afastados e com poucos recursos. Tal ferramenta auxilia na prevenção e esclarecimento de surtos, de disseminação de novos genótipos virais ou na identificação de vírus emergentes. A detecção de novos agentes ou variantes virais auxilia na tomada de decisões sanitárias com a finalidade de evitar futuras pandemias ou epidemias”, diz à Agência FAPESP Svetoslav Nanev Slavov, pesquisador do Butantan e primeiro autor do artigo.

Resultados

Dos 4.375 genomas analisados na pesquisa, foram identificados 1.653 casos com a variante delta (37,8%), 1.053 de gama (24,1%), 1.513 de ômicron (34,6%), 75 de zeta (1,7%) e 81 referentes a outras linhagens (1,9%). Embora houvesse participantes de todas as idades, a maioria tinha entre 21 e 50 anos.

Com base na avaliação do escore clínico dos indivíduos positivos, os pesquisadores apontam que a aplicação da vacina esteve relacionada à redução da morbidade e mortalidade, especialmente durante as ondas de gama e delta. Comparam com a cidade de São José do Rio Preto (SP), a cerca de 200 quilômetros de Serrana, onde durante a onda da variante gama houve maior taxa de mortalidade principalmente entre jovens não vacinados.

Os efeitos benéficos da vacinação foram observados em outros estudos, nos quais indivíduos totalmente vacinados eram menos propensos a adquirir infecções sintomáticas ou assintomáticas, mostrando eficácia na redução das taxas de infecção, casos graves e mortalidade relacionados ao SARS-CoV-2.

“Além de realizar o monitoramento genômico dos casos positivos de SARS-CoV-2 na cidade de Serrana, o estudo mostrou os efeitos benéficos da vacinação que, quando aplicada ampla e precocemente, pode reduzir de forma significativa as taxas de mortalidade e morbidade deste agente viral”, completa Simone Kashima pesquisadora do Hemocentro de Ribeirão Preto e autora correspondente do artigo.

Para ela, o trabalho pode servir de base para futuros estudos que visam ao monitoramento genético de infecções virais e possíveis medidas direcionadas ao seu enfrentamento.

O artigo contou ainda com o apoio da FAPESP por meio de sete projetos (21/11944-6; 20/10127-1; 20/06441-2; 17/26950-6; 19/22155-2; 18/15826-5 e 14/50947-7).

O artigo Dynamics of SARS-CoV-2 Variants of Concern in Vaccination Model City in the State of Sao Paulo, Brazil pode ser lido em: www.mdpi.com/1999-4915/14/10/2148/htm.

Sair da versão mobile