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30 anos sem Cobain: as 20 canções favoritas da vida de Kurt (tem até Mutantes)

Com a empolgação da infância e adolescência, líder do Nirvana chegou à idade adulta como uma enciclopédia de rock. Nos 30 anos de sua morte, conheça as canções que ele adorava!

No próximo dia 5 de abril, vai fazer 30 anos da morte de Kurt Cobain (1967-1994), o intrigante líder do Nirvana. Hoje e nos próximos dois dias, vamos relembrar curiosidades da vida de um dos últimos ícones do rock. O Kurt tinha um conhecimento enciclopédico de música e se aprofundou ainda mais nos trabalhos de artistas solo e bandas que o cativaram.

O legal é que ele demonstrava paixão ao demonstrar o que sabia, sem traços de esnobismo.

Em algum dia de 1991 ou 1992 (estimativa de acordo com os discos então mais recentes que incluiu), ele escreveu uma lista de seus 50 álbuns favoritos. Esse manuscrito foi reproduzido no livro “Journals” (“Diários”, na edição brasileira).

Os 50 álbuns favoritos de Kurt Cobain. Imagem: Reprodução/Kurt Cobain Journals

A lista é decentíssima e ainda serve de referência para quem quiser pesquisar no Spotify ou no YouTube. Abrange desde o folk-blues de Leadbelly gravado nos anos 1940 até o rap do Public Enemy e o LP de estreia de PJ Harvey, lançados pouco antes de Kurt fazer seu top 50.

Por questões de espaço, vamos destacar abaixo apenas 20 músicas e artistas que fizeram parte da vida de Kurt, da infância até o fatídico 5 de abril de 1994.

1- The Beatles: “Norwegian Wood (This Bird Has Flown)”

Kurt amou os Beatles por toda a vida, praticamente. Sempre fez questão de expor sua admiração pelo quarteto inglês. Um dos primeiros orgulhos que teve como compositor foi “About a Girl”, um doce pop-rock com toda a cara dos Beatles de 1964.

A canção contrastava com todo o resto pesado e grunge de “Bleach”, o álbum de estreia do Nirvana lançado em 1989 pela gravadora independente Sub Pop, de Seattle. Quatro anos depois, caiu como uma luva na gravação do programa “MTV Unplugged” em versão acústica.

Numa entrevista ao programa “Radio Onde Furlani” na Itália em 1989, Kurt abriu o coração: “Eu diria que a maior influência que já tive foi dos Beatles. Porque eu escutei Beatles desde os cinco anos. Ouvi no rádio que eles tinham se separado havia uns três anos e fiquei completamente arrasado”.

Na mesma entrevista, ele elegeu “Norwegian Wood (This Bird Has Flown)” como sua favorita de todo o catálogo beatle. Saiu no LP “Rubber Soul”, de 1965, e foi a primeira música em que George Harrison tocou uma cítara indiana, pontuando a voz e o violão de John Lennon.

“Minha fase favorita é a do ‘Rubber Soul’, com guitarra e melodias simples”, contou Kurt.

2- The Monkees: “(Theme from) The Monkees”

Quando Kurt nasceu, em fevereiro de 1967, a maior entidade pop na Terra era o quarteto americano The Monkees, que tinha vendas mundiais de seus discos bem maiores que as dos Beatles.

O sucesso dos Monkees era impulsionado pela série de TV homônima que estreou nos EUA em setembro de 1966. Além de reproduzir o humor nonsense dos filmes dos Beatles, cada episódio sempre tinha uma ou duas músicas tiradas dos singles e álbuns do grupo.

Os Monkees eram mal vistos por muita gente porque os quatro atores-músicos foram escolhidos após rigorosa seleção pelos produtores da série. E, nos dois primeiros álbuns, nem mesmo podiam tocar instrumentos nas músicas. Tudo era gravado por músicos profissionais de Los Angeles.

Isso significava exatamente nada para o pequeno Kurt. Existe uma gravação caseira feita por sua tia quando o menino tinha 3 ou 4 anos em que ele cantarola “(Theme from) The Monkees”, a música de abertura em todos os episódios das duas temporadas que o seriado durou.

3- Terry Jacks: “Seasons in the Sun”

Em 1974, quando Kurt tinha sete anos, um inesperado sucesso alcançou o 1º lugar da parada americana de singles. Algo melosa e saudosista, a canção pop-folk “Seasons in the Sun”, do cantor e compositor canadense Terry Jacks, grudou na memória do garoto Cobain.

A música foi cantada por Cobain no bagunçado e bizarro bis cheio de covers que o Nirvana fez no show no festival Hollywood Rock no estádio do Morumbi, em São Paulo, em janeiro de 1993.

Dias depois, a banda gravou uma cover nos estúdios da BMG no Rio de Janeiro. Esta gravação foi lançada em 2004 na caixa “With the Lights Out”.

4- Creedence Clearwater Revival: “Bad Moon Rising” (At The Royal Albert Hall / 1970)

Numa foto de Kurt com sua guitarra aos 15 anos, é possível ver dentro de uma cesta de plástico a capa do LP “Bayou Country”, da banda americana Creedence Clearwater Revival (um dos três LPs que o quarteto lançou em 1969!). Uma demonstração do bom gosto do jovem Kurt. Entre 1969 e 1970, o CCR foi gigante com uma sequência de sucessos na parada.

O líder e guitarrista John Fogerty sabia compor rocks aparentemente fáceis, melódicos, misturando country e rock de raiz, mas sem soar retrô. Fogerty também é um dos melhores gritadores da história do rock. Seria possível dizer que ajudou Cobain a saber como usar o berro vindo da alma com sabedoria.

O Nirvana tocou a clássica “Bad Moon Rising” ao vivo. Ela não fazia parte do álbum “Bayou Country” que aparece na foto citada, mas do LP seguinte, “Green River”. O que indica que Kurt tinha mais de um disco do Creedence.

5- AC/DC: “Back in Black”

Se não foi a primeira, foi uma das primeiras músicas que Kurt aprendeu a tocar na guitarra por volta dos 14 anos. A histórica pauleira da banda australiana AC/DC se encaixou no interesse que Cobain teve pelo hard rock ainda nos anos 1970.

6- Led Zeppelin: “Heartbreaker”

O tal interesse acima citado de Kurt por rock mais pesado deveu-se a duas bandas, segundo ele próprio: Led Zeppelin e Aerosmith. O Zeppelin era gigante no mundo e o Aerosmith era gigante nos EUA na fase em que Cobain fazia a transição da infância para a adolescência.

Kurt até batizou o instrumental “Aero Zeppelin”, da coletânea “Incesticide” (1992), em homenagem às duas bandas. Mas foi uma mũsica do Led Zep que teve mais vez em shows do Nirvana. Kurt se arriscou várias vezes no riff principal de “Heartbreaker”, uma faixa do álbum “Led Zeppelin II” (1969) em que o guitarrista Jimmy Page exibe sua técnica no solo sem qualquer medo de parecer exibicionista.

7- Iggy and The Stooges: “Search and Destroy”

Os Stooges de Iggy Pop já eram punks antes do punk. Seus álbuns de 1969 (“The Stooges”) e 1970 (“Fun House”) são clássicos de barulho e sujeira. Mas Kurt gostava mais do terceiro, “Raw Power”, lançado em 1973 e produzido por David Bowie. Com a banda rebatizada como Iggy and The Stooges neste LP, a abertura acelerada e caótica com “Search and Destroy” já dava o recado.

Na lista manuscrita de 50 álbuns favoritos citada na abertura deste texto, o primeiro disco anotado no canto esquerdo superior da folha de papel é “Raw Power”.

8- David Bowie: “The Man Who Sold the World”

Bowie tem músicas e fases da carreira mais famosas, celebradas e imitadas. Mas Cobain criou uma fascinação pela música-título do álbum de 1970 do cantor-compositor inglês. A ponto de fazer uma cover muito fiel no programa “MTV Unplugged” em 1993.

Na cover, Kurt ludibria nitidamente o conceito de “acústico” do programa da MTV. Seu violão está plugado em amplificador e ele usa efeito para manter a sustentação nos solos.

9- Sex Pistols: “Anarchy in the UK”

O punk que explodiu no Reino Unido e nos EUA a partir de 1976 pegou Cobain. E, mesmo quando rico e famoso, ele se esforçou para manter uma certa ética punk e a devida sujeira sonora. Entre os favoritos de Kurt, estavam os pioneiros ingleses Sex Pistols.

O álbum “Never Mind the Bollocks – Here’s the Sex Pistols” (1977) entrou no Top 50 de Cobain. E o Nirvana chegou a tentar uma cover de “Anarchy in the UK” num show em 1992.

10- The Knack: “My Sharona”

Por mais punk que se sentisse, Kurt nunca deixou de ter um ouvido atento para rock mais pop. E ele não tinha muito como escapar de “My Sharona”, sucesso gigantesco de 1979 do quarteto americano The Knack, que gostava de imitar o visual dos Beatles em 1964/65 na época de seu primeiro álbum.

Cobain resgatou “My Sharona” da memória no show em Rennes, França, em fevereiro de 1994. Uma das derradeiras apresentações do Nirvana.

11- The Cars: “My Best Friend’s Girl”

Outro pop-rock relembrado por Cobain na turnê europeia de 1994. Ou melhor, no que viria a ser o último show do Nirvana e da vida dele. Em 1º de março de 1994, a banda se apresentou em Munique e tocou uma cover de “My Best Friend’s Girl”, faixa do álbum de estreia do grupo americano The Cars, lançado em 1978.

O tema principal de guitarra desta música é “roubado” de “I Will”, canção de 1968 dos Beatles, conforme admitiu Elliot Easton, guitarrista dos Cars.

12- Gang of Four: “I Found That Essence Rare”

O pós-punk que sucedeu o punk no Reino Unido e nos EUA na entrada dos anos 1980 também cativou Cobain. Músicas tensas, angulosas, secas e com temas diferentes plantaram sementinhas na cabeça de Kurt até florescerem em certas composições do Nirvana.

O quarteto esquerdista inglês Gang of Four indicou caminhos com seu álbum de estreia “Entertainment!”, de 1979 (que Cobain incluiu em seu Top 50). Cobain chegou a dizer que o Nirvana nasceu como uma imitação de Gang of Four e a banda americana Scratch Acid.

“I Found That Essence Rare” foi e ainda é um dos principais destaques da obra do Gang of Four.

14- Scratch Acid: “Cannibal”

Já que o Scratch Acid foi citado por Cobain como uma influência inicial do Nirvana, vale ouvir “Cannibal”, faixa de abertura do EP de estreia da banda, lançado em 1984. E, é claro, o EP “Scratch Acid” foi incluído por Kurt em seu Top 50.

15- Wipers: “D-7”

Uma das covers prediletas do Nirvana era “D-7”, faixa de “Is This Real?”, álbum de estreia da banda americana Wipers lançado em 1980.

No dia em que escreveu seu Top 50 de LPs, Kurt devia estar passando por uma forte fase de ouvir Wipers. Praticamente todos os outros artistas tiveram apenas um álbum, mas os Wipers tiveram TRÊS discos na lista.

16- The Vaselines: “Son of a Gun”

Kurt adorava a relativa inocência primitiva da banda escocesa The Vaselines. Tanto que incluiu na coletânea “Incesticide” duas covers deles: “Molly’s Lips” e uma versão mais pesada de “Son of a Gun”. Depois, no “MTV Unplugged”, Kurt também cantou “Jesus Doesn’t Want Me for a Sunbeam”.

“Son of a Gun”, do EP homônimo lançado em 1987, entra aqui porque a gravação dos Vaselines foi tocada no sistema de som do Morumbi durante os minutos de espera pela entrada do Nirvana no palco em janeiro de 1993.

17- Pixies: “Gigantic”

O quarteto americano Pixies teve influência pesada sobre o Nirvana. É possível identificar um parentesco de dinâmica e ritmo entre “Debaser” (faixa de 1989 dos Pixies) e “Smells Like Teen Spirit”. A alternância entre momentos quietos e explosões no refrão também é comum às duas bandas.

A faixa favorita de Cobain estava no primeiro LP dos Pixies, “Surfer Rosa” (1988), produzido por Steve Albini – que, em 1993, produziu “In Utero” para o Nirvana. “Gigantic” era a música dos Pixies que Kurt mais gostava. Principalmente porque era cantada de forma cool pela baixista Kim Deal em vez do líder e grande berrador Black Francis.

Cobain disse em 1992: “Queria que Kim compusesse mais músicas para os Pixies, porque ‘Gigantic’ é a melhor dos Pixies e foi ela quem copoôs”. Em seu Top 50, Cobain colocou tanto “Surfer Rosa” como “Pod”, estreia de The Breeders, a banda que Kim Deal fundou inicialmente como projeto paralelo antes do fim da primeira existência dos Pixies em 1993.

18- Leadbelly: “Where Did You Sleep Last Night?”

Uma balada folk sombria, ameaçadora, bela em sua brutalidade. “In the Pines” (ou “Where Did You Sleep Last Night?”) foi uma de inúmeras canções gravadas por Leadbelly (ou Lead Belly) nos anos 1930 e 1940 depois de ser descoberto numa penitenciária no estado de Louisiana em 1933 pelos pesquisadores John e Alan Lomax.

Cobain conheceu a canção com o amigo Mark Lanegan, vocalista do grupo Screaming Trees. Registrou sua própria versão épica no “MTV Unplugged”. Música que encerrou a apresentação, é talvez a performance mais intensamente emocional de toda a carreira de Cobain.

19- Os Mutantes: “A Minha Menina”

No fim de 1992, quando se preparava para tocar no Brasil em janeiro de 1993, Kurt ganhou de um amigo os dois primeiros álbuns da banda paulistana Os Mutantes, lançados em 1968 e 1969. Cobain ficou fascinado com a inventividade psicodélica moderna de uma banda que fazia no “terceiro mundo” sons que ninguém fazia nos EUA ou no Reino Unido.

Em território brasileiro, Kurt manifestou o desejo de conhecer Arnaldo Baptista (um dos três cérebros dos Mutantes, junto a Rita Lee e seu irmão Sérgio Dias Baptista). Mas não teve como ir até o sítio em que o brasileiro morava em Minas Gerais. Conseguiu apenas enviar um bilhete desenhado e escrito de próprio punho.

Em entrevistas, Kurt falou empolgadamente sobre Mutantes e disse que se impressionava com o que eles faziam com uma caixa de distorção fuzz fabricada em casa (pelo irmão mais velho de Arnaldo e Sérgio).

Talvez não haja no repertório dos Mutantes melhor representação do uso do pedal fuzz excêntrico que em “A Minha Menina”, música de Jorge Ben (Jor) que entrou no LP de estreia “Os Mutantes”, de 1968.

20- R.E.M.: “Find the River”

Kurt adorava R.E.M.. Porque foi um símbolo do rock independente americano dos anos 1980 e não comprometeu sua visão de mundo ao assinar com a gigante gravadora Warner Bros.. Além da integridade, Cobain apreciava o som do quarteto.

Em seus últimos meses de vida, Kurt planejava compor e gravar um álbum calmo em parceria com Michael Stipe, vocalista do R.E.M. que virou seu amigão. Não houve tempo.

Em 8 de abril de 1994, perto do corpo de Cobain, o aparelho de som estava com o CD “Automatic for the People”, brilhante álbum lançado pelo R.E.M. em 1992. Se chegou até o final do disco, Kurt ouviu a belĩssima última faixa “Find the River”.

Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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