A futura paisagem do Nordeste e do litoral

Haverá mais áreas altas, já que as bacias sedimentares se elevam principalmente nessas regiões
A futura paisagem do Nordeste e do litoral
Imagem: UPSION/Wikimedia Commons

Texto: Carlos Fioravanti/Revista Pesquisa Fapesp

O Brasil deverá ter uma paisagem mais montanhosa em alguns milhões de anos. Com poucas serras e chapadas, a região Nordeste ganha áreas mais altas, muito lentamente. Já na costa brasileira, poderá se erguer uma cordilheira,  também com vagar.

É possível imaginar um Nordeste cheio de elevações porque as chamadas bacias sedimentares, há milhões de anos, sofrem um soerguimento, resultado da compressão das placas tectônicas, os grandes blocos de rochas que formam a camada mais superficial da Terra.

Normalmente baixas, em comparação com as áreas vizinhas, as bacias sedimentares se formam em geral pelo afastamento de estruturas geológicas mais densas, acumulam fragmentos de rochas e restos de animais e vegetais.

No Brasil as dimensões das bacias variam bastante: a Amazônica tem 7 milhões de quilômetros quadrados (km2) e acumula estimados 20% da água doce do planeta, enquanto a de Taubaté, a leste do estado de São Paulo, tem 4,2 mil km2. As duas estão sendo espremidas – ou comprimidas – pelas placas entre as quais se formaram, de acordo com um levantamento nacional publicado em abril na revista Journal of South American Earth Sciences.

Das 72 bacias sedimentares terrestres e marítimas, que respondem por cerca de 60% do território nacional, pelo menos 22 sofrem compressão desde o período geológico conhecido como Cretáceo Superior, de 100 milhões a 66 milhões de anos atrás.

A maioria (12) das bacias em elevação encontra-se ao longo da costa brasileira, região já bastante estudada pelos geólogos em vista da possibilidade de abrigarem petróleo. É o caso das bacias de Santos e Campos, principal centro produtor de petróleo e gás natural com 352 mil km2, do litoral sul do Rio de Janeiro até o norte de Santa Catarina.

Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Coordenado pelo geólogo Francisco Hilário Bezerra, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o estudo citou também outras 51 bacias sedimentares sendo espremidas e se elevando no mundo. O trabalho contou com o apoio de dois institutos nacionais de Ciência e Tecnologia – o de Estudos Tectônicos (INCT-ET) e de Geofísica de Petróleo (INCT-GP) – e do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).

“As inversões não ocorrem especialmente onde a crosta é mais fina, como em algumas áreas no Norte e no Nordeste do Brasil”, diz Bezerra. Chamado de inversão tectônica, por consistir na pressão – ou compressão – das placas tectônicas entre as quais estão as bacias, no sentido oposto ao afastamento que as gerou, esse movimento modifica o relevo lentamente, ao passo que os vulcões e terremotos causam mudanças repentinas. Pode também desviar rios e criar condições para a formação de reservatórios subterrâneos de água ou petróleo, aprisionados com o deslocamento dos blocos de rochas.

Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

“A inversão das bacias sedimentares é um tema pouco explorado, principalmente no Brasil”, comenta o geólogo Claudio Riccomini, dos institutos de Energia e Meio Ambiente (Iema) e de Geociências (IGc), ambos da Universidade de São Paulo (USP), que não participou do estudo. “Em casos extremos, gera cadeias de montanhas.”

A chapada do Araripe, que se estende por cerca de 200 quilômetros (km) nos estados do Ceará, Pernambuco e Paraíba, com até mil metros (m) de altura, por exemplo, já foi uma bacia sedimentar com topografia baixa. Formada há cerca de 150 milhões de anos, essa área começou a afundar – movimento associado à formação das bacias sedimentares – há cerca de 110 milhões anos em resposta a mudanças no sentido das forças das placas tectônicas decorrentes da separação entre a América do Sul e a África. Bem depois, pelo menos desde o período chamado Cretáceo Superior, cerca de 60 milhões de anos atrás, começou a subir, também como reação à compressão de estruturas mais densas que a cercam.

O geólogo Norberto Morales, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (IGCE-Unesp), que percorreu o Araripe pela primeira vez em 1997, observa que a formação da chapada não apenas modificou o relevo, mas também favoreceu a ocupação humana.

“As regiões de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha e outras do vale do Cariri, na Paraíba, têm muita água e plantações em consequência da inversão da bacia do Araripe”, diz ele. “A chapada funciona como uma barreira à umidade e faz a chuva escoar. A água se infiltra no solo, acumula-se em rochas porosas como o arenito e abastece os lençóis freáticos.” No estudo mais recente, publicado em janeiro na revista Tectophysics, o grupo da Unesp mostra que, como outras bacias do Nordeste, a do Araripe foi gerada por esforços de afastamento e ainda no Cretáceo esteve sujeita também à inversão, influenciada por forças de compressão.

A formação da chapada do Araripe barrou a umidade e facilitou o crescimento da vegetação

A formação da chapada do Araripe barrou a umidade e facilitou o crescimento da vegetação. Imagem: Jacob Pereira / Wikimedia Commons

Outro exemplo é a serra do Espinhaço, que se estende por cerca de mil km nos estados de Minas Gerais e Bahia, com altitude máxima de 2.072 m no pico do Sul, no município mineiro de Catas Altas. Essa área começou a elevar-se há 600 milhões de anos, quando rochas sedimentares e vulcânicas soterradas a grandes profundidades começaram a subir, pressionadas pelos blocos rochosos vizinhos.

“Os Andes também já foram uma bacia sedimentar de baixa altitude, tanto que têm fósseis marinhos”, acrescenta Riccomini. A cordilheira na borda oeste da América do Sul começou a se formar há cerca de 60 milhões de anos, como resultado da subducção – ou mergulho – da placa de Nazca sob a placa Sul-americana, que pressionou o relevo para cima. Com as bacias situadas entre os limites das placas tectônicas, como as da porção continental do Brasil, o processo é diferente: é a quantidade de sedimentos acumulados, não a pressão das placas, que vai determinar o quanto uma área poderá se elevar.

De acordo com esse raciocínio, as bacias sedimentares do Nordeste, por não abrigarem tanto sedimento, não devem sofrer um soerguimento acentuado. Mas é possível pensar que, em centenas de milhões de anos, a costa brasileira esteja cercada por áreas mais elevadas que o atual relevo, já que ao longo do litoral as bacias são mais profundas, com mais sedimentos.

“Alguns modelos teóricos sobre a evolução dos continentes indicam que poderia se formar uma zona de subducção na costa brasileira, que marca o limite da crosta continental e da crosta oceânica”, comenta Morales. “Por ser mais densa, a crosta oceânica vai mergulhar sob a continental. Foi assim que os Andes começaram.”

Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Ecos da separação dos continentes

Ver a América do Sul e a África em um mapa ajuda a entender por que as bacias sedimentares sobem em vez de afundarem.

“Quando a América do Sul se separou da África, formou-se uma cordilheira no meio do Atlântico, a Dorsal Meso-oceânica, que pressiona a placa Sul-americana para oeste”, explica Bezerra.

Do outro lado do continente, ele acrescenta, a placa de Nazca mergulha sob a placa Sul-americana e, depois de ter formado os Andes, empurra para leste os blocos de rochas que formam o continente. “Como resultado, o trecho continental da placa Sul-americana, que fica no meio, é comprimido e joga para cima as partes menos densas, que são as bacias sedimentares”, diz Bezerra.

Morales acrescenta: “Deveríamos considerar também a placa do Caribe, que é pequena, mas decisiva para a formação geológica da Amazônia”. Segundo ele, a movimentação da placa do Caribe resultou, por exemplo, nos vastos depósitos de petróleo da Venezuela.

Segundo o geólogo David Vasconcelos, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), que participou do trabalho, houve três grandes períodos de elevação das bacias brasileiras: de 100 milhões a 70 milhões, de 50 milhões a 40 milhões e de 20 milhões até o presente. Essas fases coincidem com as de maior crescimento dos Andes, em resposta ao movimento da placa de Nazca.

Como algumas bacias são muito extensas, não é possível verificar quanto de cada uma se elevou, mas em algumas áreas esse fenômeno e suas consequências são visíveis. É o caso da serra do Mel, um trecho central da bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte. Pressões identificadas por várias técnicas geológicas e geofísicas resultaram em uma elevação de 273 m de altura, com 40 km de largura e 70 km de comprimento, cercada por áreas a nível do mar.

Imagem: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

“Em consequência da compressão na serra do Mel, as falésias litorâneas, já com mais de 100 m, também estão soerguendo e os rios se afastando”, comenta Bezerra. Segundo ele, a serra está empurrando o rio Mossoró ainda mais para oeste e o Açu mais para leste. As planícies ao lado dos rios, principalmente do Açu, indicam esse deslocamento. Ao redor da serra, outros trechos da bacia Potiguar se movem em várias direções, em resposta à pressão das placas tectônicas.

A visão mais clara sobre o estado e as tendências da paisagem brasileira resulta de estudos iniciados nos anos 1980, quando geólogos e geofísicos do mundo inteiro verificaram que as regiões entre as placas tectônicas estavam sendo comprimidas. O resultado foi a elaboração de um mapa de forças geológicas, publicado inicialmente em 1992, com a participação do geofísico Marcelo Assumpção, da Universidade de São Paulo (USP); a versão mais recente, de 2016, registra 42 mil pontos de tensão entre blocos de rochas, dentro e fora das bacias.

Artigos científicos

BEZERRA, F. H. et alReview of tectonic inversion of sedimentary basins in NE and N Brazil: Analysis of mechanisms, timing and effects on structures and reliefJournal of South American Earth Sciences. v. 126, 104356, p. 1-29. 18 abr. 2023.
ROSA, M. C. et al. Transtensional tectonics during the Gondwana breakup in northeastern Brazil: Early Cretaceous paleostress inversion in the Araripe BasinTectonophysics. v. 846, 229666, p. 1-21. 5 jan. 2023.

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