A história do Primeiro de Abril (ou: Veja e o caso do “boimate”)
Eis um vídeo bem interessante explicando a história do Primeiro de Abril. Você já deve saber que é uma tradição surgida após a mudança do calendário juliano para o gregoriano, mas você talvez não saiba que até mesmo publicações de respeito entram na brincadeira. Isso fez a Veja publicar reportagem sobre um artigo falso da Scientific American, no que é a “barriga” mais célebre da história da imprensa brasileira.
As primeiras referências ao Primeiro de Abril começam no século XVII, mas são pouco frequentes e pouco detalhadas. A teoria mais popular é que ele começou em 1582 quando a França mudou para o calendário gregoriano: antes, o país comemorava o Ano Novo durante oito dias, de 25 de março a 1° de abril; depois, a data final era 1° de janeiro.
Como a informação se espalhava beeeem devagar na época, muita gente ainda comemorava a virada do ano em 1° de abril, e virava motivo de piada pra quem já estava no novo calendário. Isso acabou evoluindo até virar uma tradição de pregar peças neste dia. Mas a origem é controversa: o Primeiro de Abril já estava bem estabelecido na Inglaterra, que só mudou de calendário em 1752. E mesmo os antigos romanos pregavam peças durante esta época do ano, no festival chamado “hilaria”.
Nos EUA e Reino Unido, até mesmo nomes respeitáveis da mídia – como The Guardian e NPR – participam da tradição do Primeiro de Abril. E a Veja caiu. Uma matéria da Scientific American dizia que cientistas conseguiram fundir células animais e vegetais: assim, eles criaram um tomate reforçado com células de boi que possuía uma polpa mais nutritiva, com 40 vezes mais proteína que um tomate comum.
A Veja não sabia que era pegadinha e publicou matéria sobre ela. Como diz o jornalista Alec Duarte, “a redação de Veja não percebeu as pistas, abundantes no texto, de que se tratava de um trote”. A matéria da Veja vinha com um infográfico imenso tentando “explicar o inexplicável”, como diz Duarte, e vem até mesmo com a citação de um engenheiro genético da USP impressionado com o feito.
A Scientific American publicou o artigo em 31 de março; a reportagem da Veja saiu em 27 de abril. Era 1983, uma época difícil de se conseguir novidades do exterior: livros, revistas e jornais chegavam a preço alto e com atraso por aqui. Também era difícil de se checar informações, com a rede telefônica ineficaz da época: ligações caíam muito, e até mesmo discar repetidas vezes dava trabalho (eram telefones a disco, sem função “rediscagem”).
Jornais brasileiros, felizmente, brincam pouco de Primeiro de Abril: “em 1º de abril de 1848, um periódico pernambucano batizado A Mentira trouxe a notícia do falecimento de Dom Pedro I”, como lembra o jornalista André “Marmota”; 150 anos depois, em 1999, o jornal Cruzeiro do Sul (Sorocaba/SP) resolveu publicar uma capa só com notícias falsas. Por aqui, parecem vingar mais os sites com notícias falsas o ano inteiro, como Sensacionalista, Diário de Barrelas e G17. [Jeremiah Warren via Gizmodo US; Webmanario; Marmota]