A monarca mais pop da história
“Quem ela/ele pensa que é, a rainha da Inglaterra?”
Talvez hoje em desuso, essa frase serviu por muito tempo no Brasil para se referir a alguém que passava a imagem de alguém privilegiado, esnobe, acima dos outros ou algo parecido. Isso dá uma ideia do quanto Elizabeth 2ª, rainha da Inglaterra e de todo o Reino Unido britânico, foi uma personagem muito presente na cabeça de pessoas do mundo todo durante sua presença no trono, de 1952 até sua morte nesta quinta-feira, 8/9, aos 96 anos.
Nenhum monarca da história foi tão absorvido pela cultura pop (e se aproveitou dela) quanto Elizabeth 2ª. Sua imagem, instantaneamente reconhecível, marcou presença em filmes, séries de TV, obras de arte, capas de discos (com ou sem músicas inspiradas por ela) e outras manifestações.
A lista total é enorme. Mas aqui vamos destacar alguns pontos altos dessa relação.
Cinema e TV
As telas pequenas, médias e enormes adoravam a rainha. Sua coroação em 1953 foi o primeiro grande evento transmitido ao vivo e provocou um boom de vendas de aparelhos no Reino Unido que impulsionou a popularidade da televisão no país. Os súditos até puderam aproveitar para assistir ao vivo à final da Copa da Inglaterra de futebol, que aconteceu na mesma época da coroação. Jogos na TV britânica foram raros até a década de 1990, acredite.
A imagem de Elizabeth em filmes ou séries é algo mais recente, mas de forma bastante intensa. O longa-metragem A Rainha (The Queen), de 2006, garantiu à espetacular atriz Helen Mirren o Oscar de Melhor Atriz por interpretar a rainha envolvida no turbilhão de emoções e tensões quando sua ex-nora Diana, que foi esposa do hoje rei Charles 3º, morreu em 1997.
Mirren voltou a encarnar a rainha Elizabeth na primeira montagem da peça teatral The Audience, em 2013, num palco de Londres.
O filme que proporcionou a glória para Helen Mirren foi uma espécie de base para a série The Crown, da Netflix, que já teve quatro temporadas exibidas desde 2006. A quinta estava prevista para estrear em novembro de 2022 e há pelo menos mais uma prevista para depois – agora não se sabe como a morte de Elizabeth afetará o roteiro dela.
A cada duas temporadas, uma atriz diferente interpreta a monarca. Nas duas primeiras, Claire Foy se encarregou da jovem Elizabeth em seus primeiros anos de reinado. Na terceira e quarta, a ótima Olivia Colman assume o papel de rainha madura. Para as próximas, está escalada Imelda Staunton.
Outro filme que ganhou Oscar tem Elizabeth. O Discurso do Rei (The King’s Speech), de 2010, ganhou quatro estatuetas – Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Colin Firth como o rei George 6º, pai de Elizabeth) e Melhor Roteiro Original. Helena Bonham Carter, que interpretou a jovem princesa Elizabeth, foi indicada para Melhor Atriz Coadjuvante, mas não venceu.
O agente James Bond/007, símbolo de servidor de Sua Majestade Britânica nos cinemas, contracenou com a rainha. Não em um filme, mas num vídeo feito para a cerimônia de abertura das Olimpíadas de Londres em 2012. A verdadeira rainha atua com o então 007, o ator Daniel Craig (ver a imagem de destaque deste post).
A rainha também foi transformada em animação. É vista em Minions (2015) e no dinamarquês The Queen’s Corgi, de 2019, inspirado nos cachorrinhos da raça Corgi que eram os favoritos dela.
A Elizabeth profissional
Caso curioso é o da atriz britânica Jeannette Charles, ainda viva aos 94 anos no momento da redação deste texto. Ela ganhou a vida por muitos anos como sósia de Elizabeth 2ª e, com isso, marcou presença em alguns filmes.
Jeannette foi a rainha que tem o azar de topar com o estúpido tenente Frank Drebin (Leslie Nielsen) na comédia Corra que a Polícia vem Aí! (The Naked Gun: From the Files of Police Squad!), primeiro filme dessa franquia lançado em 1988.
A sósia também apareceu em Férias Frustradas 2 (National Lampoon’s European Vacation, 1985) e Austin Powers em O Homem do Membro de Ouro (Goldmember, 2002).
A respeitável senhora Jeannette também teve uns momentos em cena no “fakementário” The Rutles: All You Need Is Cash (1978), uma sátira criada por Eric Idle – então membro do grupo cômico inglês Monty Python – totalmente calcada na história dos Beatles. Ela também fez uma sessão de fotos com a banda Queen.
Rock x Rainha
Já que citamos duas bandas históricas de rock, tratemos da relação de Sua Majestade com a música. Consta que sua música favorita para dançar seria o clássico pioneiro do jazz “The St. Louis Blues”, composição de 1914 de W.C. Handy. Mas uma geração seguinte – a do rock – teve uma relação de amor e ódio com ela.
Os Beatles foram o primeiro mergulho pop escancarado da monarca. Em 1965, eles eram tão populares no mundo todo que não é exagero dizer que constituíam um dos principais produtos de exportação do Reino Unido. Não havia mais como a nobreza ignorar. E Elizabeth decidiu conceder aos quatro de Liverpool a Ordem do Império Britânico (MBE), que na época não lhes conferia o tratamento de “Sir”.
Inúmeros outros orgulhosos MBE devolveram suas medalhas em protesto à entrada dos cabeludos cantantes em seu clube restrito. Mas o processo foi até o fim. Os quatro foram ao Palácio de Buckingham receber suas comendas e Paul McCartney disse que a rainha era “como uma mãe para nós”.
Em sua fase engajada, John Lennon devolveu sua MBE em 1969 em protesto à Guerra da Biafra, da qual o exército britânico participava. Mas os anos passaram e hoje os dois Beatles sobreviventes, McCartney e Ringo Starr, ostentam o título de “Sir”.
Os Beatles inauguraram uma onda que se ampliou a partir dos anos 1990. Atualmente, há vários “Sir” da música e do cinema: Mick Jagger, Elton John, Rod Stewart, Ray Davies de The Kinks, Barry Gibb dos Bee Gees, Tom Jones, Charlie Chaplin, Sean Connery, Roger Moore, Michael Caine, Christopher “Dracula” Lee, Michael Palin (Monty Python), Anthony Hopkins.
Há também as “Dames” Elizabeth Taylor, Helen Mirren, Olivia Newton-John, Diana Rigg e a honorária (por ser americana) Angelina Jolie.
Voltando a música. Não houve lisonja maior para a rainha que o nome da banda Queen, cujo astro maior Freddie Mercury costumava ir ao palco com manto e coroa.
Na contramão do afago do Queen, houve a fúria dos Sex Pistols em 1977, ano do Jubileu de 25 anos de reinado de Elizabeth. Em meio ao clima de celebração popular dos súditos, a banda punk por excelência lançou a música “God Save the Queen” (também o nome do hino britânico em vigor até hoje; agora voltará a ser “God Save the King”).
Para lançar o disco, os Pistols navegaram num barco chamado Queen Elizabeth no rio Tâmisa, em Londres, com uma atitude de afronta e esculacho. A música foi proibida nas rádios estatais BBC e mesmo assim o compacto vendeu muito. Há a teoria de que manobras de bastidores garantiram que “God Save the Queen” não chegasse ao 1º lugar da parada britânica. Ficou apenas em 2º, oficialmente.
Outro confronto notório foi o do álbum de 1986 da banda The Smiths, batizado como The Queen Is Dead, cuja faixa de abertura era homônima. O cantor Morrissey fazia questão de se proclamar avesso à monarquia. Na época, causava sensação. Nos últimos tempos, as várias manifestações de preferências fascistas do artista colocam em xeque essa rebeldia.
Queen & King
Futebol, o esporte mais popular do mundo, é uma criação inglesa (ou britânica, cobrariam os escoceses). Em 2022, é praticamente um fenômeno pop cheio de ídolos. Mas o primeiro verdadeiro mega-astro pop internacional deste esporte foi o brasileiro Pelé.
Pelé conheceu a rainha Elizabeth na tribuna de honra do Maracanã em novembro de 1968, durante a visita oficial dela ao Brasil. Após um amistoso em que a Seleção Paulista venceu a Seleção Carioca por 3 a 2, Pelé foi receber o troféu da partida das mãos de Sua Majestade. Gérson, o Canhotinha, também subiu à tribuna como capitão da equipe de melhores jogadores do Rio.
Não ficou só nisso. Em 1997, Pelé recebeu uma medalha de cavaleiro britânico honorário (por não ser cidadão do Reino Unido ou de um país da Commonwealth) das mãos de sua velha conhecida no palácio de Buckingham.
Além de Pelé, Elizabeth foi destaque na abertura da Copa do Mundo de 1966 na Inglaterra, e entregou a Taça Jules Rimet para o capitão inglês Bobby Moore após o triunfo sobre a Alemanha Ocidental na final. Vinte anos depois, ela entregou a taça da Eurocopa para os alemães no mesmo estádio de Wembley.
Futebolistas também receberam suas medalhas de membros do império britânico. Desde o histórico Stanley Matthews (que jogou profissionalmente até os 50 anos) e vários campeões da Copa de 1966 até os atuais Gareth Bale e Harry Kane.