A neurociência explica as fraquezas da tecnologia de realidade virtual

A realidade virtual nunca será perfeita. E a culpa disso é do nosso cérebro.

A realidade virtual está chegando e parece que dessa vez vai funcionar. Mas vamos falar a verdade: ainda existem muitas coisas que a realidade virtual faz que não enganam o cérebro humano. E isso tem pouco a ver com a tecnologia — em vez disso, o problema está na neurociência e nos limites perceptivos do nosso cérebro.

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É verdade, no últimos tempos ouvimos falar de muitos sistemas de realidade virtual que são bem melhores que aqueles dispositivos desajeitados e que causavam náuseas dos anos 90. Como o HTC Vive e o Sony Project Morpheus, por exemplo – isso sem contar o Oculus Rift que evoluiu muito desde a aquisição pelo Facebook por US$ 2 bilhões. E ainda temos a Magic Leap, que é fantástica mesmo que não saibamos direito o que o pessoal de lá está fazendo.

Essa nova linha de dispositivos é boa o suficiente para impressionar qualquer um que os use, mesmo que as imagens ainda sejam meio pixelizadas e com um pouco de lag. As pessoas do mundo da realidade virtual chamam esse sentimento de “presença”. Mas é possível enganar um pedaço do cérebro sem enganar outra parte.

Quando jornalistas escrevem sobre como ficaram impressionados com o mais recente dispositivo VR, eles estão falando sobre o impacto emocional causado ao ver por cima dos muros de um castelo a invasão de um exército inimigo. Eles não querem dizer que a realidade virtual é indistinguível da realidade. Como Jason Jerald, um consultor de tecnologia para empresas de VR, diz, “Nós podemos nos engajar bastante em mundos cartunescos”. As imagens não precisam estar perfeitas para criar o sentimento de presença.

Mas essas imperfeições se tornam mais óbvias conforme você passa mais tempo com um desses dispositivos. Ou quando tenta andar e se virar quando os está usando. São muitos os motivos, tanto conscientes quanto inconscientes, que fazem seu cérebro rejeitar a realidade de uma tela montada a alguns centímetros dos seus olhos.

Latência e o problema do enjoo de movimento

Chame do que quiser, mas é fato que náuseas acontecem e são relacionadas à realidade virtual. O principal motivo disso é a latência, ou o pequeno (mas perceptível) atraso entre quando você move a sua cabeça na realidade virtual e quando a imagem em frente aos seus olhos muda — criando um descompasso entre os movimentos que sentimos (com nossos ouvidos internos) e a imagem que vemos (com os nossos olhos).

Na vida real, esse delay é zero. “Nossos sistemas sensorial e motor são fortemente acoplados”, diz Beau Cronin, que obteve seu doutorado em neurociência computacional no MIT e está escrevendo um livro sobre a neurociência da realidade virtual.

Na realidade virtual, no entanto, a latência pode ser de algo como 20 milissegundos, ou ainda mais dependendo da aplicação. Nunca será zero já que um computador sempre precisa de tempo para registrar nossos movimentos e desenhar a imagem nova.

Então quão baixa a latência tem que ser para não notarmos? Jerald, que fez sua pesquisa de doutorado sobre os limites perceptivos da latência, descobriu que varia bastante: suas cobaias mais sensíveis notavam lags de 3,2 milissegundos, os menos sensíveis chegavam a centenas de milissegundos. De fato, a sensibilidade a enjoo de movimento pode variar muito também. Talvez nunca seja possível projetar um dispositivo que não faz ninguém passar mal, mas é possível criar um design para certas aplicações que não fará mal à maioria das pessoas.

Meus olhos! O conflito vergência-acomodação

Uma coisa estranha ocorre na realidade virtual: você pode olhar o horizonte a partir de uma praia virtual, mas ainda vai se sentir preso em uma sala. Isso pode ser, em parte, o resultado de um feedback sutil dos músculos ao redor dos seus olhos. No pior dos casos, isso pode causar fadiga ocular e dores de cabeça fortíssimas.

Eis o que acontece. Coloque um dedo em frente ao seu rosto e mova-o gradualmente em direção ao seu nariz – seus olhos vão naturalmente se aproximar para acompanhar o dedo. Isso é a vergência, quando seus olhos convergem e divergem para olhar para objetos próximos ou distantes, respectivamente. Ao mesmo tempo, as lentes dos seus olhos se focam para que a imagem do seu dedo permaneça clara enquanto o fundo está embaçado. Isso é chamado acomodação visual.

Na realidade virtual, no entanto, a vergência e acomodação visual não são tão integradas. A tela de um headset comum fica a cerca de três polegadas dos seus olhos. Um par de lentes dobra a luz, e então a imagem na tela parece estar entre um e três metros de distância. No entanto, qualquer objeto mais distante ou próximo a isso pode ficar borrado. E toda a tela sempre está focada, independentemente de para onde seus olhos estão olhando. Por isso, passar um período longo em VR pode ser algo desconfortável.

Algumas ideias já surgiram na tentativa de solucionar esse problema. Vamos falar da Magic Leap. A empresa não divulgou muita coisa publicamente até agora, mas suas patentes mostram um interesse na tecnologia de campo de luz, quando uma tela de pixels é substituída por uma matriz de pequenos espelhos que refletem a luz diretamente para os olhos. Os objetos renderizados através da luz supostamente atingem uma profundidade real, entrando e saindo de foco como ocorre com objetos reais.

A armadilha de um campo de visão amplo

Para ser verdadeiramente imersiva, a realidade virtual precisa mostrar para você o que está em frente aos seus olhos — e também o que está ao lado deles. O problema? “Quanto mais amplo o campo de visão, mais sensível você é ao movimento”, diz Frank Steinicke, um professor da Universidade de Hamburgo que passou 24 horas dentro de um Oculus Rift como um experimento.

Já viu alguma coisa voar nos cantos da sua visão? Isso acontece porque sua visão periférica é especialmente sensível ao movimento. Capturar movimento na periferia é fundamental para uma experiência imersiva, mas isso também significa que capturar isso com precisão é a chave para uma experiência que não causa náuseas. A visão periférica segue seu próprio caminho em direção ao cérebro, separado do que é usado pela sua visão central. Ela parece estar bem próxima ao seu senso de orientação espacial.

Como as visões periférica e central funcionam de maneira diferente, isso significa que um campo amplo de visão, o que incorporaria ambas as visões, precisa solucionar dois problemas diferentes. Uma tremulação próxima ao seu olho que não é perceptível se torna uma distração na sua visão periférica.

Navegando em espaços virtuais (ou: o enjoo de movimento ataca de novo)

Mesmo em um mundo com rastreamento perfeito de movimento e latência zero, anda teremos enjoo de movimento. E isso significa que há uma dificuldade adicional ao criar uma experiência real em espaços virtuais.

Isso remonta à incompatibilidade entre as imagens que vemos e os movimentos que sentimos. Se você controla um personagem com um joystick em um ambiente virtual imersivo, sempre haverá uma incompatibilidade. O único jeito de evitar isso é com movimentos idênticos tanto no mundo real quanto no virtual, o que significa andar fisicamente um quilômetro se o seu personagem andar um quilômetro. Não é muito prático para quem quer jogar na sala de estar.

Uma solução simples envolve game design, que é um tópico de 53 páginas no Guia de Boas Práticas da Oculus. Como exemplo, quando as pessoas são colocadas em um cockpit virtual, elas podem ficar sentadas ou dirigir, ou até mesmo voar, com pouco enjoo de movimento — como quando você dirige um carro no mundo real. Mas isso obviamente acaba com a diversão de uma experiência verdadeiramente interativa de realidade virtual.

Também há a possibilidade de usar esteiras omnidirecionais. Uma ideia ainda mais intrigante é a caminhada redirecionada, que explora o fato do seu senso de direção não ser perfeito. Pessoas que tentam andar em linha reta no deserto, por exemplo, vão naturalmente andar em círculos. Estudos na USC e no Max Planck Institute, entre outros, descobriram que as pessoas podem ser sutilmente induzidas a pensarem que estão andando em um espaço maior do que realmente estão.

Realidade virtual como a mais avançada experiência neurocientífica

Empresas de realidade virtual sabem muito bem que a tecnologia não está exatamente pronta para estrear. A Oculus só lançou seu hardware de PC como “kit de desenvolvimento”, e a data de lançamento para uma versão para consumidores ainda não foi definida. Outros produtos já estão disponíveis, como o Samsung Gear VR e o Google Cardboard, mas a realidade virtual sofreu muito com alta expectativa antes, e seus entusiastas temem que isso possa ocorrer novamente.

Admitir que ainda temos problemas neurocientíficos não solucionados em realidade virtual não significa que a a tecnologia está destinada ao fracasso. Em vez disso, significa algo ainda melhor: o entendimento de que a realidade virtual sofre para nos enganar pode nos levar a uma compreensão melhor da complexidade do cérebro humano. Ou, como disse Cronin, “O guia de boas práticas da Oculus talvez seja a coisa mais substancial já escrita em neurociência sensório-motor aplicada.”

E mais adiante, tecnologia ainda mais sofisticada de realidade virtual pode expandir dramaticamente o que fazemos em experimentos neurocientíficos. William Warren, um professor de ciência cognitiva na Universidade de Brown, nos EUA, estudou navegação espacial ao colocar pessoas dentro de ambientes virtuais com wormholes. Formas cruas de realidade virtual para camundongos, moscas de frutas e peixe-zebra já são parte comum da pesquisa neurocientífica.

Ao confundir deliberadamente o cérebro, podemos aprender como ele funciona em situações comuns. E, além disso, isso pode nos dar alguns jogos sensacionais também.

Imagem de topo: igorrita/shutterstock

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