A web que perdemos

A indústria de tecnologia e a imprensa que cobre o tema têm tratado o crescimento das redes sociais e dos smartphones sempre conectados como uma legítima vitória para as pessoas comuns, um triunfo da usabilidade e da autocapacitação. Eles raramente falam do que perdemos ao longo desta transição, e eu acho que as pessoas mais […]

A indústria de tecnologia e a imprensa que cobre o tema têm tratado o crescimento das redes sociais e dos smartphones sempre conectados como uma legítima vitória para as pessoas comuns, um triunfo da usabilidade e da autocapacitação. Eles raramente falam do que perdemos ao longo desta transição, e eu acho que as pessoas mais novas talvez nem saibam como a web costumava ser.

Aqui vão algumas pequenas lembranças de uma web que desapareceu quase completamente:

  • Há cinco anos, a maioria das fotos compartilhadas eram colocadas no Flickr, onde elas podiam ser marcadas por humanos ou mesmo por apps e serviços, usando machine tags. Você podia descobrir imagens publicadas na web facilmente, usando simples feeds de RSS. E as fotos compartilhadas pelas pessoas podiam ser facilmente licenciadas através de Creative Commons, permitindo edição e reutilização de várias maneiras por artistas, empresas e gente como eu e você.
  • Há uma década, o Technorati permitia que você procurasse grande parte da web social em tempo real (apesar de que a busca tendia a ser terrivelmente lenta para apresentar resultados), com tags que funcionavam como as hashtags de hoje no Twitter. Você podia encontrar sites que haviam postado links para o seu conteúdo com uma simples busca, e descobrir quem estava falando sobre um assunto, qualquer que fosse a ferramenta ou a plataforma que estivessem usando. Nessa época, isso era tão legal que, quando o Technorati não conseguiu mais dar conta do crescimento da blogosfera, as pessoas ficaram tão desapontadas que até o geralmente comedido Jason Kottke atacou o site pela decepção. No começo do sucesso, entretanto, o Technorati arrancou efusivos elogios de gente como John Gruber:

Você pode, teoricamente, criar um software para examinar o código-fonte de centenas de milhares de weblogs, e criar um banco de dados de links entre eles. Se seu programa for esperto o suficiente, ele poderia atualizar as informações em intervalos de poucas horas, adicionando novos links ao seu banco de dados quase em tempo real. Isto é, de fato, exatamente o que Dave Sifry criou com seu incrível Technorati. Enquanto escrevo isso, a ferramenta está monitorando 375 mil blogs e rastreou mais de 38 milhões de links. Se você ainda não deu uma olhada no Technorati, está perdendo muita coisa.

  • Há dez anos, você podia permitir que pessoas postassem links em seu site ou mostrassem uma lista de links que estavam as direcionando para lá. Como o Google ainda não tinha introduzido o AdWords e o AdSense, o objetivo dos links não era gerar receita. Eles eram apenas uma ferramenta para expressão ou editorialização. A web era um lugar diferente e interessante antes dos links serem monetizados, mas em 2007 já estava claro que o Google tinha mudado a web para sempre, e para pior, por ter corrompido os links.
  • Em 2003, se você introduzisse um serviço de sign-in único que fosse rodado por uma companhia, mesmo que você documentasse o protocolo e encorajasse outros a clonarem o serviço, você seria descrito como criador de um sistema de rastreamento digno do PATRIOT act. Havia tanta desconfiança sobre serviços de autentificação consistentes que até a Microsoft desistiu de criar algo do tipo. O serviço que o TypeKey apresentou então, mesmo que não fosse tão simples quanto os sistemas de logon via Twitter e Facebook que estão disseminados hoje em dia, tinha termos muito mais restritos no que diz respeito ao compartilhamento de dados. E quase todo sistema que dava identidades aos usuários permitia o uso de pseudônimos, respeitando a necessidade de algumas pessoas de não usarem sempre seus nomes legais.
  • No começo deste século, se você criasse um serviço que permitisse que usuários criassem ou compartilhassem conteúdo, a expectativa era que eles poderiam baixar facilmente um cópia completa de seus dados, ou importá-los para outros serviços concorrentes, sem restrições. Fornecedores passaram anos trabalhando na interoperabilidade na troca de dados apenas para beneficiar os usuários, mesmo que isso, teoricamente, facilitasse a entrada de outros competidores no mercado. Hoje em dia, na web social, há uma larga expectativa que pessoas comum devem ter suas próprias identidades em seus próprios websites, em vez de depender de alguns poucos grandes sites para hospedar suas identidades online. Nessa visão, você teria seu próprio domínio e controle total sobre seus conteúdos, em vez de estar de mãos atadas a um site enorme. Esta foi uma reação à percepção de a popularidade de grandes sites cresce e cai, mas pessoas precisam de identidades que durem mais do que estes sites. Há cinco anos, se você quisesse mostrar conteúdo de um site ou aplicativo em seu próprio site ou aplicativo, poderia usar um documento simples formatado para isso, sem precisar requisitar um acordo de desenvolvimento comercial ou um acordo contratual entre sites. Assim, as experiências dos usuários não ficam sujeitas aos caprichos das batalhas políticas entre diferentes empresas, mas, em vez disso, estas experiências tinham uma base consistente, que era a própria arquitetura da web.
  • Há doze anos, se um grupo de pessoas quisesse apoiar ferramentas de publicação que sintetizassem todos estes traços, ele faria um crowdfunding para cobrir os custos dos servidores e da tecnologia necessária para suportar tudo isso, mesmo com as coisas naquela época custando muito mais, já que não havia cloud computing e banda larga barata. Mesmo competidores se uniriam para contribuir com estes esforços.

De volta para o futuro

Esta não é a web de hoje. Perdemos as funções principais com as quais costumávamos contar e, pior, abandonamos os valores centrais que eram fundamentais ao mundo da web. Na conta das redes sociais, por outro lado, temos centenas de milhões de novos participantes e a certeza de que elas fizeram com que algumas pessoas ficassem muito ricas.

Mas as redes sociais não mostraram à própria web o respeito e o cuidado que ela merece, como meio que permitiu que elas acontecessem. E elas restringiram as possibilidades da web para uma geração inteira de usuários que não percebem o quanto mais inovadora e importante a experiência deles poderia ser.

Quando você vê mash-ups de dados interessantes hoje, eles frequentemente ainda usam fotos do Flickr, porque os metadados do Instagram são terrivelmente escassos, e o app está apenas na web, e de maneira relutante. Nós achamos desculpas sobre por que não podemos procurar tweets antigos ou nosso próprio conteúdo relevante no Facebook, embora o Technorati desse resultados mais compreensíveis, mesmo sendo feito nas frágeis plataformas de software de seu tempo. Nós sofremos com brigas como o Tumblr não poder encontrar seus amigos de Twitter ou o Facebook não permitir que as fotos do Instagram apareçam no Twitter porque companhias gigantes perseguem seus próprios objetivos ao invés de colaborar para servir melhor os usuários. E temos uma geração de empresários encorajados a fazer produtos mais hostis e fechados porque eles continuam a dar lucro para poucas pessoas que já estão ricas, em vez de permitir que muitas pessoas construam novas e inovadoras oportunidades para elas na própria web.

Nós vamos consertar estas coisas; eu não me preocupo com isso. A indústria da tecnologia, como todas as outras, tem ciclos, e o pêndulo está voltando para baixo, capacitando filosofias que sustentavam a web social de antigamente. Mas enfrentaremos um grande desafio, que é reeducar um bilhão de pessoas sobre o que a web significa, de maneira análoga aos anos que passamos enquanto todo mundo saía da AOL, há uma década atrás, ensinando os usuários que há muito mais na Internet do que a experiência que eles conhecem.

Esta não é uma polêmica comum sobre como “estas redes sociais cheias de grana são ruins!”. Eu sei que o Facebook, o Twitter, o Pinterest e o LinkedIn, entre outros, são ótimos sites, e eles dão muito valor aos usuários. Eles são grandes realizações, de uma perspectiva do software. Mas eles estão baseados em algumas suposições que não são necessariamente corretas. A principal falácia que baseia muitos dos erros deles é que a flexibilidade e o controle dos usuários leva necessariamente a uma complexidade de experiência que afeta o crescimento. E a segunda e mais grave falácia é pensar que exercer extremo controle sobre os usuários é o melhor jeito de maximizar a lucratividade e a sustentabilidade das redes.

O primeiro passo para que estas ilusões caiam por terra é que as pessoas que estão criando a próxima geração de aplicativos sociais aprendam um pouco de história para conhecer esta merda, seja o modelo de negócios do Twitter ou as funções sociais do Google ou qualquer coisa. Nós temos que saber o que foi tentado e falhou, que boas ideias estavam a frente de seu tempo, que oportunidades foram perdidas na atual geração de redes sociais dominantes.

Então, o que eu perdi? O que mais nós perdemos na web social?

Imagem: Shutterstock/nmedia


Anil Dash escreve no blog Dashes.com, onde este post foi originalmente publicado, desde 1999. Ele é cofundador do ThinkUp e do Activate. Você pode segui-lo no Twitter aqui.

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