Adeus, Grooveshark
Por anos, o Grooveshark esteve no limite entre serviço legítimo de streaming e pirataria pura e simples. Ele vem sendo processado pelas gravadoras desde 2011, mas continuou firme desde então… até ontem, quando o serviço foi abruptamente fechado.
Se você for em grooveshark.com, não vai encontrar músicas nem a interface de sempre. Há apenas uma carta de despedida, com os seguintes dizeres:
Caros fãs da música,
Hoje estamos fechando o Grooveshark.
Nós começamos há quase dez anos com o objetivo de ajudar os fãs a compartilhar e descobrir música. Mas, apesar das melhores intenções, nós cometemos erros muito graves. Nós não conseguimos garantir o licenciamento de titulares de direitos autorais para grande quantidade das músicas no serviço.
Isso foi errado. Pedimos desculpas. Sem ressalvas.
O site diz que, para se livrar dos processos judiciais, o Grooveshark teve que cessar imediatamente as operações, e entregar o site, apps móveis, patentes e direitos autorais para as gravadoras.
Além disso, eles tiveram que limpar todos os dados dos servidores. Ou seja, todas as suas músicas, playlists, comentários e configurações deverão ser removidos de vez. (Você ainda pode resgatar suas playlists em groovebackup.com, mas seja rápido.)
A notícia não deveria ser uma completa surpresa: esta semana, o Grooveshark corria risco de pagar US$ 736 milhões em direitos autorais para a Universal Music Group. É uma grana alta que o serviço muito provavelmente não tinha.
Mesmo assim, isso me deixa meio triste. Eu usei o Grooveshark por muitos anos, desde 2010, depois que ele abandonou uma interface toda em Flash por algo bem mais leve, usando o plugin apenas para tocar o áudio.
Eu adorava o serviço por dois motivos: ele tinha as músicas que eu queria ouvir, já que todo usuário podia enviar arquivos MP3 para complementar o catálogo; e ainda fazia ótimas recomendações de música no modo Rádio – descobri várias bandas menos conhecidas que escuto até hoje.
Eu até fui assinante do Grooveshark por mais de um ano. Quem era VIP pagava apenas US$ 3 mensais e podia tocar música no celular e guardá-las offline. (Depois a assinatura ficou mais cara, mas clientes antigos continuavam a pagar o valor menor.)
O app foi removido da App Store e do Google Play, mas podia ser instalado através do site móvel. Depois, o Grooveshark até criou uma interface em HTML5, que permitia acessar o catálogo de músicas e playlists a partir do navegador.
Em 2011, o cabo-de-guerra entre Grooveshark e gravadoras começava a ficar sério: Universal, Warner e Sony Music processaram o serviço por violar direitos autorais. Em 2012, foi a vez da EMI Music: ela disse que fechou um contrato com o site, mas não recebeu um pagamento sequer de royalties. Alguns meses depois, o Grooveshark acabou de vez com a parceria, “devido às taxas de streaming atualmente insustentáveis da gravadora”.
Foi quando eu, preocupado, comecei a migrar minhas playlists para o Rdio, que havia estreado recentemente no Brasil. Na época, foi uma decepção: só havia planos pagos, e o catálogo era fraco: dois terços das músicas que eu queria ouvir simplesmente não estavam disponíveis.
Por isso, continuei com o Grooveshark, com sua nova interface e o recurso Broadcast, para criar uma rádio e transmiti-la para quem quisesse ouvir. Em 2013, o serviço caminhava para a legitimidade, fechando acordos extrajudiciais com a EMI e a Sony Music.
Aí, em 2014, o Spotify chegou ao Brasil. Eu migrei quase que imediatamente: havia um plano gratuito; quase todas as músicas que eu queria ouvir estavam no catálogo; e criar playlists – algo essencial para mim – era ridiculamente fácil.
O próprio Grooveshark reconhece o impacto de concorrentes legítimos:
Na época do nosso lançamento [em 2007], poucos serviços de música tinham a experiência que queríamos oferecer, e que você merecia. Felizmente, este não é mais o caso. Existem hoje centenas de serviços acessíveis e dedicados a fãs disponíveis para você escolher, incluindo Spotify, Deezer, Google Play, Beats Music, Rhapsody e Rdio, entre muitos outros.
Os serviços de streaming ganharam o mundo e também o Brasil: no país, a receita em serviços de assinatura de música – Spotify, Deezer, Rdio e outros – aumentou 22% em um ano. O streaming agora é a atividade que mais rende dinheiro no Brasil em música digital, segundo a IFPI.
Esse será o próximo campo de batalha: as gravadoras querem impor restrições a planos gratuitos de streaming – limites mensais de uso, por exemplo – por acreditarem que a música não deveria ser oferecida totalmente de graça.
Hoje, estamos dizendo adeus ao Grooveshark, não ao streaming de música – que, felizmente, nunca esteve tão acessível. Estou torcendo que as gravadoras não estraguem isso.
Imagem inicial via AppShopper