Por que a trilha sonora de Mega Man II é tão marcante?
por Bruno Izidro
O lançamento de Mega Man Legacy Collection, apesar de deixar um pouco a desejar, trouxe à tona de volta um dos aspectos mais memoráveis dos jogos do robô azul: a trilha sonora. Tanto que um dos extras da coletânea é a possibilidade de ouvir as músicas de todos os seis jogos presentes.
Das trilhas, a do Mega Man II é, de longe, a que chama mais a atenção e que demonstra porque é uma das mais famosas do mundo dos jogos. Eu, por exemplo, nunca havia jogado o segundo game e me vi surpreso ao conhecer a música de cada uma das fases, sendo impossível não cantarolar os temas enquanto jogava.
Foi então que a pergunta que dá título a esse post me veio à cabeça e para tentar responder essa pergunta, conversei com dois profissionais que há anos trabalham com trilha de games e também consideram as músicas de Mega Man II acima do padrão.
Um deles é Thiago Adamo (esquerda na foto abaixo), uma das pessoas mais ativas no cenário de Games Music no Brasil, participando de projetos como o Game Audio Academy e produzindo trilha e sons para jogos com seu estúdio PXLJD. Outro é Antonio Teoli (à direita na foto abaixo), que compõe música e sons para games há mais de dez anos, entre eles o MMO brasileiro Taikodom, e atualmente trabalha na Black River Studios.
Mas antes mesmo de entrarmos nos pormenores mais técnicos sobre a musicalidade do jogo, um fato apontado por ambos pode esclarecer bastante o motivo dessa trilha ser tão especial: o compositor Takashi Tateishi.
A trilha do primeiro Mega Man foi feita pela compositora Manami Matsumae, mas na continuação ela ficou como coautora somente do clássico tema de abertura e da fase do Airman, o restante foi trabalho de Tateishi, o que fez toda a diferença para a sonoridade das músicas. “A Matsumae era muito mais erudita e teve formação clássica que Takashi não teve”, explica Thiago Adamo.
Adamo fala que Tateishi tinha mais experiência em composição de músicas com vocais, para bandas, que o próprio compositor japonês tinha antes de entrar na Capcom e isso é refletido nos temas das fases do jogo. “As músicas tem uma estrutura muito clara de arranjo, possuindo intro, verso, ponte (bridge) e refrão (e muitas vezes até um outro pra fechar os temas), uma característica bem presente na música pop/rock e em músicas que temos vocais.”
Um exemplo bem claro disso para Adamo está no clássico tema da fase do Dr. Wily que, por sinal, também é a faixa preferida dele no jogo. “Ele é um tema que praticamente vem à mente que a melodia pode ter sido composta pensando em voz”.
Já Antonio Teoli fala que há muitas razões para a trilha de Mega Man II ser marcante até hoje. Uma é o próprio jogo ser um dos maiores clássicos da era Nintendinho, o que facilita as músicas serem mais lembradas. Outra é ela desempenhar bem o papel de uma trilha e combinar perfeitamente com o jogo. “A música de games, sozinha, ela funciona bem… se ela for boa. Mas se ela funcionar muito bem no jogo ela se torna marcante”, fala Teoli.
Um exemplo disso é o tema de abertura do jogo, que cresce em ritmo conforme escalamos o prédio para encontrarmos Mega Man no topo. Não à toa, essa é a música preferida de Teoli na trilha.
Porém, o principal motivo apontado por ele é mesmo o fator “talento” do compositor Takashi Tateishi. “[Ao fazer a trilha do Mega Man II] o Takashi estava inspirado, é a mão dele”, fala Teoli.
Vale lembrar que Tateishi só compôs essa trilha para a série Mega Man, nunca mais retornando. Mesmo nos outros poucos jogos em que teve participação, ele não conseguiu repetir o feito: um exemplo é a trilha da versão de NES de Batman Returns, que também é boa, mas não tão marcante e memorável quanto a que fez para o robô azul. Talvez possamos ouvir ele brilhar de novo no jogo Might No. 9, já que ele será um dos compositores do projeto (Tateishi à direita).
Mesmo com muito talento envolvido, Teoli também ressalta algumas particularidades técnicas que Tateishi usou com o hardware do Nintendinho, que possui cinco canais de som: dois de onda quadrada, um para efeito de bateria, um para áudio propriamente dito e um para onda “dente-de serra”.
“Todos os jogos do Nintendinho usam os dois canais quadrados para as melodias e o de ‘dente-de serra’ para o som do baixo, já o Takashi usa de uma maneira, com distorção, que parece uma guitarra”, explica Teoli. “Esse é um dos motivos para a trilha do Mega Man até hoje soar tão legal”.
Influenciando até hoje
Por toda essa musicalidade presente na trilha de Mega Man II, o seu impacto foi tamanho e ainda é sentido mesmo mais de 25 anos após o lançamento do jogo. É possível, por exemplo, ver influências dela nos sons chiptunes de bandas como Anamaguchi, responsáveis pela trilha do jogo Scott Pilgrim vs The World: The Game. Até mesmo bandas de rock foram formadas inspiradas nas músicas dos jogos da Capcom, como é o caso da The Protomen e The Megas. Essa última, inclusive, possui um álbum inteiro dedicado a Mega Man II, chamado Get Equipped.
Já na cultura da internet, uma das influências mais famosas de Mega Man II é a música “Can’t Beat Airman”, uma canção não-oficial feita por um fã inconformado em não conseguir derrotar um dos chefes do jogo. Ela fez bastante sucesso primeiro na Nico Nico Douga (o Youtube do Japão) e depois ganhou o mundo. Mesmo que não vindo diretamente da trilha sonora, a música tem bastante influência na sonoridade Rock que Tateishi incorporou nos temas.
A influência dos temas de Mega Man II também está presente nos nossos entrevistados, em particular em Thiago Adamo. Tanto que pedimos a ele um remix de alguma das faixas da trilha e o resultado, com o tema do Heatman, vocês podem ouvir abaixo.
Mais do que isso, Adamo ainda gentilmente nos enviou um vídeo em que explica, com mais detalhes, como criou esse remix.
Mega Man II sempre será lembrado pelas suas músicas, uma daquelas raras trilhas em que é possível ouvir tranquilamente mesmo fora do contexto do jogo, o que já a deixa especial, mas agora sabemos também algumas das razões para isso acontecer.
Arte de capa: FinoRaptor/Deviantart