As nuvens em Vênus são muito secas para sustentar a vida como a conhecemos, sugere estudo

Inesperadamente, a pesquisa também mostra que Júpiter pode ser capaz de sustentar vida microbiana.
Imagem: NASA/JPL-Caltech

Vênus é o planeta mais quente do Sistema Solar, e ele tem estado em alta ultimamente. Enquanto cientistas falam sobre três missões recém-anunciadas para explorá-lo, o debate sobre a existência de uma bioassinatura dentro de suas nuvens continua. Mas, como uma nova pesquisa mostrou, ele tem uma atmosfera muito seca para suportar até mesmo os micro-organismos mais resistentes.

“A água nas nuvens de Vênus não atinge os níveis necessários para sustentar a vida, e isso é lamentável”, afirmou, em uma entrevista coletiva, Chris McKay, astrobiólogo do Centro de Pesquisa Ames da Nasa e co-autor do novo estudo. “Isso porque estou interessado na busca de vida em outros mundos e gostaria de pensar que Vênus é habitável”. A descoberta também é lamentável, disse McKay, porque “nossa conclusão é baseada diretamente em medições” e não em um “modelo baseado em suposições”, então “é difícil imaginar que os resultados mudarão à medida que fazemos mais explorações”. O artigo com essas conclusões foi publicado na revista científica Nature Astronomy.

A ideia de que Vênus poderia ser capaz de sustentar a vida ficou mais forte no ano passado, quando cientistas apresentaram evidências de traços de fosfina em sua atmosfera. Como os organismos vivos são uma das únicas fontes conhecidas desse gás, pensou-se que era um potencial de vida. De repente, o planeta estava sendo notado por astrobiólogos. Outros cientistas, desde então, jogaram um balde de água fria nessa descoberta, e o novo artigo da Nature aumentou ainda mais as dúvidas.

John Hallsworth, microbiologista da Queen’s University, no Canadá, que liderou a nova pesquisa, é especialista em compreender quanto estresse os organismos podem suportar, incluindo a quantidade mínima de água que pode sustentar organismos extremófilos (aqueles que conseguem sobreviver em condições geoquímicas extremas) na Terra. Alertado para a possível detecção de vida nas nuvens venusianas, ele se perguntou se havia água suficiente na atmosfera deste planeta para permitir isso. Como os cientistas escreveram, algumas “análises anteriores negligenciam o papel da água, que é uma medida essencial para a habitabilidade”.

“É bem sabido, é claro, que a vida precisa de água”, observou Hallsworth durante a entrevista coletiva. “Os sistemas vivos, incluindo micro-organismos, são compostos principalmente dela e, sem serem hidratados, não podem ser ativos e não podem proliferar.”

Há microrganismos capazes de sobreviver com acesso limitado à água e alguns deles são metabolicamente ativos e capazes de passar pela divisão celular, disse Hallsworth. Consequentemente, os astrobiólogos e cientistas planetários estão focados em áreas onde existe água, ou pelo menos costumava existir.

Para o novo estudo, os especialistas calcularam a quantidade de atividade de água na atmosfera venusiana e de outros planetas do nosso sistema solar. Ela pode ser medida em uma escala de 0 a 1 e é semelhante a como a umidade relativa é medida em nossa atmosfera. Como os cientistas apontaram, a vida na Terra requer atividade de água de pelo menos 0,585 para sustentar o metabolismo e a reprodução. Os cientistas usaram isso como uma espécie de linha de base para suas análises. Para registrar a atividade da água, os pesquisadores analisaram medições previamente registradas da temperatura do ar, pressão do ar e disponibilidade de vapor de água em Vênus. A equipe decidiu usar a mesma abordagem para estudar outros planetas, nomeadamente Júpiter, Marte e Terra.

Em Vênus, a atividade da água foi medida ao longo de uma faixa localizada entre 42 e 68 km acima da superfície, já que a temperatura dentro desta camada cai dentro dos limites de habitabilidade. A atividade da água lá foi calculada em 0,004, que é mais de 100 vezes abaixo do limite conhecido para a vida e uma “distância intransponível do que a vida requer para ser ativa”, como explicou Hallsworth. A atividade da água dentro desta camada não era uniforme, mas mesmo as maiores quantidades estavam “muito fora da escala” para qualquer forma de vida ativa, acrescentou.

Na verdade, essa secura extrema é uma má notícia para a habitabilidade. O ácido sulfúrico nos céus venusianos é o grande responsável pela redução da disponibilidade de água em Vênus, de acordo com os pesquisadores. Para os micróbios existirem, portanto, eles teriam que ser extremófilos de um tipo completamente desconhecido que desafia nossa compreensão da biologia.

Em Marte, a atividade da água foi registrada em 0,537, que é comparável ao que é observado na estratosfera da Terra. Novamente, este valor está abaixo do limite aceitável para a vida, mas consideravelmente mais alto do que o valor obtido para Vênus. As nuvens em Marte “não são biologicamente permissivas devido às baixas temperaturas que são inconsistentes com a função celular”, sem mencionar a “alta radiação ultravioleta que pode ser letal para os micróbios atmosféricos”, como os cientistas escreveram no estudo.

Uma descoberta “profunda e emocionante”

Surpreendentemente, a atividade da água nas nuvens de Júpiter, em regiões onde as temperaturas variam entre 10 graus Celsius e -40 graus Celsius, foi registrada em níveis acima do limite mínimo de 0,585. “Uma coisa que descobrimos, que foi inesperada, foi que as nuvens de Júpiter realmente têm a combinação certa de temperatura e atividade de água para sustentar a vida ativa — não esperávamos isso de forma alguma”, disse Hallsworth. “Bem, não estou sugerindo que existe vida em Júpiter, e nem mesmo estou sugerindo que a vida poderia estar lá, porque precisaria dos nutrientes certos, e não podemos ter certeza disso.”

A vida, como ele apontou, “não precisa apenas de uma boa temperatura e disponibilidade de água para ser ativa”, mas esta descoberta, que a atividade da água nas profundezas da camada de nuvens de Júpiter é potencialmente propícia à vida, é “profunda e emocionante”, Hallsworth disse. Seria necessário um “estudo totalmente novo” para avaliar isso mais profundamente e investigar os tipos de micróbios que teoricamente poderiam sobreviver nas nuvens de Júpiter, acrescentou.

O novo artigo potencialmente lança uma sombra sobre três missões futuras a Vênus, nomeadamente as missões Veritas e Davinci+ da NASA e o orbitador EnVision da ESA. Mas os autores não veem dessa forma, já que essas sondagens provavelmente coletarão dados que irão corroborar ainda mais a nova descoberta. McKay espera resultados semelhantes, dizendo que nossa nova compreensão da atividade da água em Vênus não deve mudar.

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Curiosamente, os cientistas disseram que sua nova abordagem também pode ser usada para estudar a atmosfera de exoplanetas, mundos ao redor de outras estrelas . O futuro Telescópio Espacial James Webb foi anunciado como um instrumento capaz de fazer as medições necessárias. A capacidade de detectar a atividade da água em planetas próximos e distantes representa uma nova e poderosa capacidade para os astrobiólogos, que continuam a estudar os limites da vida.

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