Bianca DellaFancy fala ao Giz Brasil sobre papel em “Renascer”, Mariah Carey e mais
A arte imita a vida? Sucesso na internet, com mais de 440 mil seguidores no Instagram, a drag queen Bianca DellaFancy, persona artística de Felippe Souza, expandiu sua carreira para a televisão. Hoje, aos 34 anos, e drag há mais de uma década, ela interpreta Janaína, a drag de Jorge, na novela “Renascer”, da Globo. Junto com as atrizes Gabriela Loran e Galba Gogoia, ela compõe o núcleo de amigas de Buba (Gabriela Medeiros).
A carreira de Bianca
Dona do quadro “DellaMake”, que já recebeu a deputada Erika Hilton, Pabllo Vittar e Luísa Sonza em seu canal no YouTube, Bianca começou a carreira no entretenimento como DJ, após deixar o emprego na área de publicidade em Santos (SP). Mais tarde, fez sucesso no podcast “Santíssima Trindade das Perucas” e atualmente comanda o “Quanto Vale Essa História?”. Além disso, já foi capa da Vogue e desfilou para a SPFW.
Agora, Bianca apresenta um novo programa no canal da DiaTV, o “Dando Duro”, com Rafa Chalub, que estreou no último dia 28 de maio. Em entrevista ao Giz Brasil, Bianca DellaFancy falou sobre representatividade, sua personagem Janaína, ídolos e o novo projeto.
Confira a entrevista de Bianca DellaFancy
Em “Renascer”, você trabalha com colegas LGBTQIA+, como a Gabriela Medeiros. Você espera que a comunidade tenha um papel mais amplo nas novelas e produções no futuro? O que acredita que deve ser feito para que isso aconteça?
Eu acho que o que deve ser feito é justamente o que já está acontecendo. A gente deve ser colocado ali para escrever a nossa própria história e contar a nossa própria narrativa, né? Por muito tempo isso foi tirado de pessoas LGBTQIA+. A gente teve, em muitas produções, pessoas cis interpretando pessoas trans. Isso no cinema, em séries… Tivemos também pessoas hétero interpretando pessoas LGBTQIA+. Então, o que está acontecendo é um começo, estamos vendo um começo. Mas acho que é um começo para um futuro muito promissor.
A gente sempre esteve aí. Sempre esteve trabalhando, fomos muito capacitados, o que faltava era oportunidade. Ainda falta. Mas como eu disse, é um começo. Então, acho que o que tem que ser feito é justamente fomentar ainda mais que pessoas LGBTs estejam ocupando esses lugares, porque nós não estamos hackeando espaço nenhum, nós estamos ocupando um espaço que é nosso por direito. Então, eu espero sim que a gente tenha um papel mais amplo em produções no futuro, seja em novelas, seja no cinema, seja em séries, porque nós temos total capacidade de exercer os nossos papéis como sempre exercemos na vida, então por que não na dramaturgia também?
Vida real nas telas
Assim como você, a personagem Janaína é uma drag queen, persona de um homem gay e negro, o Jorge. Suas vivências como Felippe e Bianca ajudaram a interpretá-la?
As minhas vivências como Felipe e Bianca me ajudaram muito. Foi um trabalho de resgate. Quando eu estava me preparando para começar a interpretar Janaína, eu resgatei muito o Felipe e a Bianca do começo da carreira. A Janaína tem muitos sonhos, e por mais que eu tenha muitos sonhos, estou com o pé mais no chão, porque já sou uma pessoa mais madura do que o Jorge e ela. Mas eles estão no começo, e é muito bonito ver uma pessoa tão sonhadora no começo da carreira, né? Sonhando em alcançar voos cada vez mais altos. Então a minha vivência me ajudou muito. Precisei, claro, me desconectar pra não me interpretar na novela, mas foi importante, foi especial, foi bonito resgatar isso dentro de mim, sabe? Essa coisa mais não tão pé no chão, não tão madura, um pouco mais ali no começo.
Sinceridade
A “sincerona” Janaína se parece com você na vida real?
Eu já fui muito sincerona sem pensar muito antes de falar. E hoje, depois dos 30 anos e também já com tanto tempo de carreira, eu percebi que é importante, sim, você pensar antes de falar, é importante você pensar em como as coisas que você fala atingem as pessoas positivamente ou negativamente. A gente vive num mundo cheio de intenções e é bom que a gente tenha boas intenções até nas nossas palavras. Então a Janaína já é um pouco diferente disso, porque ela não é tão lapidada nesse sentido. Ela é mais sincerona, ela fala mesmo sem pensar e depois que vem o pensamento, né? Então essa também é uma grande diferença entre a gente hoje em dia. Mas eu já fui essa pessoa, então a minha vivência ajudou bastante.
A Janaína se parece sim com a Bianca, o Jorge parece sim com o Felippe, mas num outro momento da vida. Num momento da vida em que eu estava… Talvez morando em Santos, lá no comecinho, ainda sem imaginar tudo que viria a acontecer e felizmente aconteceu.
Os ídolos de Bianca
Na novela, você anteriormente já homenageou Rita Lee em uma performance e apareceu no show da Madonna no Rio de Janeiro. Na vida real, quem são seus ídolos?
Ah, Rita Lee é uma delas. Eu fiquei muito feliz quando surgiu a oportunidade de fazer essa cena. Muitíssimo feliz quando foi ao ar. Nossa, eu chorei de felicidade. Eu não sei nem… não tenho nem palavras para dizer o tamanho do meu orgulho de ver tudo aquilo ali acontecendo.
Naomi Campbell é uma outra pessoa que eu admiro muito. Já que, para além de tantas coisas que eu faço, eu também estou no meio da moda. Já desfilei na São Paulo Fashion Week, já saí na capa da Vogue… E Naomi Campbell sempre foi uma personalidade que me inspirou muito, me inspira até hoje por ser uma das primeiras modelos pretas a atingir um lugar tão grandioso como ela atingiu numa época em que modelos pretas eram extremamente desvalorizadas. Não que ainda não sejam, mas já tivemos tempos piores do que hoje em dia e a Naomi conseguiu se sobressair por mais difícil que tenha sido lá nos anos 80, 90.
A minha mãe também é uma inspiração para mim. Minha mãe é uma mulher guerreira, que sempre sonhou em ter a família que tem. Fugiu da casa do dos meus avós para poder se casar com meu pai, mudou de vida a partir do momento em que começou a se preocupar mais com autocuidado ou autoamor… Minha mãe mudou de vida, ela era uma pessoa muito infeliz e eu lembro que eu era criança nesse momento e tudo mudou quando ela começou a pensar mais nela mesma e isso eu também trago para mim, é uma inspiração muito latente de autocuidado e de amor próprio.
Mariah Carey
E Mariah Carey também. Quem me acompanha sabe que eu sou muito fã da Mariah. Ela me ajudou, sem saber, no processo de descobrimento da minha sexualidade, de entendimento de quem eu sou de fato. Ver aquela mulher tão livre, tão dona de si, falando sobre amor, vivendo altos e baixos na vida pessoal e ainda assim ali batalhando. E além disso usando uma blusinha com o desenho de um arco-íris na capa do álbum “Rainbow”. Me ajudou a entender que eu de fato não desejava aquela mulher, eu desejava ter algo que ela tinha. E hoje eu entendo que era a liberdade, o poder, o glamour e o talento, né, óbvio, dentro das possibilidades do que eu faço obviamente. Essas são algumas pessoas que eu admiro muito e levo para minha vida, levo no meu coração.
Novo projeto
Por fim, além do seu papel na Globo, você está estreando um programa na DiaTV com o Rafa Chalub (@essemenino). Pode dar um spoiler desse projeto?
É um projeto muito especial, vai se chamar “Dando Duro”, um programa meu e do Rafa Chalub, em que nós vamos invadir o mundo dos ‘machões’. Um programa de humor, muito engraçado. A ideia é, de fato, entreter as pessoas. Eu quero que as pessoas se divirtam muito. […] É para elas sentarem, toda terça-feira, às 20h, na DiaTV, e gargalhar junto com a gente. Um momento de leveza, mas também um momento de questionamentos, né? É um programa que quebra paradigmas, uma vez que a gente está adentrando o mundo que tecnicamente é e sempre foi tido como muito diferente do nosso, não nos pertence.
Algumas experiências ali a gente já tentou viver na nossa vida pessoal e tivemos problemas. Por exemplo, futebol, ambiente de barbearia… E agora a gente revisita esses lugares já donos de si. Não somos mais crianças ou adolescentes que se sentiam coagidos. E agora a gente volta lá nesses lugares que em algum momento da vida já nos renegaram para viver essa experiência de uma outra forma.
É um programa muito engraçado e muito divertido, mas também traz uma consciência sobre os lugares que a gente ocupa, né? Existe mesmo a demarcação de lugares? Deveria existir uma demarcação de lugares? E como a gente faz para estar e ocupar outros espaços que a gente tem vontade, sendo esses espaços de machões ou não, sem se sentir coagido, sem se sentir que aquilo não nos pertence também. Também é um programa que brinca muito com estereótipos, tanto os que nós LGBTs temos deles, quanto os deles com a gente. Modéstia à parte, recomendo muito assistir.