Blogs brasileiros lutam para manter vivo o lado mais obscuro da música

O ano era 2006 e a internet era mais livre. Daniel Tamenpi teve uma ideia relativamente comum na época: criar um blog para compartilhar músicas e divulgar o trabalho de bandas e artistas — nascia, então, o Só Pedrada Musical. Ideia parecida teve, no mesmo ano, Fabio Peraçoli: ele criou o BR Nuggets, blog especializado […]

O ano era 2006 e a internet era mais livre. Daniel Tamenpi teve uma ideia relativamente comum na época: criar um blog para compartilhar músicas e divulgar o trabalho de bandas e artistas — nascia, então, o Só Pedrada Musical. Ideia parecida teve, no mesmo ano, Fabio Peraçoli: ele criou o BR Nuggets, blog especializado em música psicodélica brasileira.

Compartilhar, criar blogs, mostrar músicas para amigos: tudo isso estava na ordem do dia. Os sites que permitiam upload de arquivos ainda eram coisa recente e não sofriam tanta perseguição. O ambiente era propício para que a blogosfera musical florescesse. Artistas e bandas como Tobruk, Damião Experyença, Manduka y Los Jaivas, Ghostpoet, CSC Funk Band, Sixto Rodriguez, entre muitos outros, passaram a ter um espaço na Internet. Meio escondido, meio improvisado, mas ainda assim um espaço.

“Penso que a internet era um meio mais democrático, principalmente quando o assunto é música”, diz Fábio. “Começaram a surgir vários blogs, sobre música em geral ou dedicados a estilos e nichos específicos.” Tamenpi também relembra que os blogs estavam em alta no período. “Nessa época estavam bombando blogs de qualidade, onde achava muita coisa boa e diferente e acabou tirando o meu foco de pesquisa de programas como o Soulseek. Naturalmente, acabei criando o meu.”

“Eu já compartilhava muita coisa através dos programas P2P, principalmente pelo Soulseek, e via que muita gente baixava as músicas, perguntava sobre as bandas, solicitava discos e ficava surpreso de encontrar algumas raridades.” conta Fabio. Ele diz que, na época, era difícil encontrar esses discos perdidos e até mesmo as informações sobre eles.

Estes são dois de vários blogs que não tinham a intenção de entregar para os usuários o que está tocando no rádio em troca de pageviews. É justamente o contrário: a ideia era (e ainda é) mostrar o que não é facilmente encontrado por aí, seja por estar esquecido nos arquivos e na história ou por ser ignorado ou rejeitado pelas gravadoras.

“Tenho por princípio nunca postar no Brazilian Nuggets discos que se encontram em catálogo no Brasil.”, explica Fabio. “Meu objetivo é fornecer acesso a uma espécie de música que não pode ser comprada diretamente nas lojas. Sei que a maioria dos discos nunca vai ganhar uma edição em CD, simplesmente porque não tem nenhum interesse comercial.”

Abracadabra, Criatura de Sebo, Estação Saudade, Eu Ovo, Forró em Vinil, Parallel Realities, Toque Musical, Um que Tenha, Loronix, Baú de Longplaying, Br-Instrumental, Gringo Música da Boa, The Bossa Blog , Experimental Etc, Ezhevika Fields, En Busca del Tiempo Perdido, Vinil Velho. Esses e outros blogs surgiram nessa mesma época, mas muitos deles não durariam muito tempo. Este é o caso do Loronix.

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Erro: link não disponível

“O Loronix é uma referência para mim e para grande parte dos amantes da música brasileira. O acervo que o Zeca Louro reuniu (com um time fantástico de colaboradores, que incluía grandes colecionadores de música brasileira espalhados pelo Brasil e pelo mundo) é um patrimônio que não podia ser perdido. O Loronix foi tendo uma morte lenta e dolorosa, foi perdendo funcionalidades a partir do final de 2009 e, hoje, a gente não consegue acessar mais nada.”, explica 300.

300 é conhecido assim entre os leitores do blog 300 Discos, criado por ele com o objetivo de compartilhar a lista do livro 300 Discos Importantes da Música Brasileira. Ele também criou o Órfãos do Loronix, que tenta resgatar o acervo perdido. “Quando, em 2011, percebi que ele não ia voltar, resolvi reavivá-lo, para que o patrimônio não desaparecesse.”

O Loronix não foi o único a enfrentar problemas. O cerco contra a pirataria se fechava. “Em 2009, o Blogger retirou o Só Pedrada Musical do ar sob a acusação de pirataria digital.”, conta Tamenpi. “Nessa época o blog tinha uma média de 5 mil acessos diários e acredito ter ajudado a expandir novas cenas musicais no Brasil. Diversos artistas entravam em contato e entendiam a proposta como apoio ao trabalho deles no Brasil.”

O Hominis Canidae, criado por Diego Albuquerque em 2009, também teve que enfrentar o mesmo problema em 2010. “A gente abriu o site, um belo dia, e tava lá que ele não existia mais.”, conta Paulo Marcondes, que participa do blog desde os primeiros dias.

Paulo e Diego se conheceram em comunidades de banda no Orkut. Diego criou o Hominis para compartilhar discos de bandas independentes que só ele tinha. “Pelo que eu sei, a ideia dele foi essa: ‘Vou criar um site pra colocar uns discos que eu gosto e o pessoal não tem.’”, conta Paulo. De tanto mandar links através do Orkut, ele foi convidado a participar do blog.

Para continuar funcionando, o Hominis Canidae precisou improvisar: “Por um tempo, a gente não tinha um domínio hominiscanidae.org, aí a gente colocou um ‘e’ a mais, porque não podia mais usar o domínio antigo.” Hoje, o endereço hominiscanidaee.blogspot.com redireciona para o novo site.

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Por sorte — e bota sorte nisso —, Paulo tinha feito um backup de todo o conteúdo do blog um dia antes de ele ser deletado. “Deu dez minutos, o site tava inteiro no ar de novo, com todos os discos, porque não apagaram as contas, tudo bonitinho.”

As contas em questão são as contas criadas nos sites de compartilhamento. “Apagaram a conta do HotFile do Diego, minha conta do HotFile… acho que já foram pro saco umas cinco contas do MediaFire e duas do 4shared. A gente já deve ter perdido umas dez contas, ao todo, com vários discos dentro”, conta Paulo.

Mas, se grande parte dos conteúdos compartilhados não são nem mais comercializados, por que são deletados? Como isso acontece? Os blogueiros reclamam que os critérios não são nem um pouco claros. “O MediaFire adota uma tática que penso ser comum entre os outros discos virtuais: se receber uma denúncia sobre algum arquivo, remove do servidor. O problema é que a pessoa que faz a denúncia nem precisa provar que detém os direitos sobre o arquivo”, diz Fabio.

“O MediaFire é completamente random. Costa A Costa, que era um grupo de rap independente, foi pro saco. Deus Nuvem, que era uma banda que mandou material pra gente no e-mail, foi pro saco também”, relata Paulo. Ele diz que o MediaFire vai apagando os arquivos aos poucos, até bloquear a conta totalmente. “Eles acabam fazendo um pente fino meio aleatório, apagam um monte de CD nada a ver da conta. E aí, tem uma hora que ele apaga uns dez, quinze, aí eles não notificam nada e sua conta tá bloqueada de um dia pro outro. É meio na maldade que eles fazem as coisas.”

Otaner, do blog La Cumbuca — criado em 2007 e que recentemente passou a disponibilizar material raro na seção Acervo La Cumbuca, como fitas demo do Planet Hemp e do Brincando de Deus, por exemplo — diz enfrentar o mesmo problema. “Atualmente, alguns arquivos do Acervo estão sendo bloqueados no Mediafire, porque ele agora analisa e identifica músicas dentro dos arquivos que possam ter algum problema relacionado à copyright.”

Daniel Tamenpi, claro, também sofre com os arquivos sendo deletados. “Na época do Só Pedrada Musical no Blogspot, eu tinha uma conta no RapidShare com mais de mil álbuns em upload, que foi cortada junto com o blog. Depois passei por isso em outros servidores.”

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Alternativas

Uma alternativa a isso foi encontrada pelo 300 Discos. “Quando comecei, já existiam muitos blogs de música brasileira. Pensei em não repetir o que já existia e sim fazer seleções e discos. Como grande parte deles já estava na web, não fazia sentido a duplicação. E quando algum disco não estivesse presente eu poderia pedir para um ‘blog amigo’ publica-lo, enviando os arquivos correspondentes para ele.”, explica o criador. “Acho que foi uma idéia que deu certo, pois fez com que a rede de blogs existentes apoiasse diretamente o projeto. Ao mesmo tempo faz com que minhas postagens tenham menor probabilidade de suspensão.”

Quando voltou com o Só Pedrada, Daniel Tamenpi parou de postar links. “Resolvi não postar mais links ilegais, então ficaram as resenhas e previews de sons disponibilizados. Até porque os frequentadores do Só Pedrada sabem como chegar a esses links.”

Além do Acervo, o La Cumbuca também tem dado atenção especial a shows encontrados na íntegra no Youtube. “Acho que havia um questão de saber ‘o quê’ procurar, lembrar de coisas obscuras, procurar por festivais interessantes, etc. O material era tão vasto que decidi em 2012 colocar um show inteiro por dia no La Cumbuca. Somando com os vídeos postados antes e alguns dias quando eram colocados mais de um show, chegamos a mais de 500 vídeos postados”

O torrent, que hoje é usado para compartilhar até mesmo discografias inteiras de bandas famosas, não parece ser uma opção viável. “Eu baixei uma coletânea de música do Paquistão da década de 70. Não vai ter isso em torrent, infelizmente”, diz Paulo. Fabio Peraçoli concorda. “Alguns tem procurado compartilhar as músicas via torrent, mas acho o processo um pouco complexo para aqueles usuários que só querem fazer um download rápido de um disco ou outro.”

Mas tem quem bote fé. O Um Que Tenha, blog que faz um belíssimo trabalho de catalogar a música brasileira, aderiu ao torrent depois de sofrer muito com o RapidShare — mas, como o post com o anúncio da mudança explica, agora todos os usuários têm que dar uma força para manter os links vivos.

Cada link deletado é um pedaço da história musical que vai para o esquecimento. “Quintal de Clorofila. Quem vai lembrar de Quintal de Clorofila? Quem tava na cena de Porto Alegre daquele período lembra. Passou daquilo, acabou. Ninguém vai ouvir.”

A pirataria e o compartilhamento de arquivos não atrapalham a venda de CDs ou de música digital, como já mostraram estudos. E quem faz o trabalho de tentar manter viva a história da música e divulgar bandas pouco conhecidas também não ganha nada com isso, ao menos financeiramente. “Eu acho que é um trabalho que vale, apesar de a gente não ter nenhum retorno por isso, só perder tempo e dinheiro. Querendo ou não, a gente apresenta bandas que a gente gosta pra pessoas. Acho isso foda”, diz Paulo.

Futuro

77751382_dc26cebed4_oPara Fabio, o futuro não é nada animador. “O cerco das gravadoras vem apertando cada vez mais. Muitos blogueiros têm desistido de seus projetos, desanimados com a dificuldade em disponibilizar os discos ou por terem suas contas encerradas.”

Eles, no entanto, não desistem. “Atualmente a música é pra ser de graça. Os artistas ganham com apresentações e shows. Essa é a nova era”, opina Tamenpi. “Espero que [a internet] cada vez seja mais livre e, com isso, tenha espaço pra uma gama ainda maior de artistas que antes dependiam de contratos com selos e gravadoras e agora dependem apenas do seu talento.”

Seria a morte dos formatos físicos, então? Eles discordam. “Eu mesmo baixo tudo por downloads ilegais, porém a maioria dos discos que realmente fazem a minha cabeça em compro em vinil, que é até mais caro do que o CD ou digital. Mas é parte do meu apoio e suporte ao artista”, diz Tamenpi.

Paulo também destaca o apoio às bandas independentes que é comprar um CD. “Comprem discos, por favor. Ajudem as bandas. Isso gasta dinheiro pra cacete, eu sei disso e dez reais não vão matar ninguém. É legal colocar um disco pra tocar, pegar o encarte, ler as letras, ou se é instrumental, ficar viajando.” Ele confessa: “Eu ainda gosto de CD.”

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