“Emergência climática” foi eleito como o termo do ano pelo dicionário Oxford em 2019. Temas como desmatamento, derretimento de geleiras e aquecimento global estiveram (e ainda estão) no centro de discussões e dominaram boa parte das manchetes. O mundo parece, enfim, perceber que o planeta está ficando mais quente. Mas, o aumento das temperaturas ainda parece distante da nossa realidade, algo que apenas se vê nos noticiários. A única vez em que muitos de nós para pra pensar nesse problema é quando chega o verão e precisamos lidar com o calor escaldante. Mas até que ponto o calor pode nos afetar?
A resposta a essa pergunta é muito mais complexa do que parece, visto que há uma série de fatores e variáveis a serem considerados. Por exemplo, é possível pensar em como o aumento da temperatura nos afeta a nível individual ou coletivo, de imediato ou a longo prazo. Inúmeros estudos tentaram abordar o assunto, explorando diversos ângulos da questão. Uma teoria bem famosa, porém controversa, é a relação entre calor e violência.
Por outro lado, é comum ouvirmos falar de como o frio em excesso também exerce um efeito negativo sobre as pessoas. Exemplo disso é o chamado transtorno afetivo sazonal, um tipo de depressão que ocorre geralmente no inverno. Alguns pesquisadores já se dedicaram a estudar os fatores que influenciam essa condição, como a personalidade dos indivíduos, por exemplo. Embora muitos dos resultados sejam inconclusivos, um ponto em comum desses estudos é que as temperatura extremas, seja calor ou frio, causam diferentes respostas em nosso corpo.
Por que ficamos mais irritados quando está calor
Pensando a nível individual, você provavelmente conhece alguém – ou, talvez, você seja essa pessoa – que fica extremamente irritada no calor, podendo inclusive demonstrar uma atitude agressiva. Pesquisadores da Universidade da Califórnia analisaram 60 estudos quantitativos e descobriram que em diferentes locais do mundo, e em diferentes períodos na história, temperaturas maiores resultavam em maiores taxas de abuso e violência doméstica, além de conflitos entre grupos.
Uma das explicações é o desconforto causado pela sensação de calor, que acaba tornando as pessoas mais rabugentas e agressivas. Glenn Geher, diretor de estudos evolucionários da State University of New York em New Paltz, explicou à Scientific American que, em ambientes com temperaturas elevadas, o corpo tenta resfriar a pele e acaba direcionando mais sangue para essas regiões. Como consequência, há uma diminuição da quantidade de oxigênio no cérebro, fazendo com que as pessoas fiquem mais impulsivas, reagindo de forma mais emocional.
No entanto, nem todos reagem da mesma forma. “Alguns de nós são mais sensíveis ao calor que outros. Muito dessa variabilidade provavelmente está relacionada aos ambientes que nossos ancestrais viviam (se os seus ancestrais são principalmente do norte da Europa, por exemplo, você pode ter algumas adaptações fisiológicas mais adequadas ao frio que o calor)”, afirmou Geher ao Gizmodo Brasil.
Um estudo mais recente, publicado na quarta-feira (25), tentou quantificar esse efeito do calor nas pessoas e descobriu que o número de relatos de estresse, depressão e outras questão emocionais foi maior em dias mais quentes em comparação ao frio. A análise foi feita com base em dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco Comportamentais, mantido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, que realiza questionários anuais em que as pessoas respondem quantas vezes elas experienciaram “estresse, depressão e problemas emocionais” nos últimos 30 dias.
Os autores desse estudo afirmam, no entanto, que apesar de eles terem encontrado uma correlação, isso não significa que há um impacto causal entre saúde mental e o calor.
Aquecimento global e a luta por sobrevivência
Porém, enquanto o calor pode sugerir um efeito mais direto a nível individual, o aumento da violência também pode estar associado a outros fatores adjacentes. Por exemplo, as temperaturas mais altas podem resultar em secas e queimadas, que afetam um número elevado de pessoas e comunidades. Diante disso, surge uma necessidade de luta por sobrevivência – ou até mesmo uma luta motivada pelo sentimento de justiça – que resulta em protestos e conflitos.
De fato, alguns estudos vêm alertando que as regiões mais pobres já estão sendo as que mais sofrem com as mudanças climáticas. Outras pesquisas ainda levantam a questão sobre como as mulheres podem acabar se tornando ainda mais vulneráveis à violência devido à crise ambiental. Ou seja, não se trata apenas do meio-ambiente, mas como isso está fortemente atrelado a questões econômicas e sociais.
Geher afirma que também existe uma explicação a partir de uma perspectiva evolucionária dessa aversão ao calor, visto que o sistema emocional dos seres humanos evoluiu de modo a garantir maiores chances de sobrevivência e reprodução. “Condições meteorológicas ruins, como precipitação extrema e/ou calor e/ou frio poderiam ter consequências importantes em termos de sobrevivência. Nosso sistema emocional evoluiu para nos guiar para longe de qualquer coisa, como calor sufocante, que pudesse impedir nossas chances de sobrevivência”, disse ele ao Gizmodo Brasil.
Maiores temperaturas, maiores crises econômicas e sociais
Se isso ainda não foi o suficiente para fazer você se preocupar, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) levantou alguns números sobre como a crise climática vai afetar até mesmo nossos bolsos. O chamado “estresse térmico” – quando o indivíduo é exposto a temperaturas elevadas, causando danos ao organismo – seria responsável pela perda de 80 milhões de empregos durante 2030, e o custo total dessa perda seria de US$ 2,4 trilhões por ano caso haja um aumento de 1,5º C da temperatura global até o final deste século.
Entre os setores mais impactados pela queda no número de trabalhadores será o da agricultura e da construção civil. O calor extremo é um risco de saúde ocupacional, podendo levar até mesmo a um derrame, de acordo com a OIT, que considera que o estresse térmico ocorre em temperaturas a partir de 35º Celsius e em locais com alta umidade.
Outro estudo, publicado na Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, afirma que a exaustão por calor pode evoluir para insolação, o que pode resultar em coma e até morte devido a uma disfunção do sistema nervoso central. No artigo, os autores apresentam algumas instruções de manejo clínico para ajudar médicos a diagnosticarem e tratarem pacientes que sofrem de algum sintoma relacionado ao estresse térmico.
A OIT ressalta ainda que, com o aquecimento global, a tendência é que haja uma maior desigualdade econômica entre os países e uma precarização maior das condições de trabalho para as populações mais vulneráveis.
Portanto, da próxima vez que você se sentir irritado com o calor e achar que é o único a não curtir um verão na praia, lembre-se de que existem explicações evolucionárias para essas diferenças entre indivíduos e que o calor extremo poder trazer consequências realmente preocupantes.