Especialistas relatam que casos de Covid-19 na Índia estão muito subnotificados

As autoridades de saúde relataram mais de 17,6 milhões de casos, mas pesquisadores suspeitam que o número pode ultrapassar meio bilhão.
Um local de cremação em Allahabad, Índia, em 27 de abril de 2021. Crédito: Sanjay Kanojia/AFP (Getty Images)

Os números de Covid-19 na Índia, que já não são bons, parecem estar sendo muito subnotificados. Até o momento, o país, que tem 1,4 bilhão de habitantes, consegue processar apenas 2 milhões de testes por dia.

Há vários relatos que dão conta da subnotificação. O especialista em medicina comunitária, Dr. Hemant Shewade, disse à CNN que mesmo antes da pandemia, estimava-se que apenas 86% das mortes eram oficialmente contabilizadas pelo governo, enquanto apenas 22% das mortes registradas receberam uma causa oficial de morte. Muitas mortes envolvendo o novo coronavírus estão provavelmente sendo registradas como decorrentes de outras causas ou nem sendo classificadas.

O cientista-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Soumya Swaminathan, também disse à CNN que a taxa de exames positivos nacional da Índia chega a taxas de 15%  até 30% em cidades como Delhi, sugerindo que muitos casos estão sendo deixados de fora da contagem oficial, seja porque os indivíduos infectados em questão são assintomáticos, pobres ou não conseguem ter acesso ao teste.

Swaminathan acrescentou que pesquisas sorológicas anteriores em outros países indicaram taxas de infecção “pelo menos 20 a 30 vezes mais altas do que o relatado”, o que significaria que a Índia poderia ter experimentado até 529 milhões de casos até agora.

De acordo com o New York Times, oficiais da cidade de Bhopal relataram apenas 41 mortes relacionadas ao coronavírus em meados de abril, mas os “principais enterros e cremações ligados à Covid-19” da cidade contabilizaram 1 mil mortes no mesmo período. Uma contagem reduzida semelhante foi relatada em Lucknow, Mirzapur e Gujarat. O Dr. GC Gautam, cardiologista de Bhopal, disse ao jornal: “Muitas mortes não estão sendo registradas e estão aumentando a cada dia. Eles [funcionários do governo] não querem criar pânico.”

O primeiro-ministro Narendra Modi, líder do partido de extrema direita Bharatiya Janata, tem minimizado o vírus regularmente e, em vez disso, parece mais interessado em controlar as críticas nas redes sociais. Enquanto isso, o sistema de saúde indiano entrou em colapso, com falta de equipe e de praticamente todos os suprimentos e equipamentos necessários. Os hospitais indianos estão recusando centenas de doentes devido à falta de leitos ou oxigênio. O grande número de mortos é assustador nos crematórios de Nova Delhi e outras cidades, onde enormes piras funerárias funcionam 24 horas por dia.

“Em Delhi, pelo menos 3 mil pessoas foram a funerais na semana passada”, disse Max Rodenbeck, chefe da sucursal do The Economist no Sul da Ásia, na segunda-feira, à CNN. “Há um crematório em Delhi, que é um grande terreno no parque, e estão sendo construídas 100 novas piras funerárias…Isso, novamente, na maior cidade da Índia e que recebe mais atenção. O que acontece além de Delhi é horrível.”

“Saberemos apenas mais tarde qual foi realmente o número de pessoas infectadas”, disse Swaminathan à CNN na segunda-feira.

Rupal Thakkar, 48, morreu em um hospital particular em Ahmedabad em meados de abril, depois que seus níveis de oxigênio despencaram. Seu irmão, Dipan Thakkar, disse ao Times que sua morte foi registrada como uma “morte cardíaca súbita” e que “foi um choque para toda a vida. Por que um hospital privado seria conivente com o governo para ocultar o número real de mortes? Foi um crime organizado. Foi um ato ilegal.”

Acredita-se que grande parte da tragédia na Índia seja devida a uma nova variante do coronavírus conhecida como B.1.617. Ela possui inúmeras mutações, algumas das quais podem torná-la mais contagiosa do que a cepa original. As vacinas existentes para Covid-19 parecem ser eficazes contra ela. Mas, apesar do status da Índia como uma potência farmacêutica que produz cerca de 60% das vacinas do mundo, mais de 90% da população ainda precisa tomar a primeira dose.

O governo do presidente norte-americano Joe Biden disse à Modi’s na segunda-feira que os EUA enviarão à Índia “suprimentos relacionados a oxigênio, materiais de vacinas e medicamentos”, e no domingo anunciou que doaria 60 milhões de doses da vacina da AstraZeneca a outros países (muitas delas com destino à Índia). Embora especialistas em saúde pública atribuam parte da campanha de imunização malfeita à complacência depois que a pandemia na Índia parecia estar diminuindo em setembro de 2020, de acordo com a PBS, o país está com escassez de suprimentos para vacinar sua própria população depois que produtores assinaram tantos contratos de exportação.

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Swaminathan disse à PBS que a Índia está vacinando atualmente cerca de 2 milhões de pessoas por dia, mas a taxa deveria ser de 6 a 7 milhões, e a Índia “precisa aumentar muito a capacidade de fabricação”. O banco de investimento UBS estima que, no ritmo atual, apenas um quarto da população da Índia receberá a vacina até o final de 2021, de acordo com o Wall Street Journal, e alguns hospitais privados podem cobrar entre US$ 10 e US$ 32 a dose, bem além do orçamento de muitas famílias de baixa renda.

“Se tivéssemos dados mais precisos em termos de casos, infecções, bem como mortes, então, é claro, estaríamos muito mais preparados e também anteciparíamos as necessidades de recursos de saúde”, disse Bhramar Mukherjee, professor de bioestatística e epidemiologia da Universidade de Michigan, à CNN. “[Dados incorretos] não mudam a verdade. Só torna pior para os formuladores de políticas antecipar as necessidades.”

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