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Chimpanzés são flagrados batendo tartarugas em troncos de árvores para quebrar seus cascos e comer sua carne

Como criaturas onívoras que são, os chimpanzés comem todo tipo de coisas, incluindo frutas, cupins, pequenos roedores e até mesmo macacos adultos. Não se tinha conhecimento de que eles comiam répteis — até agora. Observações inéditas revelaram uma comunidade de chimpanzés no Gabão que consomem regularmente tartarugas. Uma nova pesquisa publicada nesta quinta-feira (23) na […]

Chimpanzé sentado no galho de uma árvore. Sua pata esquerda segura o casco quebrado de uma tartaruga. Ele parece estar mastigando.

Chimpanzé consumindo tartaruga. Imagem: Erwan Théleste

Como criaturas onívoras que são, os chimpanzés comem todo tipo de coisas, incluindo frutas, cupins, pequenos roedores e até mesmo macacos adultos. Não se tinha conhecimento de que eles comiam répteis — até agora. Observações inéditas revelaram uma comunidade de chimpanzés no Gabão que consomem regularmente tartarugas.

Uma nova pesquisa publicada nesta quinta-feira (23) na Scientific Reports descreve as primeiras observações feitas de chimpanzés agindo como predadores de tartarugas para comer sua carne. O comportamento inédito amplia o repertório alimentar conhecido da espécie. Ao mesmo tempo, lança nova luz sobre a inteligência desses animais e sua notável capacidade de comportamento pró-social.

O casco da tartaruga é uma defesa robusta contra predadores. Mas esses chimpanzés selvagens, observados no Parque Nacional Loango, no Gabão, criaram uma solução bastante engenhosa. Armados com seus cérebros de primatas e mãos hábeis, eles batem as tartarugas contra os troncos das árvores até quebrarem os cascos. Uma vez que a tartaruga foi aberta, os chimpanzés consomem com prazer a carne exposta.

Os autores principais do novo estudo, Simone Pika, da Universidade de Osnabrück, e Tobias Deschner, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, descreveram esse comportamento de bater os cascos “tecnologia de percussão”.

“Nós sabemos há décadas que os chimpanzés se alimentam de carne de várias espécies animais, mas até agora o consumo de répteis não tinha sido observado”, disse Deschner em um comunicado do Instituto Max Planck. “O que é particularmente interessante é que eles usam uma técnica de percussão, que normalmente empregam para abrir frutas com casca dura, para obter acesso à carne de um animal que é quase inacessível para qualquer outro predador.”

Chimpanzé com tartaruga. Imagem: Nadia Balduccio

Os chimpanzés comem uma variedade surpreendente de presas, incluindo várias espécies de macacos (até babuínos), cabritos-vermelhos (um pequeno antílope), porcos-vermelhos e vários roedores. Podemos agora adicionar répteis à lista, especificamente tartarugas da espécie Kinixys erosa.

Os cientistas observaram a população Rekambo de chimpanzés de julho de 2016 a maio de 2018, mas esse comportamento alimentar só foi visto durante a estação seca. Essa escolha alimentar poderia ter algo a ver com a disponibilidade de alimentos, mas, como os autores apontaram no estudo, furtas são abundantes durante essa época do ano. O momento específico deste comportamento permanece um mistério e algo digno de pesquisa futura.

Outra questão que permanece sem resposta é motivo pelo qual o consumo de tartaruga só foi visto na população de Rekambo e não em outros. Dito isto, o comportamento parece ser cultural (em contraste com instintivo), com os chimpanzés aprendendo uns com os outros e mantendo a prática ao longo do tempo.

“É cedo demais para afirmar isso, mas o fato de tartarugas existirem em vários outros locais onde os chimpanzés foram observados por décadas e a predação nunca ter sido observada é uma primeira dica de que, na verdade, isso pode ser um traço cultural”, explicou Deschner em um email para o Gizmodo. “Provar que a aprendizagem social é a fonte de transmissão [cultural] é difícil de demonstrar, mas, novamente, dada a ausência desse comportamento em outras populações, sugere que provavelmente esse comportamento já foi inventado por um indivíduo nessa população e depois se espalhou, via observação e cópia, o que define a aprendizagem social.”

Dois chimpanzés se alimentando de uma tartaruga. Imagem: Nadia Balduccio

No total, dez chimpanzés diferentes foram vistos consumindo carne de tartaruga: sete machos adultos, uma fêmea adulta, um adolescente macho e uma adolescente fêmea. Dos 38 eventos de predação observados, 34 foram bem sucedidos (uma tentativa fracassou pela incapacidade de acessar a carne do réptil). A maioria da população masculina engajou-se nessa prática de alimentação, tornando-a um comportamento normal ou “costumeiro”, nas palavras dos pesquisadores.

Uma sessão típica de alimentação era mais ou menos assim. Depois de um chimpanzé descobrir e capturar uma tartaruga, ele repetidamente batia seu plastrão, ou casco, contra um tronco de árvore. O chimpanzé subia em uma árvore para consumir a carne.

Comportamentos hominídeos

Como se comer tartarugas não fosse notável o suficiente, os pesquisadores documentaram vários outros comportamentos intrigantes associados à prática.

Primeiramente, a “tecnologia percussiva”, em que o tronco da árvore era usado como uma bigorna, pode ser interpretada como um precursor do uso de ferramentas em primatas. Esse comportamento, portanto, pode ser um vislumbre do nosso passado antigo.

Em segundo lugar, alguns chimpanzés não eram fortes o suficiente para abrir as conchas com as mãos, então eles entregaram as tartarugas a um macho mais forte. Notavelmente, ele quebrava os cascos e compartilhava de bom grado a carne com outros indivíduos. No total, 23 dos 38 eventos envolveram algum tipo de compartilhamento.

Esse comportamento pró-social demonstra a complexidade emocional dos chimpanzés e, possivelmente, até a consideração das necessidades dos outros. Dito isso, Deschner disse que compartilhar não nos diz necessariamente nada de interessante sobre a inteligência social dos animais, mas sim sobre a qualidade de suas relações sociais.

“Embora ainda não tenhamos dados detalhados suficientes para analisar os padrões de compartilhamento em detalhes, parece que os chimpanzés de Loango compartilham carnes de tartaruga com muita frequência e sem assédio”, disse Deschner, “indicando que indivíduos de alto escalão não usam sua força para adquirir a carne via agressão e existe a possibilidade de que a carne é trocada por outros serviços, [como] cuidados de higiene, [e] apoio em conflitos com outros membros do grupo.”

Finalmente, um macho foi observado armazenando sua comida — um comportamento tipicamente atribuído aos primeiros hominídeos. Este macho, depois de comer metade da carne de tartaruga, escondeu o restante em uma árvore. O chimpanzé então foi para uma árvore diferente, onde ele construiu um ninho e foi dormir. No dia seguinte, ele voltou para a árvore para recuperar e consumir as partes restantes da tartaruga.

Esse comportamento certamente parece uma antevisão do futuro, na qual o chimpanzé estabeleceu condições no presente para ajudar seu futuro eu. Como os autores observaram no estudo, esse traço cognitivo pode ter surgido nos primeiros primatas antes da divisão evolutiva entre ancestrais hominídeos e chimpanzés.

Para Deschner, esse achado foi de especial importância porque destacou um comportamento anteriormente desconhecido em uma população de chimpanzés que está localizada bem longe de qualquer outro grupo de chimpanzés bem estudados.

“Nós sempre encontramos novos comportamentos — alguns deles culturais — que nunca foram observados antes”, disse Deschner ao Gizmodo. “Isso significa que, quando perdemos populações de chimpanzés devido à destruição do habitat e à caça furtiva, não só perdemos um número de indivíduos que podem ser substituídos novamente, mas perdemos culturas únicas para sempre, e fechamos uma janela que nos permitiria estudar aspectos da nossa própria evolução.”

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