“Cidadão de bem” e “linguagem neutra”: dicionário explica origem de expressões atuais
Texto: Observatório de Sexualidade e Política (SPW) | Agência Bori
O que significa alguém dizer que usa uma ‘linguagem neutra’, se define como um ‘cidadão de bem’ ou defende a ‘liberdade’? O significado e a história destes e de outros verbetes que se popularizaram nos debates políticos recentes no país aparecem em dicionário lançado nesta terça (5) por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com o Observatório de Sexualidade e Política (SPW, da sigla em inglês).
A segunda edição da obra “Termos ambíguos do debate político atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia” trabalha com verbetes usados por pessoas de todo o espectro político brasileiro e tem duas versões: uma para jovens e outra para adultos. Ao todo, são 14 verbetes com temas que ganharam significados polêmicos como ‘família’, ‘identitarismo’ e ‘globalismo’ — seis verbetes a mais da primeira edição do dicionário, lançada em 2022.
O livro pretende esclarecer acadêmicos, estudantes e formadores de opinião sobre a história e o percurso destes termos para que possam decidir, de modo informado, se desejam ou não usar essas expressões. Todos os verbetes têm uma ilustração que sintetiza seu significado, produzida pela jornalista e quadrinista Carol Ito, vencedora do Troféu Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
O material explica expressões como: ‘cidadão de bem’, usada nas campanhas presidenciais de 2018 e 2022. “Esse termo se popularizou num contexto de programas policiais, servindo desde sempre como um demarcador de condutas entre supostos bandidos e a população geral”, explica Isabela Kalil, coordenadora de Pós-Graduação em Antropologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e coautora do dicionário. “A popularização deste termo foram parte fundamental do processo que levou a extrema-direita ao poder”, destaca Kalil.
A pesquisadora Janine Pimentel, associada ao Núcleo de Estudos da Tradução da UFRJ, comenta que os verbetes da edição jovem do Pequeno Dicionário passaram por um processo de simplificação textual. “Usamos uma ferramenta que avalia o nível de dificuldade de um texto para produzir verbetes ainda mais curtos e descomplicados. Este é um processo chamado de ‘tradução intralinguística’, isto é, a tradução de um texto dentro da mesma língua, orientada por metas e públicos diferentes”, relata.
Sonia Corrêa, pesquisadora e cocoordenadora do SPW, diz que os termos tratados neste pequeno dicionário foram sorrateiramente absorvidos pela sociedade brasileira desde o final dos anos 1990 e, hoje, fazem parte do vocabulário político comum e corrente. “É como se esses bordões sempre tivessem existido. Ninguém se pergunta de onde vieram, como foram criados e a que se destinam. Recuperar essas trajetórias foi uma de nossas motivações, porque isso é vital para saber como melhor contestá-los”, esclarece Corrêa.