Cientistas descobrem movimentação estranha na Via Láctea

A característica incomum, medindo 3 mil anos-luz de comprimento, representa um tipo desconhecido de subestrutura galáctica.
Ilustração: NASA/JPL-Caltech

Uma “quebra” incomum foi detectada no braço espiral (um conjunto de estrelas em forma de curva alongada e que se afasta do centro) galáctico mais próximo da Terra. Os astrônomos nunca viram nada parecido e não têm certeza de como aquilo foi parar lá.

Uma nova pesquisa publicada na Astronomy & Astrophysics descreve uma “estrutura de ângulo muito inclinado no braço de Sagitário“. Com “muito inclinado”, os astrônomos se referem ao ângulo extremo em que esse aglomerado alongado de estrelas se destaca do braço de Sagitário na Via Láctea. A característica recém-detectada mede 3 mil anos-luz de comprimento (menos de 3% do diâmetro total de toda a galáxia) e consiste em estrelas jovens e nuvens de gás formadoras de estrelas. O astrofísico Michael Kuhn, da Caltech, é o principal autor do estudo.

Mapear os vários recursos em nossa galáxia não é fácil, e isso porque vivemos diretamente dentro dela. Como diz o novo artigo, “tem sido um desafio conectar regiões individuais de formação de estrelas ao seu ambiente galáctico, devido à nossa perspectiva de dentro do disco”.

Felizmente, algumas ferramentas e técnicas astronômicas podem ajudar. Nesse caso, Kuhn e seus colegas analisaram dados coletados pelo Spitzer Space Telescope, que a NASA aposentou no ano passado. O Spitzer detectou luz infravermelha, tornando-a uma ferramenta ideal para observar estrelas recém-nascidas que, de outra forma, seriam cobertas pelas espessas nuvens de gás e poeira (ou seja, nebulosas) a partir das quais se formaram.

Para ser mais exato, a equipe analisou os dados de uma pesquisa chamada Galactic Legacy Infrared Mid-Plane Survey Extraordinaire (GLIMPSE), na qual o Spitzer digitalizou mais de 100 mil estrelas bebês. Dados da missão Gaia da Agência Espacial Europeia também foram analisados, fornecendo aos cientistas medidas precisas das distâncias entre as estrelas. Isso permitiu que eles criassem uma visão 3D do Braço de Sagitário.

“Quando colocamos os dados de Gaia e Spitzer juntos e finalmente conseguimos ver este mapa tridimensional detalhado, podemos ver que há um pouco de complexidade nesta região que não era aparente antes”, disse Kuhn em uma publicação da NASA.

O Braço de Sagitário é uma área muito estudada da Via Láctea e hospeda várias regiões gigantescas de formação de estrelas, incluindo a Nebulosa Ômega, a Nebulosa Trífida, a Nebulosa da Lagoa e a Nebulosa da Águia — esta última contendo os famosos Pilares da Criação. Para o novo estudo, os pesquisadores procuraram mapear as localizações e velocidades das regiões de formação de estrelas em um segmento do braço de Sagitário.

Gráfico mostrando a localização do recurso e uma visão de perto da “lasca” no braço de Sagitário. Foto: NASA/JPL-Caltec

A estrutura recém-detectada se destaca em um ângulo de inclinação de quase 60 graus. O próprio braço envolve firmemente a Via Láctea em um ângulo de inclinação de 12 graus (para entender melhor, um círculo perfeito tem um ângulo de inclinação de 0 grau). Daí a descrição da “quebra” como uma estrutura de ângulo alto.

“Em última análise, esse é um lembrete de que existem muitas incertezas sobre as estruturas em grande escala da Via Láctea, e precisamos olhar os detalhes se quisermos entender esse caso melhor”, explicou Robert Benjamin, astrofísico da Universidade de Wisconsin-Whitewater e investigador da GLIMPSE.

Os autores do novo artigo disseram não ter certeza de como a lasca se formou. Mas as estrelas bebês dentro dessa extensão provavelmente surgiram ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Como irmãs bem relacionadas, essas estrelas devem ter sido afetadas pelas mesmas influências produzidas pela rotação da galáxia — forças como gravidade e cisalhamento –, fenômeno de deformação ao qual um corpo está sujeito quando as forças que sobre ele agem provocam um deslocamento em planos diferentes, mantendo o volume constante.

Assim, modelos melhorados de estrelas, tanto em termos de distâncias entre si quanto de velocidades, poderiam lançar luz sobre esse novo mistério astronômico e sobre as espirais galácticas em geral, que também são misteriosas.

“Essa estrutura é um pequeno pedaço da Via Láctea, mas é algo que pode nos dizer muitas sobre a Galáxia como um todo”, disse Benjamin.

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Alguns astrônomos já observaram características de bolas estranhas em outras galáxias espirais antes, incluindo coisas chamadas esporas e penas, algumas das quais se projetam perpendicularmente nos braços espirais. Esporas são pontos brilhantes causados ​​por uma abundância de estrelas, enquanto as penas são conglomerados de poeira. O novo recurso visto na Via Láctea não é nada disso e, portanto, é considerado único.

Agora resta a dúvida: existem outras estruturas muito inclinadas em nossa galáxia ou em qualquer outro lugar do universo? Este será o foco de trabalhos futuros, juntamente com pesquisas adicionais para confirmar a nova detecção como uma subestrutura genuína do braço de Sagitário.

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