Durante as turbulências de avião, o café derrama, a bagagem começa a chacoalhar, passageiros ficam enjoados e todo mundo fica nervoso. Mas elas fazem com que aviões caiam? Acontece que, exceto por um conjunto de circunstâncias muito raras, as turbulências não são assim tão ameaçadoras.
Para algumas pessoas, é fácil imaginar o avião como um bote indefeso no meio de um mar tempestuoso, que poderia inundar, virar ou bater em um recife – tudo parece muito perigoso. Mas você está em um avião: ele não pode ser virado de cabeça para baixo, entrar numa espiral descendente ou vagar livre pelo céu por causa de uma rajada comum de vento.
Sim, a turbulência é uma grande preocupação dos passageiros ansiosos. Intuitivamente, isso até faz sentido: todo mundo que entra em um avião está desconfortável em algum nível, algo que pode piorar com uma trepidação a 37.000 pés de altitude. As turbulências podem ser irritantes e desconfortáveis, mas um avião muito dificilmente cairá por conta de uma delas: é um incômodo para todo mundo, desde os passageiros até a tripulação, mas é – por falta de outra expressão – algo perfeitamente normal.
Este é um trecho adaptado do livro Cockpit Confidential: Everything You Need to Know About Air Travel: Questions, Answers, and Reflections, escrito por Patrick Smith e disponível na Amazon
. Você também pode dar uma olhada no blog de Patrick, o Ask the Pilot, se tiver interesse em informações sobre aviação.
Por que não se assustar
Da perspectiva de um piloto, as turbulências são vistas como uma questão de conveniência, e não de segurança. Quando um avião muda de altitude em busca de condições mais suaves, trata-se de uma questão de conforto. Os pilotos não se preocupam com aquela trepidada que a aeronave dá, e estão tentando manter os passageiros relaxados e o café de todo mundo dentro dos copos.
Além disso, os aviões são desenvolvidos para aguentar uma quantidade considerável de maus tratos, e é preciso lidar com um pouquinho de stress para que um voo seja tão tranquilo quanto possível. O nível de turbulência necessário para quebrar uma turbina ou dobrar a longarina de uma asa é algo que um piloto — ou um viajante frequente — dificilmente verá durante toda uma vida viajando.
A altitude do avião, a inclinação de suas asas e a inclinação do nariz oscilam pouco durante uma turbulência. Na cabine de comando, veríamos apenas uma pequena mudança no altímetro, mas ela é inerente ao design dos aviões e é conhecida pelos pilotos como “estabilidade positiva”. Caso a aeronave saia de posição, sua natureza é retornar sozinha para a rota correta.
Eu me lembro de uma noite em que pilotava um voo para a Europa enfrentando correntes de ar excepcionalmente fortes, mais ou menos no meio do Atlântico. Era o tipo de turbulência que depois vira assunto para os amigos. Ela apareceu do nada e durou muitos minutos, e foi ruim o suficiente para derrubar os carrinhos da cozinha. Na pior parte, ao som de pratos se quebrando, eu me lembrei de um e-mail. Um leitor havia me perguntado sobre a mudança de altitude em casos como esse: quantos pés o avião cairia ou subiria? Então eu fiquei prestando atenção no altímetro e que eu vi foi uma oscilação de menos de 40 pés (12 m); na maior parte do tempo, 10 ou 20 pés (3 m – 6 m). Se aconteceu alguma mudança na inclinação do nariz do avião, foi quase indetectável. Mas imagino que alguns passageiros viram de modo diferente o que aconteceu, superestimando a força da turbulência em ordens de magnitude e depois dizendo coisas como “Nós despencamos mais de 3.000 pés em questão de dois segundos!”.
Em momentos como esse, os pilotos prestam atenção na “velocidade de penetração de turbulência”, para evitar danos à estrutura da aeronave. Ela é próxima à velocidade normal de cruzeiro, então os passageiros provavelmente nem vão notar a desaceleração. Os pilotos também podem pedir autorização para aumentar o diminuir a altitude ou solicitar uma revisão de rota. As pessoas costumam imaginar os pilotos suando frio: o capitão gritando ordens, suas mãos apertando o manche enquanto observa atentamente os aparelhos, mas isso está longe da verdade. Em geral, o nível de dificuldade em administrar uma turbulência não é muito diferente de pilotar um avião em condições normais.
Na verdade, uma das piores coisas que um piloto pode fazer durante uma turbulência é tentar lutar contra ela. Alguns pilotos automáticos têm um modo especial para essas situações. Em vez de aumentar o número de correções, ele faz o contrário e dessensibiliza o sistema. Você pode imaginar uma conversa assim na cabine de comando:
Piloto 1: “Bom, por que a gente não desacelera?” [disca um valor Mach reduzido no seletor de controle de velocidade]
Piloto 2: “Ah, cara, isso vai derramar o meu suco de laranja.”
Piloto 1: “Vamos ver se conseguimos novos reportes dos caras que já estão lá na frente” [alcança o microfone e checa a frequência duas vezes]
Piloto 2: “Você tem uns guardanapos por aí?”
Um anúncio será feito aos passageiros e haverá uma chamada na cabine da tripulação para que o capitão se certifique de que todos estão com os cintos de segurança. Os pilotos geralmente solicitam que os comissários de bordo fiquem em seus assentos se as coisas parecerem meio ameaçadoras à frente.
Turbulência e nuvens
Fazer a previsão de onde, quando e como acontecerá uma turbulência é mais uma arte do que uma ciência. Temos algumas sugestões nas cartas meteorológicas, nos retornos do radar e, o mais útil de todos, os reportes em tempo real das outras aeronaves. Alguns indicadores meteorológicos são mais confiáveis do que outros. Por exemplo, os cumulus, aquelas nuvens borbulhantes que se parecem com pedaços de algodão — especialmente a variedade que se parece com uma bigorna e aparece com as tempestades — quase sempre são garantia de turbulência. Voos sobre cadeias de montanhas também costumam deixar a cabine de comando em alerta.
Mas em geral, as turbulências são um imprevisto. Quando eu passei por aquelas sacudidas rumo à Europa, as informações que nós tínhamos nos diziam que não deveríamos esperar nada pior do que sacudidelas moderadas. Mais tarde, numa área onde estava prevista uma turbulência mais forte, não aconteceu nada. Simplesmente não dá para saber.
Quando nós passamos reportes para outras tripulações, as turbulências são classificadas de “leves” até “extremas”, e as piores resultam em uma inspeção pós-voo feita pelas equipes de manutenção. Há definições específicas para cada grau de turbulência, mas na prática as notas são atribuídas de maneira subjetiva. Eu nunca passei por uma turbulência extrema, mas já tive que lidar com várias turbulências moderadas – e algumas severas.
Uma dessas turbulências severas aconteceu em julho de 1992, quando eu era capitão de um avião turboélice para quinze passageiros num voo de Boston para Portland. Era um dia quente, e no começo da tarde, surgiram várias torres de nuvens cumulus. As nuvens estavam baixas — a cerca de 8.000 pés — e eram enganosamente bonitas de se ver. Enquanto o sol ia baixando, elas formaram a paisagem celeste mais pitoresca que eu já vi, criando um horizonte que se parecia com uma formação cor-de-rosa de recifes de coral. Eram realmente muito bonitas e, como pude ver, eram também um monte de pequenos vulcões furiosos cuspindo vento. A turbulência caiu sobre nós como a vingança divina, e parecia que nós estávamos presos em uma avalanche de baixo pra cima. Mesmo usando o cinto de segurança, me lembro de ter levantado a mão para me proteger, com medo de bater a cabeça no teto. Minutos depois, nós pousamos em Portland em segurança, sem nenhum dano e nenhum ferido.
Sim, admito que uma turbulência poderosa pode resultar em danos para a aeronave, e em ferimentos para seus ocupantes. A respeito desse último, em geral isso acontece com pessoas que caem ou são lançadas de seu assento porque não estavam usando o cinto de segurança. Cerca de sessenta pessoas, dois terços delas tripulantes, acabam feridos em turbulências todos os anos nos EUA. Isso acontece com cerca de 20 passageiros; todo ano, 800 milhões de pessoas voam de avião no país.
Há quem diga que as turbulências estão se tornando mais fortes por causa das mudanças climáticas, mas não há evidências de que o aquecimento global intensifique certos padrões que levem a turbulências severas, como a que eu descrevi.
Como evitar turbulências
Já que as turbulências são tão imprevisíveis, sou conhecido por dar respostas evasivas bem irritantes quando me perguntam como fazer para evitá-las:
- “Viajar de noite é melhor do que de dia?” Às vezes.
- “Devo evitar rotas que atravessem montanhas rochosas ou os Alpes?” Difícil dizer.
- “Aviões menores são mais suscetíveis do que os grandões?” Depende.
- “A previsão diz que haverá rajadas de vento amanhã. O voo vai ser mais difícil?” Provavelmente, mas quem sabe?
- “Devo me sentar na parte da frente do avião ou na de trás?” Enfim, uma pergunta que eu posso responder direito.
Embora não faça tanta diferença assim, o lugar mais confortável para se estar durante uma turbulência são as cadeiras que ficam perto das asas, mais próximas dos centros de sustentação e gravidade do avião. E a parte que vai sacudir mais é, geralmente, a que fica mais perto da cauda.
As tripulações dos voos nos EUA tendem a ser mais chatas com o sinal do cinto de segurança do que as de outros países. Os aviões americanos mantêm o sinal dos cintos ligado por mais tempo depois da decolagem, mesmo quando tudo está tranquilo; e o sinal é religado ao menor sinal de solavanco. Em alguns aspectos, isso é só mais um sintoma da superproteção tipicamente americana, mas há algumas preocupações legítimas. A última coisa que um capitão quer é alguém da FAA (agência americana de aviação) reclamando por ele não ter ligado o sinal depois de alguém quebrar um tornozelo e entrar com um processo contra a empresa aérea. Infelizmente, isso tem seu lado ruim: as pessoas estão tão acostumadas com o sinal do cinto de segurança ligando e desligando o tempo inteiro que ele perde a importância e elas acabam por ignorá-lo.
Esteira de turbulência
Também há uma ocorrência conhecida como esteira de turbulência. Mas esse é um fenômeno diferente…
Sabe o turbilhão de água que se forma atrás de um barco ou navio? É mais ou menos isso. Num avião, esse efeito é aumentado por causa de dois vórtices que giram nas pontas das asas. Nelas, o ar sob alta pressão é atraído pelo ar de cima, que tem uma pressão menor, o que resulta em um fluxo circular de ar que segue a aeronave como dois pequenos tornados. Os vórtices são mais fortes quando o avião está em baixa velocidade e as asas estão trabalhando duro para conseguir estabilidade. Sendo assim, esses vórtices costumam aparecer quando o avião está levantando voo ou aterrissando. Quando esses vórtices giram a velocidades alucinantes, eles começam a divergir e descer.
Aviões grandes produzem esteiras de turbulência maiores e mais violentas; porém aviões menores são mais vulneráveis a elas. O grande criminoso aqui é o Boeing 757 — sendo um avião de médio porte, ele não chega perto do tamanho de um 747 ou de um 777, mas devido a uma peculiaridade aerodinâmica do seu design, ele produz uma esteira de turbulência descomunal que, de acordo com um estudo, é maior do que o de qualquer outro avião.
Para evitar esse tipo de turbulência, os controladores de tráfego aéreo são obrigados a colocar um espaço extra entre aviões grandes e pequenos. Para os pilotos, uma alternativa é alterar um pouco a aproximação ou o gradiente de subida, ficando acima dos vórtices até que eles comecem a descer. Outro truque é usar o vento: rajadas de vento podem quebrar os vórtices ou ao menos mudá-los de posição. Os winglets — aquela parte empinada no final das asas — também podem ajudar. Eles ajudam a aumentar a eficiência aerodinâmica reduzindo a força dos vórtices nas pontas das asas, de modo que um avião que tem winglets tende a produzir menos esteiras de turbulência.
Apesar de todas as garantias de segurança, uma vez ou outra todo piloto acaba tendo problema com esse tipo de turbulência: pode ser algo pequeno ou uma luta com força total. Esse encontro costuma durar apenas alguns segundos, mas pode ser bem memorável. Comigo, isso aconteceu na Filadélfia em 1994.
Eu estava em um avião de dezenove lugares. O tráfego estava tranquilo e o rádio estava quieto na maior parte do tempo, quando o pouso foi autorizado. Um 757 que havia pousado antes já estava saindo da pista e taxiando em direção ao terminal. Os controladores já haviam dado um espaço de segurança entre o pouso dos dois aviões, todas as listas de checagem estavam completas e tudo parecia normal.
Mas quando estávamos a cerca de 200 pés de altura, a segundos de tocar o solo, vendo os postes de luz e as linhas brancas da pista, o avião deu uma balançada — como se tivéssemos passado por cima de um buraco. Menos de um segundo depois, o avião de sete toneladas instantaneamente virou para o lado, e ficamos inclinados 45 graus para a direita.
Tentamos imediatamente estabilizar voltando para a esquerda, mas mesmo usando todo o aileron oposto — uma manobra que quase nunca é utilizada na aviação comercial — a aeronave permaneceu inclinada e lá estávamos nós, capengando no céu. Tudo o que nós podíamos fazer era tentar voltar para a esquerda, mas o avião teimava em continuar inclinado. Um sentimento de impotência, de perda de controle, faz parte da psicologia de um passageiro ansioso. E você sabe que é um dia muito ruim quando os pilotos estão sentindo exatamente a mesma coisa. De repente, tão rápido como começou, a loucura simplesmente acabou. Em menos de cinco segundos, antes que qualquer um pudesse sequer soltar um palavrão, o avião voltou ao normal.
Quem trabalha em aeroporto consegue ouvir esses vórtices várias vezes, mesmo se estiver a 1 km dos aviões; eles fazem um barulho de chicotada quando batem no chão. Os vórtices mais fortes são produzidos na decolagem, mas também é possível ouvi-los em pousos, quando o avião estará mais baixo e mais próximo. Um dia calmo é o ideal, pois o vento irá dissipar o vórtice antes que ele chegue ao chão. Cerca de 30 segundos depois que o avião passar, vai dar para ouvir um som sibilante e ameaçador. Veja — ou ouça — por você mesmo neste vídeo que gravei:
O avião é um 757 e me desculpem pela qualidade horrorosa do vídeo, mas o som está aceitável e é isso que importa. Você começa a ouvir os vórtices a 0:45 e eles continuam até o final do vídeo. Preste atenção ao barulho de tiro em 0:58. Ah, e coloque o volume bem alto.
Patrick Smith é um piloto que teve sua primeira lição de voo aos 14 anos e começou a voar comercialmente em 1990, quando ele foi contratado como co-piloto de turboélices para 15 passageiros ganhando US$ 850 por mês. Desde então, ele vem fazendo voos de carga e de passageiros em rotas domésticas e intercontinentais.