Como a neurociência tenta explicar crenças religiosas

Embora a crença no sobrenatural seja algo subjetivo, a ciência vem tentando, há tempos, explicar diversas questões relacionadas à fé.
Crédito: Robina Weermeijer/Unsplash

Há milhares de anos a humanidade tem buscado apoio na religião para lidar com momentos de crise. Não poderia ser diferente com a pandemia de Covid-19, mas a situação parece um pouco mais complicada. A proibição de aglomerações em cultos e velórios tem sido um grande desafio para muitas pessoas, mas deixar de ir à igreja não abala necessariamente a sua fé.

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Embora a crença no sobrenatural seja algo subjetivo, a ciência vem tentando, há tempos, explicar diversas questões relacionadas à fé. Em 1999, o neurocientista canadense Michael Persinger já havia mostrado que estímulos elétricos nos lobos temporais, a região da cabeça acima das orelhas, pode provocar eventos comumente relacionados à religião. Isso inclui a sensação de presença de alguém invisível e experiências fora do corpo.

Um fato interessante é que esse método parece não ter funcionado no experimento com um ateu. O estudo, exibido no documentário da BBC God on the Brain de 2003, foi feito com o biólogo ateu Richard Dawkins. Persinger explicou, na época, que a sensibilidade do lobo temporal de Dawkins era extremamente menor em relação à maioria das pessoas.

Em outro estudo realizado pela Universidade de Oxford, em 2008, pesquisadores mostraram a imagem da Virgem Maria e de uma mulher comum a um grupo de católicos. Ao se concentrarem na imagem da Virgem Maria, enquanto recebiam choques elétricos, a sensação de dor era menor quando comparada ao experimento em que eles olhavam para a imagem da mulher comum. Isso pode ser uma possível explicação para a ideia de que a fé pode ajudar no enfrentamento de doenças e momentos difíceis vivenciados pelas pessoas.

Um estudo mais recente de 2020, liderado por Jordan Grafman, neuropsicólogo da Northwestern University, e publicado no Current Directions in Psychological Science, tentou reunir diversas pesquisas feitas sobre o assunto ao longo dos anos. A conclusão foi de que a crença religiosa envolve uma complexa interação entre as atividades do nosso cérebro, raciocínio e motivações sociais, e ideologias.

Algumas áreas do cérebro, por exemplo, se tornam ativas durante interações sociais. Com isso, desenvolvemos algumas habilidades, como a capacidade de tentar entender e prever o comportamento das pessoas, atribuindo pensamentos e sentimentos que as levariam a agir de determinada maneira. Isso se estende a objetos. Um exemplo disso: quando ocorre algum problema em nosso computador e falamos que ele está “doido” ou imploramos pra ele voltar a funcionar, como se ele tivesse vontade própria.

O mesmo ocorre com fenômenos naturais, quando pensamos que a natureza está “brava” ao cair uma tempestade. E foram eventos como esses que acabaram abrindo caminho para a criação de personalidades divinas. O fato de o nosso cérebro imaginar um deus da mesma forma que pensamos em um indivíduo com motivações e vontade própria explica por que as regiões dos nossos cérebros que são ativadas quando rezamos são as mesmas de quando interagimos com outras pessoas.

Conforme observado pelo Psychology Today, quando crianças, somos totalmente dependentes de um adulto que toma as decisões por nós, muitas vezes contra a nossa vontade, mas que pode mudar de ideia se você se esforçar para dissuadi-lo. Essa prática pode estar relacionada aos cultos religiosos com os quais nos engajamos no futuro.

A pesquisa de Grafman, no entanto, ressalta que existem benefícios trazidos pela reza além da esperança de receber algo. Além dos experimentos que mostram a redução na percepção de dor quando os indivíduos estão engajados em práticas religiosas, alguns estudos revelaram que a reza repetitiva pode ativar as áreas do cérebro associadas a experiências prazerosas.

Embora pesquisadores venham tentado desvendar essa relação entre religião e neurociência há anos, muitas questões ainda não foram respondidas. Com a pandemia de Covid-19, muitos cientistas já estão estudando os diversos efeitos psicológicos que isso pode ter nas pessoas, além dos danos que a doença pode causar em nosso cérebro. Provavelmente, também veremos cada vez mais pesquisas tentando entender a influência das crenças religiosas em um momento como esse e, talvez, como as alterações em nosso cérebro podem afetar nossa interpretação do sobrenatural.

[The Conversation, Psychology Today]

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