_Ciência

Conselho de ética britânico diz que é “moralmente permissível” criar bebês geneticamente modificados

O britânico Conselho Nuffield de Bioética diz que é aceitável modificar geneticamente embriões humanos, contanto que as intervenções não sejam prejudiciais às crianças futuras e à sociedade em geral. O conselho está assumindo uma posição surpreendentemente progressista sobre o assunto, mas ainda estamos muito longe do nascimento do primeiro bebê projetado do mundo. • Cientistas querem criar […]

O britânico Conselho Nuffield de Bioética diz que é aceitável modificar geneticamente embriões humanos, contanto que as intervenções não sejam prejudiciais às crianças futuras e à sociedade em geral. O conselho está assumindo uma posição surpreendentemente progressista sobre o assunto, mas ainda estamos muito longe do nascimento do primeiro bebê projetado do mundo.

• Cientistas querem criar células humanas imunes a vírus e infecções
• Vale do Silício está pronto para gastar mais alguns milhões em sua obsessão antienvelhecimento

O Conselho Nuffield de Bioética é um dos conselhos de ética mais progressistas do mundo. Há seis anos, o conselho aprovou um polêmico tratamento de fertilidade que exigia três pais genéticos, uma intervenção criada para eliminar doenças mitocondriais debilitantes. A aprovação pelo conselho levou a uma mudança na legislação britânica, e os primeiros bebês britânicos nascidos com o procedimento devem chegar neste ano. Agora, o Conselho Nuffield, depois de conduzir um inquérito independente, aprovou mais um tratamento de fertilidade controverso, embora ele ainda não exista. Pelo menos não para humanos.

Em seu novo relatório, “Edição de Genoma e Reprodução Humana: Questões Sociais e Éticas“, o Conselho Nuffield concluiu que é “moralmente permissível” editar o DNA de um embrião, esperma ou óvulo humano para alterar as características de uma pessoa futura, como para eliminar doenças hereditárias. No entanto, é importante apontar que o conselho não descartou aplicações não-terapêuticas, como ajustes e melhorias estéticas, contanto que as intervenções atendam aos interesses do futuro bebê e que as novas características não “aumentem a desvantagem, discriminação ou divisão na sociedade”, nas palavras dos pesquisadores. Agora que o conselho deu sua aprovação, ele espera um “debate amplo e inclusivo da sociedade” antes que qualquer passo seja tomado para alterar a legislação no Reino Unido.

“Há potencial para intervenções de edição de genoma hereditárias serem usadas em algum momento no futuro, na reprodução humana assistida, como um meio de as pessoas garantirem certas características em seus filhos”, disse Karen Yeung, presidente do grupo de trabalho do Conselho Nuffield, em um comunicado. “Inicialmente, isso pode envolver a prevenção da herança de um distúrbio genético específico. No entanto, se a tecnologia se desenvolver, ela tem potencial para se tornar uma estratégia alternativa disponível aos pais para alcançar uma gama mais ampla de metas.”

O relatório do Conselho Nuffield especificamente abordou modificações germinativas, que têm o potencial de influenciar as características de gerações futuras. Diferentemente de terapias genéticas somáticas (que são feitas depois do nascimento), os traços dotados de intervenções germinativas são permanentes e podem ser passados para os filhos, então é importante que os cientistas acertem o que estão fazendo.

Em 2015, cientistas na China se tornaram os primeiros a modificar geneticamente um embrião humano, mas o embrião foi destruído pouco depois do experimento. Cientistas nos Estados Unidos editaram um embrião humano pela primeira vez em julho de 2017. Até hoje, não nasceu nenhum humano geneticamente modificado, já que o procedimento ainda precisa se provar seguro.

Recentemente, por exemplo, cientistas relataram que a ferramenta de edição genética CRISPR pode não ser tão precisa e segura quanto se pensava anteriormente. No momento, todos os embriões geneticamente modificados no Reino Unido devem ser destruídos quando tiverem duas semanas de idade. Leis parecidas existem nos EUA. Realisticamente falando, poderia levar mais dez a 20 anos antes que vejamos o primeiro bebê humano modificado geneticamente.

Mas esse dia está chegando. Inicialmente, a edição de genoma será usada para eliminar doenças hereditárias, como anemia falciforme, fibrose cística e hemocromatose (excesso de ferro no sangue), e para eliminar predisposições a doenças como câncer, doenças cardíacas, distúrbios comportamentais e demência.

Uma hora, a edição de genoma será usada para tratar condições menos sérias, como calvície padrão em homens, ou para selecionar a cor dos cabelos ou olhos de uma criança.

Mais radicalmente, intervenções germinativas poderiam ser usadas para propósitos de aprimoramento e para a introdução de características super-humanas, como memória e inteligência maiores, sistemas imunes super-robustos (como uma imunidade a AIDS ou superbactérias embutida), e força física maior. Em teoria, a edição de genoma poderia também ser usada para a criação de características completamente novas, como uma faixa acústica dinâmica maior, uma capacidade de ver luz infravermelha e ultravioleta e a habilidade de segurar a respiração debaixo d’água por períodos prolongados.

“Concluímos que o potencial uso de edição de genoma para influenciar as características das gerações futuras não é inaceitável em si.”

O Conselho Nuffield de Bioética não abordou explicitamente alguns desses cenários mais futuristas, mas a linguagem no relatório não excluiu essas possibilidades. Para ser considerado ético, o conselho disse que as intervenções de edição de genoma hereditárias devem aderir a dois princípios abrangentes: “Devem ser destinadas a assegurar, e serem consistentes com, o bem-estar da pessoa futura” e “não devem aumentar a desvantagem, discriminação ou divisão na sociedade”, escrevem os autores do relatório.

O conselho também fez uma série de recomendações: os ajustes do genoma devem ser licenciados caso a caso; mais pesquisas são necessárias para estabelecer padrões de segurança clínica; estudos de longo prazo devem avaliar os riscos potenciais para indivíduos, grupos e sociedade como um todo; e assim por diante. O conselho também quer ver o estabelecimento de um órgão independente no Reino Unido para promover o debate público sobre o assunto e monitorar os impactos sociais, culturais, legais e de saúde. O Reino Unido também deve trabalhar com organizações internacionais, como a UNESCO e o Conselho da Europa, para estabelecer uma estrutura de governança internacional sobre esses tratamentos.

“Embora ainda exista incerteza sobre os tipos de coisas que a edição do genoma pode conseguir, ou quão amplamente seu uso pode se espalhar, concluímos que o uso potencial de edição do genoma para influenciar as características das gerações futuras não é inaceitável em si. No entanto, as possibilidades que ela levanta podem ter impactos significativos sobre os indivíduos, as famílias e a sociedade”, disse Yeung. “É importante que governos e autoridades públicas se façam presentes e abordem essas possibilidades antes que as pessoas comecem a pedir para usar essa tecnologia. Portanto, pedimos ao governo para que invista no apoio e no encorajamento de um amplo e inclusivo debate público e para que implemente implementar as medidas de governança necessárias para garantir que essa tecnologia promissora não seja usada contra o interesse público.”

O relatório desta terça-feira (17) não é bom só para o Reino Unido, mas também para o mundo. Além de pautar as conversas sobre modificação genética, o Conselho Nuffield de Bioética está fornecendo um mapa sensível e responsável para percorrermos. Ainda estamos no início de tudo, mas esse é um belo começo.

[Nuffield Council on Bioethics]

Imagem do topo: Domínio público

Sair da versão mobile