Há três anos, o Brasil vivenciou o momento mais crítico da pandemia da Covid-19, com aumento no contágio e de mortes em todas as regiões brasileiras. Uma pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que a taxa de mortalidade materna mais do que dobrou em 2021 em relação à tendência dos anos anteriores. Segundo os dados publicados na segunda (29) na “Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil”, esse excesso fez com que esse indicador atingisse patamar semelhante à taxa na década de 1980, de 110 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos.
A análise evidencia um excesso de mortes de grávidas e puérperas, mesmo considerando um aumento de mortes esperado por conta da pandemia — foram 3 mil mortes em 2021. Esse indicador seguiu uma tendência de aumento de 39% da mortalidade geral durante o período.
As mulheres grávidas e puérperas, no entanto, morreram mais que as mulheres não grávidas. Os dados mostram que, em 2021, houve um excesso de mortes maternas superior a 51,8% em relação a mortes de mulheres não grávidas, comparando-se a tendência dos últimos anos.
O impacto da emergência sanitária agravou, principalmente, no segundo ano da pandemia. Segundo mostram os dados, 60% das mortes maternas em 2021 foram pro Covid-19, enquanto, em 2020, eram apenas 19%. O excesso de mortalidade materna, em 2021, foi superior a 57% em comparação a 2020 e 83,7% em comparação à mortalidade geral nestes anos.
O trabalho analisou o crescimento do número de mortes de mulheres grávidas e puérperas em 2020 e 2021, comparando com dados de mortalidade materna de anos anteriores e de mortalidade de mulheres não grávidas, em idade fértil, de 15 a 49 anos, no mesmo período. Para isso, foram usados dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) dos óbitos maternos entre 2015 e 2021 e dados do Sistema de Informações da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).
A taxa de mortalidade materna de 2021 excede a meta de 70 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. O indicador já estava acima da meta antes da pandemia, com destaque para alguns estados e municípios em situação mais crítica. “Após a pandemia, a mortalidade materna dobrou em magnitude, colocando todo o país de volta a esta mesma zona crítica”, explica Raphael Guimarães, pesquisador da Fiocruz e coautor do estudo.
A mortalidade materna tem relação com a qualidade de assistência médica durante o pré-natal. Assim, países com menos infraestrutura e acesso a serviços de saúde tendem a ter taxas mais elevadas desse tipo de morte. Segundo analisam os pesquisadores, o cenário de sobrecarga de hospitais durante a pandemia pode ter colaborado para o aumento destas mortes, além da estrutura de saúde pública precária em várias regiões do país.
“A saúde materna é um dos desfechos mais duramente prejudicado pela pandemia”, conclui Guimarães. Para ele, agora é preciso investigar os efeitos de longo prazo da pandemia na organização do sistema de saúde, trazido à tona pelo aumento de mortalidade materna. “É possível que o debate sobre as iniquidades em saúde se torne cada vez mais evidente nos próximos anos”, finaliza.