“A nossa existência importa”: a história de seis mulheres trans nas plataformas de streaming de jogos

Mulheres da bandeira trans divertem e informam o público em um espaço que até então não era muito diverso. Conheça suas histórias.
Montagem: Caio Carvalho (Gizmodo Brasil)

Não deve ser segredo para ninguém que o mercado de jogos eletrônicos se tornou uma das fontes mais rentáveis nos últimos anos, seja para empresas ou streamers. E embora seja um espaço dominado majoritariamente por homens heterossexuais (em sua maioria brancos), a comunidade LGBTQIA+ vem conquistando um lugar cada vez mais significativo nesse cenário, levando milhares de pessoas, dentro e fora dessa bolha, a assistir suas transmissões nas principais plataformas de streaming, como Twitch, Facebook Gaming e Nimo TV.

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No Brasil, 29 de janeiro é Dia Nacional da Visibilidade Trans, uma data que destaca a luta diária e a existência de travestis e transexuais. O marco acontece desde janeiro de 2004, quando um grupo travestis e transexuais foram até Brasília lançar uma campanha chamada “Travesti e Respeito”, promovida pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.

Conversamos com seis mulheres da comunidade trans e que fazem streaming de jogos na internet para ouvir um pouco de suas respectivas histórias. E como suas existências nesse mercado representam um marco importante na luta pelos direitos das travestis e transexuais.

Mas antes, destacamos alguns dados:

  • Trans é uma abreviação de “transgêneros”, que se refere a pessoas que não se identificam com o gênero atribuído ao nascerem. Portanto, é fundamental entender a diferença entre identidade de gênero, que faz referência a como a pessoa se enxerga e se identifica – e que não tem nada a ver com o órgão sexual com o qual se nasce –, e orientação sexual, que diz respeito a como uma pessoa se sente atraída por outra. Reforçando: identidade de gênero não determina a orientação sexual de alguém;
  • De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), cerca de 1,9% das brasileiras e brasileiros são trans;
  • O Brasil é o país que mais registra assassinatos de pessoas trans no mundo, principalmente travestis e mulheres trans negras ou pardas. Entre 2008 e 2019, foram 1.418 assassinatos. Isso se reflete na expectativa de vida de travestis, homens e mulheres trans, que é de 35 anos, segundo dados da Antra. Para efeito de comparação, isso é menos da metade da média nacional, que hoje está em 76,3 anos;
  • E veja só: o Brasil também é o país que mais consome pornografia transexual no mundo;
  • Dados da Antra apontam que mais de 90% das travestis e mulheres trans brasileiras só conseguem trabalho no mercado informal, principalmente na prostituição. Não por opção, mas como única oportunidade de sobrevivência;
  • Desde março de 2018, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) garante às pessoas trans o direito de alteração do sexo e do nome no Registro Geral (RG) sem a necessidade de uma autorização judicial, perícia, cirurgia de redesignação ou terapias hormonais – requisitos que até então eram obrigatórios;
  • Por esse mesmo decreto de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a garantir o direito de travestis e transexuais mulheres a integrarem a cota mínima de 30% estabelecida para candidaturas femininas por partido nas eleições;
  • Ainda sobre cotas, algumas universidades brasileiras já possuem cotas específicas para estudantes trans. Contudo, até 2019, menos de 1% dos alunos que ingressaram em uma faculdade se declararam como homem trans ou mulher trans;
  • Desde 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente a cirurgia de redesignação sexual para pessoas trans que desejam adequar características genitais ao gênero com o qual se identificam. O problema é que a espera por esse procedimento pode levar quase dez anos. Além disso, a idade mínima para realizar a cirurgia é 18 anos, segundo resolução do Conselho Federal de Medicina;
  • O número de travestis e transexuais na política tem crescido a cada eleição. Segundo dados da Antra, 294 pessoas trans concorreram a um cargo municipal em 2020, e 30 delas foram eleitas em nove estados brasileiros;
  • O que os pais precisam saber sobre transexualidade;
  • Vale a pena apoiar projetos de acolhimento a jovens transexuais, mas que abraçam toda a comunidade LGBTQIA+. Alguns deles: Casa 1 (SP), Casa Chama (SP), Casa Florescer (SP), Coletivo Arouchianos (SP), Casa Nem (RJ), Grupo Arco-Íris (RJ), CasAmor (SE), Casa Aurora (BA), Instituto Transviver (PE), Casa Miga (AM), TransVest (MG), Casa Transformar (CES). Se souber de mais alguma, me envie uma mensagem no Twitter que atualizo a lista.

Dani Liu

“Se você ainda não me conhece, meus pêsames, viu? Porque é o entretenimento servido todo o dia.”

Com muito bom humor e suas “filhas” (como chama seus seguidores) prestigiando as transmissões, Dani Liu é uma streamer de 28 anos que iniciou sua carreira nas lives há pouco menos de um ano. Antes ingressar nesse mercado, ela já havia trabalhado em empregos formais, como atendente de telemarketing e assistente de cabeleireira, mas viu nos games uma possibilidade para fazer dinheiro enquanto joga. E pelo pouco tempo em que realiza suas lives, Dani considera estar se dando muito bem, ainda mais por ter conseguido um contrato fixo com a plataforma em que trabalha atualmente.

Imagem: Acervo Pessoal

Com uma família composta pela mãe, tia e dois irmãos, Dani diz que no início sentiu um pouco o baque de ser uma criadora de conteúdo em ascensão, principalmente ao ganhar mais visibilidade. “Por sermos transexuais, ouvimos coisas que são muito desagradáveis. E na internet, no geral, sempre houve uma repreensão às mulheres — não somente às trans, mas todas delas. Se você é mulher, é cobrada pela sua aparência o tempo todo, mesmo fazendo um bom trabalho. Acho que, independentemente de ser trans ou não, qualquer mulher que está na internet fica muito mais sujeita a sofrer qualquer tipo de ódio em comparação com os homens, que não passam por esse tipo de cobrança”, afirma.

Dani tem mais de 35.000 seguidores na Nimo TV e mais alguns milhares nas redes sociais, onde tem o costume de interagir com os fãs. Além disso, ela lançou há alguns meses seu canal no YouTube com vídeos de Dead by Daylight (DBD), principal título jogado em suas lives. Mas também tem espaço para outros jogos, entre eles Resident Evil, Fatal Frame e mais recentemente Bloodborne.

Imagem: Acervo Pessoal

Enquanto diverte o público com sua jogabilidade nas lives, Dani costuma responder muitas perguntas do público – algumas delas sobre preconceito e transfobia. Para ela, o Brasil ainda é um país que caduca nos direitos de pessoas transexuais e travestis. “Quando eu falo que quero ir embora desse País é porque eu não sinto que uma mulher trans consegue viver aqui. É você andar na rua e as pessoas te olharem como se você fosse uma atração. Para você ter ideia, na época que mudei meu nome nos documentos, eu tive que pagar um processo caríssimo, fiz perícia e fui revistada para que eles tivessem certeza que eu não era uma estelionatária”, explica.

Apesar disso, Dani acredita que as coisas podem mudar agora que mais mulheres trans estão ocupando espaço na política. “Eu espero que essas mulheres que foram eleitas representem bastante a gente e consigam muito mais direitos, porque mais do que nunca estamos precisando”, diz.

Mesmo sendo nova no mercado de streaming, Dani dá algumas dicas para quem quer ingressar na profissão. Para ela, assim como em qualquer emprego, o mais importante é ter disciplina: sempre tentar abrir a live em um horário fixo, dar atenção ao seu público e diversificar no conteúdo. Além disso, ela lembra que o começo nunca é fácil, e que lidar com pessoas, mesmo estando atrás de uma tela de computador, exige paciência.

Você pode seguir a Dani Liu na Nimo TV.

Beamom

“Se você for maior de 18 anos, vem me assistir. Eu falo palavrão. Muito palavrão. Mas a gente se diverte.”

Com apenas 19 anos, Beatriz Pozzebon, mais conhecida como Beamom nas redes sociais, faz suas lives na Twitch, principalmente dos títulos Dead by Daylight, League of Legends e Overwatch. Com quase 13.000 seguidores na plataforma de streaming, a jovem afirma que tudo começou há quatro anos como uma brincadeira, quando abria suas transmissões sem pretensão de transformar o hobbie em profissão. “Por mais que ainda viesse muita transfobia e comentários ruins, eu me divertia e conheci pessoas incríveis. Por isso continuei fazendo lives”, conta.

Beatriz iniciou sua transição em 2020, mas diz que sempre soube ser uma mulher trans. “Quando você descobre quem você é realmente, é um baque muito difícil para se aceitar. Entrei em uma depressão tão profunda que eu só ficava no meu quarto chorando, sem comer, nem beber nada. Um dia minha mãe entrou no meu quarto dizendo que fiquei uma semana inteira sem me alimentar, e aquilo destruiu meu coração. Foi quando comecei a aceitar o fato de ser trans, mas nunca senti a necessidade de me assumir — embora eu ache esse negócio muito errado. Acho que você é do jeito que é e pronto”, diz.

Imagem: Acervo Pessoal

Beatriz é gaúcha e mora no Rio Grande do Sul. Mesmo tendo o apoio dos amigos, ela não nega que às vezes tem vontade de abandonar as transmissões. Contudo, a vontade de continuar entretendo seus seguidores e servir como uma porta-voz para as mulheres trans na plataforma é maior do que os desejos de desistência. “Eu continuo por causa da visibilidade, não por causa do dinheiro. Eu fico para dar espaço às outras [mulheres trans] que virão depois de mim. E o carinho que você recebe do público é muito maior do que qualquer comentário transfóbico ou de ódio”, relata

Por falar no público, Beatriz diz que, por conta das lives, ela agora tem muito mais contato com pessoas da comunidade transexual. Esse, inclusive, é um de seus maiores orgulhos: saber que gamers trans estão assistindo seu trabalho. “Eu acho muito importante esse negócio da gente criar nossa própria comunidade dentro dos jogos, porque ali nos sentimos seguras e acolhidas. Principalmente quem é trans, pois somos as que mais sofremos preconceito. Isso sem contar que é melhor trabalhar de casa, porque eu tenho muito medo de ter um emprego formal. O mercado de trabalho é muito mais difícil para uma transexual ou travesti”, conta.-*

Imagem: Acervo Pessoal

Além dos jogos, Beatriz tem o hábito de abrir sua live para conversar com os seguidores do canal. Ela diz que muita gente que está se descobrindo trans chega no chat sem saber o que fazer para se conhecer, se assumir para si mesma. A jovem afirma que entende a responsabilidade e oportunidade de ajudar essas pessoas, e sempre se surpreende ao receber mensagens de carinho de fãs que acompanham seu trabalho. “É surreal. Eu lido bem com isso, e sempre tento informar ao máximo. As pessoas precisam de carinho”, diz.

O que Beatriz acha faltar na sociedade é, de fato, uma visibilidade maior para transexuais e travestis. “Tem visibilidade. Pouca. Bem pouca mesmo, mas tem. Dentro da minha bolha tem um espaço maior, mas acho que isso depende muito, porque cada pessoa tem a sua própria bolha. O que a gente tem que fazer é lutar para alcançar essa visibilidade”, conclui.

Você pode seguir a Beatriz “Beamom” na Twitch.

Lu Croft

“Eu sou a Luanny, uma menininha que já passou por vários bocados, mas hoje estou aqui para representar não só o meu trans, a minha causa, mas toda a bandeira.”

Imagem: Acervo Pessoal

Quem joga videogame com certeza vai notar a semelhança no sobrenome. E é exatamente o que você está pensando: fã declarada da franquia Tomb Raider e da “mulher forte Lara Croft que não precisa de homem e é capaz de conquistar tudo”, Lu Croft tem 23 anos e começou a fazer lives de jogos por brincadeira com alguns amigos. A diversão teve início no GTA Roleplay, uma versão modificada de Grand Theft Auto V que dá mais liberdade para os jogadores serem o que quiserem e assumir o papel de alguém que tem profissão, casa e relacionamentos. Isso tudo ao mesmo tempo que interage com outras pessoas vivendo a mesma “vida”.

Hoje, Lu Croft faz lives no Facebook Gaming, mas já integrou o coletivo Buíque na Nimo TV com outros três streamers (Sabrinoca, Demi e Nicky Mitrava). Na antiga plataforma, tinha mais de 47 mil pessoas, e diz que já garantiu uma grana e qualidade de vida em poucos meses de trabalho. “Hoje já dei entrada no meu apartamento”, conta Lu, toda sorridente. Ela também tem um canal no YouTube onde publica destaques das partidas jogadas.

Da mesma maneira que Dani Liu e Beamom, Lu Croft vê no público um refúgio para conversar e desocupar a mente. “De fato, as pessoas nos enxergam como amigas, mães, madrinhas (como costumam nos chamar). Algumas até se abrem totalmente quanto a questões de vida. E é algo recíproco, porque elas veem em você um porto seguro, alguém com quem elas podem contar. Às vezes leio um ‘te amo’ na live e aquilo me enche de gratidão, de felicidade. Porque mesmo sem a gente se ver, conhecer ou estar se abraçando, fica o sentimento de que estamos ali ajudando de alguma forma”, diz.

E assim como suas colegas de profissão, Lu Croft também não passa ilesa pelos preconceitos. Dentro da própria comunidade LGBTQIA+, segundo a jovem, as coisas não estão como eram há 10 anos, mas as mudanças aconteceram principalmente fora do meio que não vive essa realidade. “A gente já enfrenta tantos desafios diariamente que, quando você sofre preconceito dentro da própria roda, o impacto é pior ainda. Precisamos estar unidos dentro da nossa comunidade, mas não tenho visto isso acontecer”, desabafa.

Imagem: Acervo Pessoal

Lu Croft se orgulha em saber que transexuais e travestis têm ganhado mais notoriedade no cenário gamer e do stream. Agora no mês da visibilidade trans, ela lembra que é ótimo ter um dia para lembrar das causas que foram e que estão sendo feitas, mas que todos os dias do ano são motivos de luta e de conscientização. “O dia da visibilidade trans reforça que a gente que é transexual e travesti existe e luta todos os dias. Outras vieram antes de nós, e outras virão depois da gente para mostrar que somos um ser humano que ama, ajuda e opina. A nossa existência importa”, destaca.

Lu Croft também dá alguns conselhos para gamers de primeira viagem no streaming de jogos. Para ela, muitas pessoas querem transformar isso em um trabalho, e a primeira exigência, claro, é gostar de jogar videogame. “Outra coisa é não deixar o sucesso subir à cabeça. Seja paciente, persistente e tenha um pouco de ambição, que também é bom. E acima de tudo, seja criativo, coloque a cabeça para pensar e traga inovações. Sem esquecer que você está ali no papel de comunicador”, completa.

Você pode seguir a Lu Croft no Facebook Gaming.

Sher Machado

“Corpos trans são reais, e eu sou uma mulher trans, independentemente do que eu visto, de como é meu cabelo, de como é meu corpo.”

Presença ativa nas redes sociais, em especial no Twitter, Sher Machado, também conhecida como Sher “Transcurecer”, é uma streamer carioca de 27 anos que desde cedo afirma ter sido inserida no mundo dos games. Antes de começar a jogar em casa, Sher conta que, assim como muitos, frequentava antigas lan houses para passar o dia jogando títulos como Grand Chase, MU Online e Counter Strke. No entanto, foi só no ano passado que ela fez do stream um trabalho rentável desde que estreou na Twitch.

Imagem: Acervo Pessoal

Sher diz que isso só foi possível com o esforço do seu trabalho e a ajuda de doações — os famosos “donates” — que ajudaram a streamer a melhorar a qualidade dos conteúdos. Teve até uma mãozinha da Nath Finanças, que ajudou a jovem na compra do computador usado para realizar as transmissões. De lá para cá, ela diz que tem feito um bom dinheiro com suas lives, o que refinou ainda mais o conteúdo, principalmente no último ano em que a pandemia de COVID-19 nos forçou a ficar muito mais tempo dentro de casa.

“O trabalho como criadora de conteúdo foi o que possibilitou a milhares de pessoas ouvirem o que eu tenho a dizer. E também por uma questão da representatividade que a minha existência gera nesse espaço — algo que eu não tive durante minhas descobertas pessoais. Quando eu pensei em iniciar minha transição, fiz muita pesquisa na internet para encontrar referências de pessoas com histórias semelhantes às minhas. A primeira delas que eu tive contato foi Bryanna Nasck, que acompanho desde 2016 e falava sobre não-binariedade. Depois encontrei outras, como Mandy Candy, Thiessa e Briny de Laet”, diz.

Segundo Sher, o mais curioso nessas descobertas foi que todas as mulheres que ela encontrou como referência são brancas e seguem um estereótipo de feminilidade exacerbado que Sher nunca procurou ter. “Eu me questionava se as pessoas iriam me respeitar não sendo parecida com elas – foi quando tive fortes crises de disforia e dismorfia de gênero. Mas daí eu percebi que eu não preciso me enquadrar dentro de um padrão para ser eu”, afirma.

Imagem: Acervo Pessoal

Além de streamer de jogos, Sher tem uma participação significativa na capacitação de transexuais e travestis, dentro e fora da internet. Desde 2019, ela faz parte do CapaciTrans, projeto voltado para capacitar pessoas da bandeira trans para se tornarem as próprias chefes no mercado de trabalho, sem depender tanto do sistema para construir uma carreira. Hoje, é secretária geral do projeto, auxiliando no desenvolvimento e formulação das ideias. Sher também integra o time do Wakanda Streamers, nascido em 2018 com o objetivo de reunir e dar suporte à comunidade preta, criando uma rede de apoio, troca de experiências, incentivo, orientação, divulgação, ensino e assessoria.

Calma que tem mais. Sher ainda é embaixadora do Ceres Trans, projeto do fotógrafo Caio Oliver que dá visibilidade para modelos pretas transexuais. E por fim, começando já nesta sexta-feira (29) até o próximo domingo, participará da Copa Rebecca Heineman, evento idealizado por Sher e realizado em prol do Dia da Visibilidade Trans. Trata-se do primeiro campeonato de League of Legends em que apenas pessoas transgêneras, transexuais e não-binárias puderam se inscrever.

Para Sher, o mês da visibilidade trans deveria ser nos 12 meses do ano. Ela ainda faz um paralelo com o movimento Black Lives Matter, quando muitos influenciadores pretos ganharam milhares de seguidores, mas depois que os protestos passaram, a visibilidade dessa comunidade nas plataformas sociais e na mídia caiu drasticamente. “É algo que tem que acontecer todos os dias. Senão, de que adianta dar visibilidade agora, mas daqui dois meses esse alcance diminuir e ficarmos esquecidas de novo?”, questiona.

A streamer também manda um recado para quem está se descobrindo ou já descobriu trans:

Se você é uma pessoa trans e está lendo isso, saiba que sim, seu corpo é válido. Sim, seu corpo é real. Sim, ame seu corpo do jeitinho que ele é. Não deixe que o padrão cisgênero normativo binário interfira na forma como você se respeita e se ama. Eu entendi com o tempo que sou uma mulher trans independentemente de como a pessoa do meu lado me olha e fala como eu deveria ser. Você não precisa da validação de ninguém, apenas do seu respeito e amor consigo mesma.

Você pode seguir a Sher Transcurecer na Twitch.

Sabrinoca

“Sou a rainha do Dead by Daylight. E para quem não me assiste, vem me conhecer que você não vai se arrepender.”

Sabrinoca, como é conhecida nas redes sociais, já integrou o coletivo Buíque na Nimo TV e hoje atua no Facebook Gaming. No mercado de streaming de jogos há dois anos, ela se destaca nas gameplays de Dead by Daylight, League of Legends, Valorant e GTA Roleplay. E mesmo tendo apenas 21 anos de idade, chegou a ser um dos nomes mais fortes da plataforma, com mais de 115.000 seguidores e outros 51.000 no canal do YouTube. O público é bastante fiel às lives, que costumam acontecer mais no período da noite.

Imagem: Acervo Pessoal

No início da carreira, Sabrina conta que ainda existiam poucas pessoas de relevância da sigla trans. E as poucas que estavam ali podem ter alcançado sucesso e reconhecimento por pura sorte, já que, para ela, é muito difícil ter visibilidade e engajamento, principalmente para pessoas da bandeira trans. “O que eu vejo de diferente é que nós, trans, somos mais valorizadas hoje. Mas ainda não é suficiente. Os streamers heterossexuais cisgêneros ainda têm muito mais oportunidades, e isso é extremamente injusto porque exercemos os mesmos trabalhos. Muitas vezes, temos os mesmos números, a mesma relevância e o mesmo alcance – ou até mais -, e ainda assim não conseguimos fechar trabalhos maiores”, afirma.

A jovem traz outro exemplo: a falta de representatividade na mídia tradicional, como a televisão. “Tirando a Ariadna no BBB 11, quando você viu uma pessoa trans entrar em um reality show dessa magnitude? Em 20 anos de Big Brother Brasil, só teve ela — e olha que na época ela entrou super escondida, sem revelar nada. A gente até vê uma ou outra trans em uma novela ou série, mas ainda falta muita inclusão para pessoas da nossa bandeira. Falta colocar a gente em mais lugares, nos tornar mais aparentes, porque não é por falta de talento ou habilidade da nossa parte, mas sim falta de oportunidade do mercado”, diz.

Sabrina também conta que esses dois últimos anos fazendo live foram suficientes para dar uma qualidade de vida melhor para si e sua família. Ela brinca dizendo que ainda não é rica, mas que não passa vontade quando quer comer alguma coisa, comprar uma roupa nova, sapato ou bolsa. “Já consegui dar um carro para minha mãe. Em breve vou dar entrada no meu apartamento. E aí a gente vai barbarizando. Dá para viver muito bem”, diz.

Imagem: Acervo Pessoal

As lives da Sabrinoca, assim como de suas colegas de profissão, também são compostas de muito bom humor. Mas claro, também tem espaço para conversas em tom mais sério. “Eu gosto de comentar sobre alguns assuntos quando acho necessário, mas não sou o tipo de pessoa que fica militando o tempo todo, porque só de a gente estar ali já é um ato de militância. Isso por si só faz com que as pessoas vejam que tem alguém ali para elas se inspirarem. Eu acho sim que existe muita cobrança e desunião por parte do nosso público, mas ao mesmo tempo é o público mais unido que existe”, diz, citando uma live beneficente feita há alguns dias com algumas amigas que arrecadou R$ 11.000 em doações de espectadores para a compra de oxigênio em Manaus.

E para quem planeja se aventurar na indústria de streaming de jogos, Sabrinoca lembra que sim, você pode se inspirar em outras pessoas, mas é fundamental ter algo de diferente para fidelizar o seu público. “As pessoas precisam ser autênticas para chegar a algum lugar. Seja você mesmo abra sua live e não fique pensando em números ou contratos, porque essas coisas vêm com o tempo e esforço. Se você não conseguir sustentar o seu público e não tiver personalidade própria, não adianta em nada”, declara.

Você pode seguir a Sabrinoca no Facebook Gaming.

Bryanna Nasck

“Hoje eu me tornei a pessoa que eu sempre precisei ser para mim mesma.”

Uma trans não-binária, que não se identifica nem como homem, nem como mulher. É assim que a influenciadora Bryanna Nasck se descreve. Moradora de Tatuí, no interior de São Paulo, a jovem de 26 anos ganhou projeção nacional com seus vídeos no YouTube em que discute não-binariedade, identidade de gênero e saúde mental. O canal estreou em 2016, e de lá para cá, ela participou de várias plataformas de streaming de games, incluindo o finado YouTube Gaming, Twitch e Facebook Gaming, onde realiza lives atualmente.

Foi no início da adolescência que Bryanna afirma ter se debruçado sobre as questões da comunidade LGBTQIA+, mas sem ainda conhecer especificamente a pauta transgênero. Primeiro, se assumiu gay e apresentou um namorado à família, mas mesmo assim tinha conflitos internos que a faziam questionar a própria existência. Depois, após ouvir o conselho de uma melhor amiga, diz que se descobriu como “genderqueer” (não-binária), que é quando alguém se identifica fora de uma identidade completa de gênero — no caso, a imagem exata do que é ser um homem ou mulher.

Imagem: Acervo Pessoal

Apesar das novas descobertas, a jovem diz que ainda se sentia incompleta, descrevendo a sensação como “uma angústia, algo desconfortável”. Só então foi que Bryanna se deparou com as questões da comunidade transgênero. “Foi exatamente naquele momento que eu vi uma luz que elucidou minha existência como um todo. Você existir sendo você, sem necessariamente ter uma definição ou formato pré-definido. Foi ali que eu encontrei minha identidade”, explica.

Embora se autodenomine como não-binária, Bryanna afirma que usa os estereótipos femininos para construir sua identidade, pois assim ela se sente mais confortável. “Eu não faço isso porque eu quero ser ou parecer uma mulher. Eu faço as coisas que vão me trazer conforto interno com minha própria existência e com meu corpo. O que eu quero é colocar minha cabeça no travesseiro à noite e dormir tranquila, porque eu passei a maior parte da minha vida desejando minha morte. Por isso, paz para mim é eu estar tranquila com minha existência”, conta.

Além do canal no YouTube, foi através da lives de games que Bryanna encontrou mais um veículo para levantar essas discussões sobre não-binariedade, identidade de gênero e saúde mental. Isso mesclando uma militância e outra a  bom humor com o público que a assiste. A auidência, inclusive, se renova de tempos em tempos e serve como combustível para continuar desempenhando seu trabalho. “Eu penso em desistir de tudo umas cinco vezes por semana. Mas todos os dias eu vejo as pessoas que me acompanham e percebo que minha existência é útil para um monte de gente. É um longo processo entender que eu sou uma ferramenta para as pessoas que me assistem e consomem meus conteúdos”, diz.

Imagem: Acervo Pessoal

Bryanna também percebe durante as transmissões que a maioria de seus espectadores hoje é composta por homens heterossexuais cisgêneros. “Os caras chegam na minha live com tesão, talvez olhando para mim como uma figura sexualizada, mas no final saem educados. Eu acho ótimo encontrar uma forma de usar um estereótipo que seja negativo — olhar para mim como um objeto ou fetiche — e usar a perspectiva social que a sociedade constrói sobre o meu corpo trans como uma ferramenta para impulsionar o meu trabalho. Hoje eu consigo transmutar a sexualização que é jogada sobre o meu corpo em um artifício para ecoar diversidade, respeito e educação”, explica.

Assim como suas colegas e amigas trans, Bryanna espera que haja parcerias reais entre a comunidade e empresas que possam levar projetos que atingem a sociedade, causando mudanças verdadeiramente impactantes. De acordo com a influenciadora, as ações atuais são, em sua maioria, pontuais e muito especificas, e não permitem que transexuais e travestis não estejam em todos os ambientes. “A gente não pode achar que esse pouco é suficiente”, destaca.

Hoje, Bryanna se diz grata pelas oportunidades e pelo espaço conquistado na internet que a transformaram em uma voz para as bandeiras que levanta. “Eu só tenho a agradecer a todas as pessoas que me assistem por acabar com a sensação de estar sozinha, que foi o que eu mais vivi em toda a minha vida. Durante anos eu senti que não tinha uma comunidade, que não poderia contar e confiar nas pessoas. E hoje milhares delas me permitem continuar vivendo, porque eu sei que o meu trabalho tem um impacto positivo na existência delas. Tem um motivo pelo qual eu estou aqui”, completa.

Você pode seguir a Bryanna Nasck no Facebook Gaming.

[Atualizado: 28/06/21] — Algumas streamers mudaram de plataforma ao longo de 2021. Por isso, colocamos os links mais recentes.

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