Na boca do povo e da comunidade médica, medicamentos como Ozempic e Mounjaro vêm fazendo um número cada vez maior de adeptos pelo mundo topo. E, embora sejam aprovados por agências reguladoras e tenham passado por testes de segurança, ainda causam polêmicas. Afinal: o uso é para todo mundo que deseja emagrecer?
Recentemente, a farmacêutica Eli Lily publicou em seu site a bula do Mounjaro, que ainda não tem previsão de chegada às farmácias do Brasil. No documento, além da lista de possíveis efeitos colaterais, que o Giz Brasil já descreveu aqui, há também as contra indicações.
Para entender os riscos envolvidos no uso do medicamento, o Giz conversou com Fabio Trujilho, endocrinologista, vice-presidente da ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) e diretor do departamento de obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
Efeitos colaterais do Mounjaro e Ozempic
Antes de ler o papo completo, aí vai um breve resumo das dicas e alertas do médico:
1- Esses remédios não são para todas as pessoas;
2- A semaglutida e a tizerpatida, compostos-base dos remédios, apresentam resultados no tratamento da obesidade nunca antes alcançados com outros medicamentos;
3- A automedicação pode agravar os efeitos colaterais.
Giz Brasil – Na lista de contra indicações da bula do Mounjaro, há tópicos como tumores na tireoide, pancreatite e alterações graves no sistema digestivo. A própria farmacêutica coloca no documento que o Mounjaro é um medicamento novo e que, embora as pesquisas indiquem que o uso é seguro, alguns eventos adversos podem acontecer. Você poderia comentar sobre isso?
Fabio Trujilho – O remédio não é para todo mundo. Existem algumas contra indicações, por exemplo, alguns pacientes que já tiveram um câncer de tireoide chamado medular, que é um tipo mais raro. Eles devem evitar, porque alguns estudos em ratos mostraram que o uso dessa substância [tizerpatida] poderia aumentar esse tipo de tumor medular da tireoide. Então eles [farmacêuticas e pesquisadores] excluíram essa população que tinha uma história familiar com esse tumor do estudo [ensaio clínico].
Tem que ter um certo cuidado. Eu não tenho evidências tão grandes de que isso vai gerar, mas eu tenho certas evidências. E são tão raros [os casos], mas você pode ser um. E você sendo um, você é 100%.
Pancreatite também é uma contra indicação, porque existe esse histórico de poder aumentar o risco de pancreatite e ela mata. Além disso, pessoas que têm problemas de colestase, de acúmulo de bilirrubina no fígado, têm que ter cuidado, porque elas podem se sentir muito mal e podem lesionar o fígado. Se for por muito tempo, [o dano] pode ser irreparável.
Algumas pessoas que têm a síndrome do cólon irritável, por exemplo, que não é uma contraindicação absoluta, também precisam ter um certo cuidado, porque senão elas vão se sentir muito mal. Então, não é uma coisa tão simples, mas muitas vezes a pessoa tá focada só na perda de peso. Por isso que o médico, que é quem vai prescrever, é importante nesses casos.
Há alguma diretriz a respeito do uso de medicamentos como o Mounjaro e o Ozempic em crianças e adolescentes?
Eu sei que a semaglutida, que vem no nome de Wegovy, está liberada para tratamento de obesidade de adolescentes acima de 12 anos. Claro que com orientação médica, orientação de nutricionistas, fazendo exercício, em uma mudança de vida.
A gente não tem tanto estudo em criança. E aí se você pensar que uma criança está em fase de desenvolvimento e precisa de uma série de vitaminas, que ainda não formou toda a sua parte óssea, você tem que ter cuidado.
Além da contra indicação da bula, há também a orientação médica para o uso. Embora aprovados pela Anvisa para tratamento de diabetes tipo 2, os medicamentos estão sendo muito procurados para emagrecimento, que é um de seus efeitos colaterais.
É uma questão de tempo. A semaglutida, tem como nome comercial Ozempic, também foi aprovada primeiramente para tratamento de diabetes. E aí vieram os resultados de estudos e o ela também foi aprovada para obesidade, sob o nome de Wegovy, que deve chegar ao Brasil no segundo semestre.
A semaglutida imita um hormônio chamado GLP-1, que faz parte de um grupo de hormônios que são produzidos pelo nosso intestino. Para a diabetes, ele atua no pâncreas, estimulando a produção de insulina e bloqueando a ação do glucagon. Então se você tem algo que estimula a insulina e bloqueia a produção de açúcar, tem um efeito benéfico no controle da diabetes. E ele também age retardando o esvaziamento gástrico.
Mas ela [semaglutida] também mostrou alguns resultados na perda de peso que a gente não tinha anteriormente com medicamentos. Mas GLP-1 também atua no sistema nervoso, no hipotálamo, no centro da fome, em alguns neurônios que são responsáveis pela regulação do apetite. Ele diminui a vontade de comer e esse é o mecanismo principal dele para perder o peso.
Entrando nessa pesquisa das incretinas, que são aqueles hormônios intestinais, entra a tizerpatida, do Mounjaro. Ela simula a ação tanto do GLP-1 quanto do GIP, um outro hormônio do trato gastrointestinal. Tem sido demonstrado nos estudos que essa ação pode ser sinérgica na perda de peso, além de melhorar a glicemia. E também levaria a perda de peso por uma ação também nesses hormônios da fome.
Esses estudos com o Mounjaro (Surmount 1) foram surpreendentes, principalmente em relação à perda de peso, na média de 22%. Quando a gente fala na média, a gente tá falando tanto daquela pessoa que responde bem como daquela pessoa que não responde tão bem. Então tá imagine que aquela pessoa que responde muito bem pode perder muito mais do que isso.
Por que medicamentos como o Mounjaro e o Ozempic são tão disruptivos e tão comentados? Qual o diferencial?
Eu acho que são dois medicamentos que estão revolucionando o tratamento da obesidade justamente porque eles têm um efeito de perda de peso talvez até parecido com algum tipo de cirurgia bariátrica.
Isso gerou uma empolgação [na população]. Você tem um remédio que não precisa de receita, infelizmente, e que você usa uma vez por semana e perde peso. Então virou uma febre, né? E a gente sabe que isso traz o lado negativo, que é a automedicação de pessoas que têm efeitos colateral.
Mas, além disso, sempre existiu aquela coisa: obesidade é uma doença ou é um fator de risco? Sempre existiu muita dúvida, se você tratar uma pessoa com obesidade sem ter diabetes, se você tratar só o peso, você teria a redução de eventos cardiovasculares maiores.
No ano passado, em novembro, foi apresentado um estudo chamado Select, que foi um estudo da semaglutida para perda de peso, usada em pessoas com alto risco cardiovascular. Durou três anos ou quatro anos, e nesse pouco tempo de uso a diminuição de eventos cardiovasculares maiores foi em torno de 20%. Então, foi o primeiro estudo feito de forma direta para se mostrar que tratar a obesidade diminui eventos cardiovasculares.
E, agora, com a tizerpatida, ou Mounjaro, existe um outro estudo chamado Surmount MMO, que ainda não foi publicado, mas que tenta mostrar a mesma coisa: se você tratar a obesidade de uma pessoa sem ter diabetes, diminui eventos cardiovasculares? Se esse resultado vier positivo, eu acho que a gente vai ter uma grande mudança na visão de como tratar a obesidade. Porque não são todos que enxergam a obesidade como doença, muitos ainda falam que é falta de vontade, que é só fechar a boca. E, a partir do momento que você tiver esses dois estudos, eu acho que vai ser uma grande mudança no pensamento médico.
Quais os cuidados necessários que toda pessoa que toma esses medicamentos em busca da perda de peso deve ter?
É preciso uma mudança de estilo de vida. A maior parte das pessoas estão pensando no lado estético. Esses medicamentos tiram a vontade de comer e a pessoa vai acabar emagrecendo, mas se ela não muda o comportamento, há perigos.
A gente tem que pensar a longo prazo, não a curto prazo. Tem um estudo, o Surmount 4, que mostrou que quando você para o tratamento, o peso volta. Não volta porque a pessoa é preguiçosa ou não, mas sim porque existem mecanismos no nosso organismo que favorecem o reganho de peso. Então, começa por aí, esse tratamento não pode ser para você ir em um casamento, para você cair bem no vestido, para você ir em um evento social. Isso tem que ser uma coisa para vida.
Além disso, os principais efeitos colaterais são gástricos, a náusea, o mal estar para digestão. Tem pessoas que querem ser tão rápidas na perda de peso que aumentam a dose em uma velocidade grande. Então, elas se sentem tão mal que vão parar no hospital. E aí aparece: ‘fulano foi parar no hospital por causa de tal remédio’, mas foi a forma que ele usou que fez isso. Orientando como a pessoa deve fazer o tratamento, diminui a chance dela ter isso.
Eu vejo muito no meu consultório pessoas que acham que quanto menos comer, melhor. Então, se ela tomar um remédio que tira o apetite dela e não tem vontade de tomar café da manhã, ela não toma. Se não tem vontade de almoçar, não almoça. Aí à noite, de tarde, no trabalho, ela transpira e quase desmaia.
A comida é um remédio, né? A forma da gente se relacionar com a comida tem que ser trabalhada, a quantidade. Então essas orientações são muito importantes e o que eu vejo as pessoas não seguem, querem um resultado muito rápido e acabam acelerando todo o processo.
O número de pessoas com sobrepeso e obesidade no Brasil tem aumentado, especialmente depois da pandemia. Por que você acha que isso acontece e quais outros caminhos para controle da obesidade sem uso de medicamentos?
Eu acho que muitas vezes a gente confunde tratamento de prevenção. Então, eu vou fazer uma analogia. A gente está em um quintal cheio de cobras e muitas pessoas já foram picadas – que seriam aquelas pessoas que estão acima do peso. Essas pessoas precisam ter acesso a um tratamento certo.
Só que você tem que prevenir que outras pessoas sejam picadas por aquelas cobras. Ou você vai tirar as pessoas dali ou tirar as cobras. Então a prevenção da obesidade é algo muito importante. A gente sabe que se existe tanta gente acima do peso, existe um ambiente que é obesogênico. E aí a gente precisa melhorar esse ambiente.
Alimentação saudável deveria ser mais barata, mais fácil e mais disponível, Além disso, desenvolver políticas públicas mais objetivas também, sobre o acesso ao tratamento. Muitas pessoas não têm acesso a um serviço treinado para lidar com obesidade, uma orientação nutricional e de exercícios bem elaborada.
E lembrar que usar um remédio para obesidade, não é uma vacina para obesidade, né? Não é ‘eu tomei o remédio e eu não vou ter obesidade’. A responsabilidade que isso tem que ter e a importância de um acompanhamento de um profissional de saúde que possa cuidar bem dessa pessoa. Porque muita gente acha que uma caneta é um milagre.