O fã da Blizzard que virou o diretor de dublagem para os jogos da empresa

Gustavo Nader foi diretor de dublagem das versões brasileiras dos últimos jogos da Blizzard e mostra um pouco como foi esse trabalho

por Bruno Izidro

Quando Gustavo Nader era criança, ele ficava imaginando como seria se os personagens dos games que jogava falassem português, como acontecia nos desenhos que passavam na TV. “E se o Mario falasse em português? Como seria?”, pensava. Sendo um fã dos jogos da Blizzard, ele continuava com esse pensamento enquanto jogava clássicos como Warcraft 3, Blackthorne e Diablo 2.

O tempo passou e foi nessas coincidências do destino que Nader acabou não só ajudando a fazer com que os jogos falassem a nossa língua, como também trabalhou diretamente com a Blizzard e com os jogos que o marcaram quando jovem.

Gustavo Nader é dublador profissional, e nos últimos anos foi diretor de dublagem dos principais lançamentos da Blizzard, desde Diablo III até o recente Heroes of the Storm. “A experiência é alguma coisa fora do comum”, fala Nader em entrevista ao Gizmodo Brasil. “Tinha na cabeça o que todo gamer dublador tem: querer ter o orgulho de dizer uma frase em um jogo que fosse”.

Durante a nossa conversa, por Skype, Nader vestia uma camiseta da Blizzcon, a convenção oficial da Blizzard, e pôsteres de Diablo III – Reaper of Souls e WoW, na parede do quarto dele, mostrava o quanto ele era fã e que esse sentimento foi multiplicado por participar e dirigir a dublagem dos jogos da empresa.

“Eu sou fã da Blizzard porque eu aprecio uma empresa que fala: ‘Ah, a gente tem dois anos para desenvolver esse jogo’, mas depois desse tempo vai precisar de mais um. ‘Ah, mas eu vou lançar o jogo agora porque eu quero dinheiro’. Não, não, vai desenvolver por mais um ano”, fala o dublador.

Nader_blizzard

Antes de acabar sendo o responsável pelas versões PT-BR dos jogos da Blizzard, Gustavo Nader já tinha trabalhado na dublagem de World of Warcraft, mas somente atuando. A possibilidade de ir para a direção das dublagens surgiu quando a empresa percebeu que, além de um bom profissional, estava diante de um jogador. “A empresa me chamou um ano depois (de dublar WoW) pra trabalhar dentro do escritório dela, como dublador, e eles apreciaram que eu sou gamer, jogador de RPG e aí eu iria gerenciar um projeto, que era Diablo III”, revela.

Dirigindo a dublagem de um jogo

Gustavo Nader foi diretor de dublagem de Diablo III e a expansão Reaper of Souls, Starcraft 2: Heart of the Swarm, World of Warcraft (das versões 4.3 ao 6.0), Hearthstone e a expansão Globins vs Gnomes e Heroes of the Storm até a adição dos personagens de The Lost Vikings.

Sim, foi bastante coisa e ele fala como funciona esse processo de direção da dublagem dos jogos. “A gente primeiro recebe um material sobre os personagens, como é esse mundo do jogo, qual é a mitologia e baseado no material original a gente faz uma escalação dos atores, três normalmente, e manda pra Blizzard”, esclarece Nader. “Eles mandam uma resposta e a gente começa a conversar sobre os possíveis atores [para dublar o jogo]”.

Em jogos como da Blizzard, que envolvem muitos personagens e falas, mais de cem atores acabam participando da dublagem – e esse número pode dobrar no caso de jogos maiores, como World of Warcraft. Já para realizar toda a dublagem, são gastas centenas de horas em um estúdio, que normalmente é alugado, para as gravações. “O Diablo III, sem a expansão, levou mais de 300 horas de estúdio, o que daria quase dois meses, com 12 horas de trabalho por dia”, revela Nader.

Diablo III, por sinal, foi um trabalho que marcou bastante o dublador, não só por ter sido o primeiro em que ele dirigiu a dublagem, como também como jogador. Afinal esse era uma continuação que estava sendo aguardada há mais de 15 anos pelos fãs – fãs como o próprio Nader.

Por isso a pressão foi grande. “Foi um projeto bem puxado porque eu praticamente me internava no estúdio e ficava lá louco, na masmorra”, relembra o dublador. “No final teve um apelo superpositivo”. Mesmo que não seja uma unanimidade entre os jogadores, é fato que as versões PT-BR dos jogos da Blizzard certamente estão entre as melhores já feitas recentemente por aqui.

Uma Kerrigan igual, mas diferente

Basta falar com dubladores e pessoas envolvidas nesse meio para saber que a direção na dublagem é importantíssima para a qualidade da versão localizada em um jogo. Na conversa com Gustavo Nader, ele relata um caso que demonstra bem isso. Ele não participou de Starcraft 2: Wings of Liberty, lançado em 2010, mas dirigiu a dublagem da expansão Heart of The Swarm com os mesmos dubladores, porém com uma abordagem diferente na contextualização e atuação dos atores.

Nader fala que, no caso em particular da personagem Kerrigan, dublado por Luciana Baroli (irmã de Hermes Baroli, a icônica voz do Seya nos Cavaleiros do Zodíaco), o resultado impressionou tanto que pensavam que era outra pessoa dublando. “A própria Blizard achou que mudaram a dubladora e agradeceu porque a dubladora ‘nova’ era a que realmente deveria ter feito a Kerrigan no primeiro jogo – mas era a mesma pessoa”.

O trabalho de Gustavo Nader também vai além de direção dos dubladores, e envolve adaptações do texto do jogo para se encaixar no português. Afinal, é aí que está muito do trabalho de localização do jogo.

O dublador fala que essas mudanças variam muito de projeto e da liberdade criativa que a empresa dá para o time de localização e dublagem. “Normalmente você muda 20% do texto depois de traduzido, mesmo tendo reunião com os tradutores antes, porque na hora do estúdio você percebe algo que pode dar mais imersão ao jogador”.

Essas mudanças podem ser mínimas, de uma palavra, mas que fazem a diferença para os fãs. Ele dá um exemplo do personagem Gasganete, originalmente de Warcraft e que agora é um dos heróis de Heroes of the Storm. Ele foi dublado pelo próprio Gustavo Nader e uma de suas falas é: “Alguém aí pediu uma equipe de demolição de um goblin só?”, que foi adaptada na versão PT-BR.

“No original é ‘de um homem só’, mas ele é um goblin, então a gente pode adaptar esses ditados”, comenta o dublador. É só vermos as falas feitas por Nader para Gasganete para percebermos bem mais dessas adaptações feitas.

Ser um jogador e, principalmente, fã da Blizzard ajudou bastante para que o resultado do trabalho de Gustavo Nader ficasse na qualidade em que ficou. Isso ele mesmo admite, mas também não foi só isso que influenciou.

“No meu entendimento, só podemos fazer um trabalho bem feito com dedicação ao máximo”, fala o dublador. “Conheço pessoas que nem sabe sobre o que é o jogo, só fica ali dizendo: ‘Valeu, próxima’”. Não é à toa que ele também não vê muitos jogos com boas dublagens aqui no Brasil; e apesar de saber há bons trabalhos sendo feitos, a maioria deixa a desejar.

É inegável que o trabalho de Gustavo Nader à frente da dublagem dos jogos da Blizzard pode ser considerado uma referência de boa localização de jogos no Brasil e vai deixar saudades. Atualmente o dublador trabalha na empresa de tradução e localização KiteTeam, e está envolvido na dublagem de outros jogos (sem revelar quais por enquanto). Por isso, provavelmente ele não vai se envolver nas versões dos futuros jogos da empresa, como Starcraft 2: Legacy of the Void e Overwatch. Vamos esperar, então, que a Blizzard consiga manter o nível de qualidade deixado por Gustavo Nader nas dublagens.

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