Um novo estudo ajuda a explicar por que o estalo de articulações produz aquele som esquisito
Por décadas, cientistas têm debatido a causa do barulho que ocorre quando estalamos nossas articulações. Usando modelos computacionais, uma equipe de pesquisadores franceses pode ter chegado a uma resposta.
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Como os autores dizem em um novo estudo publicado na Scientific Reports, o som do estalo das juntas é causado por um “bolha de cavitação em colapso no fluido líquido sinovial [que fica nas articulações] dentro de uma articulação metacarpofalângica durante uma liberação articular”.
De forma mais simples: é o som de bolhas de gás microscópicas em colapso — não totalmente estouradas — dentro de uma articulação do dedo. Os cientistas propuseram essa teoria pela primeira vez há quase 50 anos, mas neste último estudo usaram uma combinação de experimentos laboratoriais de uma simulação computacional para reforçar a tese.
Parece esquisito, mas os cientistas têm investigado este barulho desde o início de 1900, e eles ainda não conseguiram atingir um consenso sobre a causa do ruído. O debate que parece não ter fim é o resultado de evidências experimentais pouco convincentes, além da dificuldade de visualizar o processo em ação: o fenômeno todo leva apenas 300 milissegundos para ocorrer.
O que cientistas até o momento concordam é que o estalo de articulações não é algo que todo mundo consegue fazer. Não é todo dedo que consegue produzir o ruído do estalo, e leva cerca de 20 minutos para você conseguir estalar novamente.
Colapso de bolhas
Para ajudar a clarificar as coisas, e adicionar mais apoio aos dados experimentais já obtidos, V. Chandran Suja e Abdul Bakarat, ambos da École Polytechnique na França, obtiveram representações geométricas da junta metacarpofalângica quando o ruído acontece, e a converteram em equações matemáticas que alimentaram simulações computacionais de estalos de articulações. Ou mais especificamente, simulações computacionais que mostram o que acontece com nossos dedos antes da emissão do ruído.
“A modelagem matemática é particularmente útil, pois a imagem em tempo real não é o suficiente para capturar a rapidez do fenômeno”, disse Bakarat ao Gizmodo. “Outra vantagem do modelo é que ele permite variar parâmetros na hora, permitindo determinar quais são realmente importantes para a ação. Sobre isso, nós descobrimos que o parâmetro que tem o maior efeito no som gerado pelo estalo de articulações é o quão forte você puxa a articulação. A velocidade, a geometria da articulação, e a viscosidade do fluido (que muda conforme a idade) não têm um efeito muito significativo.”
Pesquisa de 2015 mostra a articulação antes (esq.) e depois (dir.) do estalo. Imagem: Kawchuk et al. 2015/PLoS One
Os modelos mostraram que quando a junta sofre certo estresse, a pressão resultante muda o fluido da articulação causando o colapso de bolhas microscópicas de gás dentro do fluido da junta sinovial. Essa teoria foi proposta pela primeira vez por cientistas da Universidade de Leeds em 1971, mas em 2015, um estudo publicado no períodico PLoS One liderado por Greg Kawchuk da faculdade de reabilitação da Universidade de Alberta usou imagens de ressonância magnética para mostrar que as bolhas de gás continuam no fluido, mesmo após as articulações estalarem. Então, em vez de o colapso das bolhas causarem o barulho, a equipe de Kawchuk disse que era o crescimento repentino de bolhas que produzem o ruído.
No entanto, Suja and Bakarat mostram que isso não é uma contradição. Segundo os modelos, apenas um colapso parcial de bolhas é necessário para fazer o ruído, e é por essa razão que as bolhas podem ainda ser vistas mesmo após o estalo das articulações dos dedos. E para provar isso, os pesquisadores gravaram três diferentes sons e comparou as ondas acústicas deles com ruídos produzidos pelas simulações computacionais. As duas formas acústicas eram extremamente parecidas, sugerindo que o modelo de Suja e Bakarat forneceu uma representação correta do estalo de dedos, e que a causa do ruído é, de fato, o som das bolhas em colapso.
Limitações do estudo
No que diz respeito a limitações, Bakarat disse que sua equipe considerou uma série de hipóteses para o estudo, como a presença de apenas uma bolha, que uma bolha é perfeitamente esférica, que a articulação tem um formato comum idealizado, entre outras. “Além disso, uma limitação do estudo é que nós não modelamos a formação da cavidade das bolhas no fluido sinovial, mas apenas o colapso da bolha”, disse. “Um possível direcionamento [para um novo estudo] no futuro é estender uma modelagem que inclui a fase de formação da bolha.”
Greg Kawchuk, o líder do estudo de 2015, disse que Suja e Barakat “deveriam receber os parabéns” por terem feito um modelo matemático que cria uma bolha teórica pré-existente. Ele acha que foi interessante que outros fenômenos possam estar envolvidas entre os quadros do vídeo de ressonância magnética que ele publicara há três anos. No entanto, ele acredita que o novo estudo não resolve completamente o mistério do estalo das articulações.
“Primeiro, deve ser enfatizado que o trabalho deste novo estudo é um modelo matemático que ainda precisa ser validado para experimentação física — nós ainda não sabemos se isso ocorre na vida real”, disse Kawchuk ao Gizmodo. “Segundo, embora os autores do estudo demonstrem que os sons são produzidos pelo colapso de bolha eram similares a sonos reais de estalo de dedos, os autores não testaram a circunstância oposta proposta pela literatura anterior, que diz: “quais sons poderiam ser gerados pela formação de bolha?’”.
O que é um ponto excelente — um ponto que, inclusive, Bakarat reconheceu que era uma limitação da pesquisa. Pelo que sabemos, a formação rápida da bolha pode ser produzida em um som muito similar com o de um estalo de dedos, mas o novo estudo não esclareceu isso.
“Assim sendo, o impacto deste novo estudo é diminuído por ter investigado apenas uma possibilidade (o colapso de uma bolha pré-formada) e desconsiderando outros fenômenos alternativos, como a formação da bolha, os múltiplos eventos de formação e colapso e persistente problemas de lagos volumes de gás nas articulações seguidos da produção de som, que foram visualizados por muitos pesquisadores”, afirmou.
Este tópico pode parecer bobo, diz Kawchuk, mas ele acredita que o problema tem grande importância para a assistência médica — pode revelar ideias de como preservar a saúde das articulações e sua mobilidade devido à doenças e envelhecimento.
Sobre se faz mal estalar ou não os dedos, o último estudo não fala sobre o assunto — os autores não se sentiram confortáveis em falar sobre isso. Mas em 2015, Robert D. Boutin, da Universidade da Califórnia em Davis, fez alguns estudos mostrando que o hábito não produz dor imediata, inchaço ou algum outro problema entre pessoas que estalam os dedos, nem entre aqueles que raramente fazem isso. Boutin afirma que é “necessário mais pesquisas para avaliar os possíveis riscos — ou benefícios — a longo prazo.”
O Hospital Israelita Albert Einstein, por sua vez, explica que “não existem dados suficientes que indiquem malefícios no hábito de estalar os dedos, mas tudo o que é exagerado pode trazer consequências negativas”.
Então, se você gosta de estalar os dedos, você provavelmente não deve se preocupar, pois não vai ser isso que vai lhe causar uma artrite ou algo do tipo, mas lembre-se: quem não estala os dedos, geralmente odeia o barulho. Então, por favor, pare.
Foto do topo por Mikael Häggström/Wikimedia