Médicos estimulam cérebros de pacientes acordados durante cirurgias cerebrais para fazê-los rir e se divertir

Nova técnica tem como objetivo relaxar os indivíduos que precisam passar por cirurgias cerebrais acordados e normalmente sentem medo e ansiedade
Journal of Clinical Investigation

Algumas formas de cirurgia cerebral exigem que os pacientes estejam acordados e responsivos — uma proposta bastante inquietante até mesmo para os mais corajosos entre nós. Os neurocientistas conceberam agora uma forma engenhosa de reduzir o medo e a ansiedade durante esses procedimentos delicados, estimulando eletricamente uma parte do cérebro que provoca risos e bons sentimentos.

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Um caminho distinto na parte da matéria branca do cérebro conhecida como giro do cíngulo pode ser usado para aliviar o estresse e a ansiedade durante a cirurgia cerebral acordada, de acordo com uma nova pesquisa publicada na segunda-feira (4) no Journal of Clinical Investigation.

Quando estimulado eletricamente, esse caminho desencadeia risos instantâneos no paciente. Porém, diferentemente dos experimentos anteriores, esse riso também foi acompanhado por sentimentos positivos e animadores. Pesquisas preliminares sugerem que essa técnica poderia ser usada para acalmar pacientes durante uma cirurgia cerebral acordada, com os autores do novo estudo, liderados pela neurocientista Kelly Bijanki, da Escola de Medicina da Universidade Emory, dizendo que os resultados também poderiam levar a novos tratamentos inovadores para depressão, ansiedade e dor crônica.

Bijanki, com a ajuda do neurocirurgião Jon T. Willie, também da Universidade Emory, estimulou eletricamente o giro do cíngulo de três pacientes com epilepsia que estavam sendo submetidos a monitoração diagnóstica preliminar antes da cirurgia cerebral. Todos os pacientes exibiram respostas semelhantes, incluindo risos, sorrisos, humor elevado e alívio da dor — basicamente, euforia leve. A técnica foi posteriormente utilizada em um desses pacientes durante a cirurgia cerebral real, obtendo resultados positivos.

Vídeo mostrando a reação do paciente durante a fase de diagnóstico do procedimento. Não se preocupe, as imagens não são fortes — e é difícil não sorrir junto com ela. Crédito: Journal of Clinical Investigation

Realizar cirurgia cerebral em pacientes que estão acordados não é o ideal, mas é algo muito necessário em algumas situações. Certas áreas do cérebro têm funções específicas que não podem ser determinadas apenas olhando para elas. Ao tratar epilepsia ou tumores cerebrais, os cirurgiões às vezes precisam remover partes do cérebro, mas não é fácil distinguir tecido anormal de tecido importante e funcional.

Para mapear as partes importantes, os pacientes devem estar acordados e cooperar para que os médicos possam distinguir entre as partes que podem ser removidas daquelas que não podem. Nesse caso, os cirurgiões precisavam remover o tecido que estava sobreposto à função da linguagem. Ao manter o paciente acordado e responsivo, os cirurgiões foram capazes de evitar as partes importantes da linguagem de seu cérebro enquanto removiam as partes responsáveis por suas convulsões.

Durante a cirurgia, os pacientes não sentem nenhuma dor em seus cérebros, embora a pele e os tecidos ao redor possam ser sensíveis. Dito isso, estar acordado durante essa forma de cirurgia é compreensivelmente um fator de estresse. A maioria dos pacientes está pelo menos um pouco ansiosa sobre estar acordada; eles temem sentir dor ou a sensação de estar fora de controle, explicou Willie.

Alguns pacientes também começam a entrar em pânico e, se não puderem ser acalmados, correm o risco de lesões graves, pois seus crânios estão abertos, e o cérebro, exposto. Quando isso acontece, os cirurgiões às vezes têm que abortar o procedimento, impedindo-os de remover a área problemática no cérebro. Como um neurocirurgião experiente, Willie viu isso por si só.

Ilustração mostrando como um eletrodo foi inserido no giro do cíngulo. Imagem: Cortesia da American Society for Clinical Investigation

“Durante meu treinamento, ajudei a realizar uma tentativa de cirurgia acordada em um estudante de medicina que desenvolveu um tumor cerebral maligno em seu lobo frontal esquerdo, onde a fala é produzida”, contou Willie ao Gizmodo. “Apesar de um alto nível de educação e conhecimento, e apesar da preparação adequada para a sala de cirurgia, quando ele acordou da anestesia inicial necessária para o primeiro estágio da operação — abrindo seu crânio e expondo o cérebro —, ele entrou em pânico e reagiu tão violentamente que puxou sua cabeça para fora dos pinos do crânio usados para manter sua cabeça estável. A operação tornou-se insegura porque ele não ficava parado, tivemos que colocá-lo de volta para dormir e então só conseguimos remover parte do tumor com segurança porque perdemos a capacidade de mapear a fronteira entre a função importante de linguagem e o tumor.”

Willie disse que “todo cirurgião” que ele conhece e que rotineiramente realiza neurocirurgias acordadas pode relatar experiências semelhantes. Os resultados do novo trabalho de sua equipe, disse ele, apontam para uma “alternativa às drogas sedativas para ajudar os pacientes com ansiedade a tolerar a cirurgia cerebral acordada quando é necessário”.

A chave para essa estratégia é o caminho da matéria branca conhecido como o giro do cíngulo, que age como uma rodovia, conectando múltiplas estruturas da frente para trás do cérebro usando uma série de estruturas que agem como ramificações de entrada e saída ao longo de seu comprimento. A parte frontal é particularmente importante, na medida em que está associada à emoção, interação social, autoavaliação e motivação.

Paciente durante a cirurgia. Crédito: Journal of Clinical Investigation

“Acessar a ‘rodovia’ em um determinado local com estimulação direta proporciona uma forma de modular áreas específicas do cérebro com funções relacionadas e usar essa parte da rodovia para modificar certos estados comportamentais, emocionais ou cognitivos para ajudar os pacientes a se sentirem mais relaxados ou motivados a perseverar diante da adversidade”, disse Willie.

Anteriormente, cientistas mostraram que algumas partes do cérebro (por exemplo, o córtex cingulado anterior) podem desencadear risos espontâneos quando estimuladas, mas sem o estado emocional positivo esperado. Esses esforços produziram os aspectos mecânicos de sorrir e rir, mas não muito além disso em termos de induzir sentimentos positivos. O novo estudo é diferente, com os sentimentos positivos sendo induzidos nos pacientes, uma consequência do estímulo do giro do cíngulo.

Quando os eletrodos foram colocados, os pesquisadores, além de induzir o riso, também testaram o humor e os processos de pensamento dos pacientes. Como os autores escreveram no estudo, a estimulação “provocou imediatamente um comportamento jovial, incluindo sorrisos e risos, e relatos de experiências emocionais positivas”. As experiências foram descritas como “agradáveis e relaxantes e completamente diferentes de qualquer componente de (sua) convulsão ou aura típicas”, escreveram os autores.

Os pacientes “relataram uma vontade involuntária de rir que começou no início da estimulação e evoluiu para um sentimento agradável e relaxado durante alguns segundos de estimulação”. De fato, a jovem paciente feminina mostrada nos vídeos fornecidos disse: “Isso é incrível, todo mundo deveria ter isso”.

Essa é a primeira vez que esse tipo de estimulação é usada para neutralizar o estresse da cirurgia acordada, segundo Willie. A alternativa teria sido dar aos pacientes medicamentos sedativos, que podem interferir na sua capacidade de participar da cirurgia acordada e ajudar no mapeamento do cérebro.

Vídeo da atividade cerebral correspondente às reações do paciente. Crédito: Journal of Clinical Investigation

Para um observador desavisado, os pacientes pareciam estar chapados. Testes cognitivos e um exame de estado mental, no entanto, sugeriam que os pacientes não estavam comprometidos e que eram capazes de funcionar normalmente.

“A coisa mais importante que aprendemos nesse estudo é que uma área muito pequena do cérebro pode ser visada de forma reprodutível para provocar felicidade e relaxamento”, disse Willie. “Embora tenhamos usado estimulação elétrica direta com eletrodos colocados cirurgicamente neste estudo, esperamos que isso acabe levando a abordagens menos invasivas para tratar isso e áreas cerebrais relacionadas.”

Os eletrodos utilizados para a intervenção foram posteriormente removidos, sem deixar nada para trás. O conceito foi considerado um sucesso, mas, idealmente, os pesquisadores esperam que algo menos invasivo venha a ser desenvolvido. Até lá, a estimulação cerebral profunda (ECP) pode ser usada como uma terapia relativamente segura, eficaz e tolerável, disseram os médicos desse estudo.

“A estimulação elétrica direta com eletrodos implantados é atualmente usada para ECP, mas o futuro promete o desenvolvimento de formas de produzir modulação cerebral focal com técnicas menos invasivas que usam feixes de eletricidade, luz ou energia de ultrassom ou mesmo terapia genética para ativar ou interromper funções cerebrais focais para benefício terapêutico”, disse Willie.

“Muitos desses (métodos) ainda não são práticos ou comprovados como eficazes em humanos, mas alguns já demonstraram alcançar áreas mais superficiais do cérebro”, afirmou o médico, acrescentando que “a estimulação magnética transcraniana não invasiva do lobo frontal superficial, por exemplo, já está sendo usada por psiquiatras para tratar algumas formas de depressão, com resultados iniciais promissores”.

Para alguns, a perspectiva de desencadear reações físicas e estados emocionais incontroláveis pode parecer um pouco perturbadora. De fato, essa pesquisa traz uma série de questões filosóficas, incluindo de livre arbítrio e redutibilidade da cognição humana a estados cerebrais específicos. Ryan McVeigh, professor assistente de sociologia da Universidade de Lakehead em Orillia, Ontário, no Canadá, disse que essa pesquisa não deveria ser motivo de preocupação existencial.

“No seu cerne, esses experimentos estabelecem uma ligação entre experiência qualitativa e atividade neural. Na verdade, não há nada preocupante ou novo nisso”, afirmou McVeigh ao Gizmodo. “Aliás, a pessoa média provavelmente presume que tal conexão existe sempre que assiste a um filme engraçado, consome uma droga engraçada ou se envolve em um comportamento engraçado; algo acontece em seu cérebro que se conecta com o que eles sentem experimentalmente.”

Qualquer medo de que o livre arbítrio seja negado por este processo pode ser facilmente dissipado, disse McVeigh.

“A mesma reação teria ocorrido se os pesquisadores tivessem simplesmente feito cócegas nos pacientes”, completou McVeigh. “Não podemos evitar rir se estivermos com cócegas mais do que esses pacientes poderiam ter evitado ter uma região específica de seu cérebro estimulada. Se isso significa que não temos livre arbítrio, então nunca tivemos.”

[The Journal of Clinical Investigation]

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