É preciso muita eletricidade para minerar bitcoins, e à medida que mais mineradores tentam lucrar com a febre das criptomoedas, a quantidade de energia necessária para criar novas moedas aumenta proporcionalmente. Uma nova pesquisa sugere que toda a rede bitcoin poderia consumir até 7,7 gigawatts de eletricidade até o final deste ano — o suficiente para abastecer um país do tamanho da Áustria. Mas a nova análise não vem sem seus críticos, que dizem que há muitos outros fatores a serem considerados.
Até o final deste ano, o bitcoin poderá ser responsável por 0,5% da energia elétrica consumida no mundo, segundo uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (16) na revista científica Joule. Além disso, se o valor do bitcoin aumentar tanto quanto alguns especialistas preveem, a rede poderá um dia consumir mais de 5% da eletricidade mundial.
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Isso é chocante, para dizer o mínimo, se não completamente absurdo. Se for verdade, significa que o bitcoin em seu estado atual é extremamente ineficiente, completamente insustentável e uma ameaça ambiental. Porém, como os críticos do novo estudo são rápidos em apontar, o novo artigo se baseia em várias suposições frágeis, evidências insuficientes e um olho no status quo em termos de como novas tecnologias e regulamentações podem alterar a situação. O futuro do bitcoin, e de todas as moedas alternativas que competem pela glória das criptomoedas, não está definido.
O especialista em blockchain Alex de Vries, fundador do blog Digiconomist, consultor sênior do Experience Center da PwC, na Holanda, e único autor do novo estudo, estima que o bitcoin atualmente requer cerca de 2,55 gigawatts de eletricidade, e que uma único transação suga tanta energia quanto uma família média durante um mês inteiro. Analisando as tendências atuais da produção de mineração de Bitcoin e presumindo um preço de eletricidade de US$ 0,05 (cinco centavos de dólar) por kWh, de Vries prevê que as necessidades de energia do bitcoin poderiam chegar a 7,67 gigawatts no final deste ano, colocando-o no mesmo nível que países como Irlanda (3,1 gigawatts) e Áustria (8,2 gigawatts).
“Com a rede bitcoin processando apenas 200 mil transações por dia, isso significa que a eletricidade média consumida por transação é igual a pelo menos 300 kWh e que pode exceder 900 kWh por transação até o final de 2018”, escreve de Vries em seu artigo, acrescentando: “O bitcoin tem um grande problema, e ele está crescendo rapidamente”.
O problema da mineração
O bitcoin exige uma quantidade tão grande de energia porque é necessário que os computadores façam o registro de data e hora das transações na blockchain — um livro-razão de rede validado publicamente que possibilita a criptomoeda. A blockchain previne o gasto duplicado de moedas através de um processo conhecido como “prova de trabalho”, mas precisa de um exército de computadores para funcionar e validar as operações.
“O principal problema é que o consumo de energia se relaciona principalmente com a forma como o acordo subjacente sobre a blockchain é alcançado”, disse de Vries ao Gizmodo. “A mineração faz dela uma grande loteria competitiva em que o vencedor — a cada 10 minutos — consegue criar o próximo bloco para a blockchain. A recompensa embutida para esse processo é fixa, então ela motiva os participantes a adicionar constantemente novas máquinas à rede para obter uma fatia maior do bolo — quanto mais poder computacional, mais você ganha.”
Atualmente, o prêmio por gerar o próximo bloco de transações é de 12,5 bitcoins, e 1.800 BTCs são gerados a cada dia. Na taxa atual de US$ 8.190, isso equivale a US$ 102.381. Isso é muito dinheiro, então faz sentido para os mineradores de bitcoin, armados com suas frotas de computadores, participarem dessa corrida do ouro moderna. Mas à medida que mais e mais mineradores de bitcoin aparecem em cena, a demanda por eletricidade aumenta de acordo.
“O poder de mineração é alto e está aumentando, graças a uma corrida armamentista computacional”, disse Roberto Frota Decourt, especialista em criptomoedas da escola de administração da Unisinos, no Brasil, e que não esteve envolvido no novo estudo, disse ao Gizmodo. “O número necessário de zeros no início de um hash é ajustado quinzenalmente para ajustar a dificuldade de criar um bloco — e mais zeros significam uma dificuldade maior. O algoritmo do bitcoin adiciona esses zeros para manter a taxa na qual os blocos são adicionados constantes, com um novo bloco a cada dez minutos. A ideia é compensar o hardware de mineração, que fica cada vez mais poderoso.”
Por “hash”, Decourt está se referindo à saída de uma função hash — um algoritmo específico usado para mapear ou simplificar os dados. No mundo da criptomoeda, a taxa de hash é a velocidade na qual um computador pode completar uma operação no código bitcoin. Portanto, quanto maior a taxa de hash, maior a chance de um minerador construir o próximo bloco e receber a recompensa do bitcoin. Mas quando o hashing se torna mais difícil, como Decourt aponta, são necessários mais cálculos para criar um bloco e, portanto, mais esforço computacional para ganhar novos bitcoins, que são então adicionados à circulação.
A recompensa de mineração do bloco de bitcoin é cortada pela metade a cada 210 mil blocos, então, da próxima vez que isso acontecer, a recompensa diminuirá de 12,5 para 6,25 BTC. Decourt compara a mineração de bitcoin com um jogo de bingo.
“No começo, havia poucos participantes, então os jogadores venceram completando uma sequência. Isso foi o suficiente para dar um bloco a cada dez minutos, e cada participante ganhou X bitcoins por dia”, explicou. Mas o número de participantes está aumentando constantemente, então tornou-se necessário dificultar o jogo e agora um jogador ganha completando duas sequências. “Mas, agora, cada participante está ganhando bitcoins pela metade. E você tem muito mais participantes consumindo energia para produzir a mesma quantidade de bitcoins. É por isso que o consumo de energia está aumentando muito. Mais mineradores não produzem mais bitcoins, mas consomem mais energia.”
Usman Chohan, economista da Universidade de New South Wales, em Sydney, na Austrália, também não envolvido no novo estudo, disse que a evolução da mineração de Bitcoin é muito parecida com as mudanças observadas na mineração convencional.
“Antigamente, as pessoas precisavam mergulhar em minas tóxicas e escuras apenas para extrair alguns pedaços de carvão ou ouro”, disse Chohan ao Gizmodo. “Hoje, extratores enormes simplesmente cortam o solo, mas exigem muito mais eletricidade para fazer isso.”
No mundo dos bitcoins, Chohan diz que mesmo uma ligeira vantagem em termos de potência computacional pode ajudar os mineradores a garantir uma parcela maior das recompensas distribuídas, e é por isso que agora há uma corrida para construir dispositivos de mineração ainda mais potentes — e, consequentemente, que consomem mais energia. É brutalmente ineficiente, e isso ocorre porque a rede de bitcoins continua dificultando a resolução dos cálculos, o que significa que mais e mais energia é necessária apenas para obter as mesmas recompensas.
Como apontado, cerca de 200 mil transações de bitcoin são processadas a cada dia, o que significa que a proporção de cálculos de hash para transações processadas, conforme calculada por de Vries, é de 8,7 quintilhões para 1 na melhor das hipóteses.
“Isso é um indício da quantidade de poder de processamento frívolo que está sendo implantado para perseguir uma recompensa cada vez mais proibitiva”, disse Chohan ao Gizmodo.
A força do incentivo
O bitcoin é um consumidor de energia porque precisa de muito poder computacional — e, como resultado, de eletricidade — para executar as funções de hashing. Mas é difícil medir com precisão a quantidade de eletricidade que está sendo usada. O novo estudo é uma tentativa de fornecer algumas estimativas em torno desta questão não respondida e cada vez mais importante.
“Em essência, estou tomando um ponto de vista econômico para descobrir aonde o consumo de energia está indo. Trabalhos anteriores geralmente analisavam o hardware disponível e produziam resultados que só diziam algo sobre o consumo atual”, disse de Vries ao Gizmodo. “Minhas descobertas foram baseadas nas condições atuais, então o Bitcoin não precisa aumentar o valor para a conclusão se manter.”
Usando princípios econômicos e a suposição subjacente de que as pessoas não gostam de perder dinheiro, de Vries buscou determinar a quantidade de eletricidade que será usada uma vez que não seja mais lucrativo minerar bitcoins. Uma hora, um ponto de equilíbrio será atingido quando os custos de hardware e energia forem iguais ao valor do bitcoin sendo minerado. Para alcançar seus números, de Vries analisou os custos da mineração de bitcoin, que incluía informações de produção da Bitmain, uma empresa chinesa secreta e a maior fabricante de máquinas de mineração.
Por exemplo, a Bitmain tem uma estrutura de mineração no deserto da Mongólia (a eletricidade é extremamente barata na China). Armado com 21 mil máquinas de mineração de bitcoin, a grande maioria dos quais são computadores Antminer S9, a instalação foi classificada entre 33,3 a 40 Megawatts. Isso representa menos de 1% da taxa de hash da rede global, mas é a partir de informações como essa que de Vries conseguiu estimar quanto dos custos de um minerador são devidos a hardware e eletricidade e quando o ponto de equilíbrio pode ser alcançado.
“Em última análise, este estudo nos diz que, se o bitcoin recompensar mineiros com X milhões de dólares de moedas mineradas por dia, então os mineradores são incentivados a gastar até $ X milhões de dólares por dia em … eletricidade, hardware, datacenters, mão de obra e assim por diante”, disse Marc Bevand, investidor e empreendedor de Bitcoin, ao Gizmodo. “Não é, na verdade, um novo achado. Nós já sabíamos disso.”
Muitas considerações
De fato, Bevand não acredita que o novo artigo tenha muito a oferecer. Ele ainda pensa que de Vries provavelmente exagera a situação. Ele diz que a estimativa de meio por cento até o final de 2018 é plausível, mas não provável, afirmando que os números de De Vries são inflados por conta de dois erros.
“Em primeiro lugar, seu modelo pressupõe que os fabricantes vendem a um custo e ganham lucro zero, o que permite que os mineradores gastem mais com eletricidade. Na realidade, vimos a Bitmain, a maior fabricante, ganhar bilhões de dólares nos últimos anos. Ninguém espera que eles obtenham lucro zero até o final de 2018″, disse Bevand ao Gizmodo. “Segundo, de Vries comete o erro de presumir que todos os chips de mineração de criptomoeda produzidos pela TSMC [Empresa de Manufatura de Semicondutores de Taiwan] em nome da Bitmain acabam em máquinas de mineração de bitcoin. Na verdade, muitos chips são fabricados para criptomoedas diferentes do bitcoin. Este setor de altcoin [moedas virtuais alternativas] está crescendo rapidamente. Não seria razoável supor que as máquinas de mineração de bitcoin representarão menos da metade das vendas da Bitmain até o final de 2018.”
De acordo com os próprios cálculos de Bevand, devemos esperar que o bitcoin use 0,2 a 0,3% da eletricidade mundial até o final de 2018, o que é cerca de metade do que é previsto por de Vries.
“Uma limitação importante do modelo de de Vries é que isso depende de adivinhar o preço futuro do bitcoin, assim como o custo da eletricidade para os mineradores”, acrescenta Bevand. “No artigo, ele supõe que o bitcoin mantém seu nível atual em aproximadamente US$ 8 mil, e a eletricidade custa US$ 0,05 por kWh. Se o bitcoin subir ou os custos de eletricidade despencarem, o consumo de energia deve aumentar, e vice-versa.”
Divisores de água
Há também a questão das criptomoedas concorrentes a se considerar, também conhecidas como altcoins. O bitcoin utiliza um sistema conhecido como prova de trabalho, mas existem pelo menos duas outras formas cada vez mais comuns de criar criptomoedas: prova de pesquisa e prova de participação. Moedas menos intensivas em energia poderiam, um dia, afastar o bitcoin de seu pedestal elevado ou minar seu valor, no mínimo.
Um outro problema com o estudo, de acordo com Decourt, é que as projeções de de Vries não consideram a evolução das tecnologias envolvidas na mineração. Ele aponta para avanços em apenas duas gerações de máquinas Antminer, da Bitmain, mostrando uma melhoria de 250% na eficiência de equipamentos em apenas dois anos.
Ele também apontou para o trabalho do empresário canadense Bruce Hardy, que encontrou uma maneira de reciclar o calor gerado por equipamentos de mineração para produzir vegetais e até mesmo peixes. Talvez ironicamente, a energia despejada na criptomoeda possa ser um dia canalizada para outro lugar, e não desperdiçada frivolamente.
“A maior suposição não declarada sobre os custos de mineração mencionados neste documento é regulatória, no sentido de que pressupõe que o bitcoin continuará a ser, em grande parte, legal.”
E, por fim, é preciso levar em consideração a intervenção do governo.
“A maior suposição não declarada sobre os custos de mineração mencionados neste documento é regulatória, no sentido de que pressupõe que o bitcoin continuará a ser, em grande parte, legal”, disse Chohan. Dito isso, ele acredita que é improvável que as intervenções governamentais sejam efetivas para reduzir ou gerenciar tal uso de energia, porque os custos de monitoramento e supervisão de tais operações provavelmente serão altos e provavelmente envolverão recursos substanciais de tempo e equipe.
“É mais provável que, por meio das ‘pressões do mercado’ de altos custos de insumos (ou seja, eletricidade), muitas das atuais operações de mineração sejam superadas por atores maiores”, disse ele. “Em tal situação, a detecção de tais operações se tornará mais fácil, pois os atores estarão mais concentrados.”
Perspectivas
Esse estudo alega ser o primeiro artigo rigorosamente revisado por pares que quantifica os requisitos de energia do bitcoin. Mas, como o próprio de Vries admite, grande parte de sua análise foi baseada em informações incompletas, já que os mineradores hesitam em compartilhar informações como hardware e uso de eletricidade. No máximo, o novo estudo aponta para as dificuldades inerentes na quantificação de reinos como o Bitcoin, enquanto destaca a necessidade de estudar esta área com mais vigor.
Olhando para o futuro, de Vries espera que os pesquisadores examinem e verifiquem seus resultados, além de coletarem dados melhores. Para que isso aconteça, no entanto, as coisas terão que mudar.
“Um primeiro passo seria exigir a abertura dessas estruturas de mineração”, disse de Vries. “A nível internacional, devemos verificar se podemos, talvez, impor algum tipo de imposto de carbono ou outra medida sobre essas instalações. Eu não acho que isso possa ser resolvido localmente, já que os mineradores simplesmente vão mudar para outro lugar.”
Apesar das limitações do novo estudo, entretanto, está claro que o bitcoin consome uma quantidade chocante de eletricidade. O número previsto por de Vries pode não ser realista, mas, mesmo que seja um quarto ou até um décimo disso, ainda é uma quantidade horrenda de poder — e o mundo precisa tomar conhecimento disso.
À medida que nossa civilização se esforça em direção à sustentabilidade e a um ambiente mais limpo, é triste pensar que uma criptomoeda poderia de alguma forma atrapalhar isso. A estimativa trazida por de Vries pode não ser perfeita, mas justifica uma chamada à ação; o bitcoin é uma fera que precisa ser domada.
[Joule]
Imagem do topo: BalticServers/Wikimedia