Quando expostos à erva-gateira (catnip) ou à videira-de-prata, os gatos se envolvem em alguns comportamentos bastante previsíveis, como lamber e mastigar as folhas, esfregar a cabeça nas plantas e rolar pelo chão. Muita gente diz que os bichanos fazem isso para ficarem “chapados”, mas, segundo uma nova pesquisa publicada na Science Advances, parece que existe um objetivo mais direto que pode explicar melhor sobre esta relação.
De acordo com a conclusão do estudo, o nepetalactol, ingrediente ativo com maior potência encontrado na catnip (Nepeta cataria) e na videira-de-prata (Actinidia polygama), fornece aos gatos uma defesa química contra os mosquitos. A descoberta pode explicar por que os felinos, sejam gatos domesticados ou predadores gigantescos da selva, apresentam comportamentos semelhantes após serem expostos a elas.
Masao Miyazaki, da Universidade Iwate no Japão, responsável pela liderança da pesquisa, afirma que agora existem novas percepções sobre a aplicação do nepetalactol e como ele afeta o comportamento do felino e seus receptores opioides. Para os pesquisadores, o componente conseguir deter os mosquitos foi uma revelação surpreendente, podendo resultar em uma classe totalmente nova de repelentes para controle de insetos. Inclusive, o nepetalactol já havia sido associado a esta forma de proteção, mas “nossos dados são os primeiros a mostrar isso”, explicou Miyazaki por email.
Mesmo que não seja segredo que o produto químico tem algum tipo de ação neurológica em gatos, o novo artigo afirma ser o “primeiro a mostrar que o nepetalactol é um potente composto bioativo para gatos”. Na verdade, as vegetações favoritas dos gatos contêm uma infinidade de outros compostos bioativos, como isoiridomirmecina, iridomirmecina, isodidronepetalactona e diidronepetalactona. Miyazaki e seus colegas, incluindo pesquisadores da Universidade de Nagoya no Japão e da Universidade de Liverpool no Reino Unido, concentraram-se no nepetalactol por causa de sua potência suspeita.
O efeito que essas plantas têm sobre os gatos é conhecido há séculos, mas os cientistas não entendem totalmente o razão disto acontecer, principalmente se estão vinculadas a razões biológicas ou evolutivas, presumindo que não seja apenas uma coincidência peculiar tendo a ver com o cérebro felino. O que se sabe é que o contato ocasiona em comportamentos estereotipados, como rolar no chão e dar a impressão de euforia. Tudo isso dura de cinco a 15 minutos e é seguido pela fase de colisão, na qual os gatos descansam por cerca de uma hora ou mais.
Para a pesquisa, a equipe estudou diferentes grupos de felinos, incluindo 25 gatos de laboratório, 30 gatos selvagens e vários grandes felinos em cativeiro, incluindo leopardos, onças e linces. Eles documentaram as reações dos gatos ao papel de filtro misturado com nepetalactol.
Todos os gatos exibiram a resposta comportamental clássica. Cães e camundongos expostos à substância química não apresentaram resposta. Os cientistas também estudaram as reações dos gatos a alguns dos outros agentes bioativos encontrados na videira-de-prata e descobriram que o nepetalactol é o mais potente.
“Este estudo descobriu o composto é o único bioativo nas folhas da planta que induz fricção e rolamento característicos em gatos”, escrevem os autores em seu estudo. “Além disso, o nepetalactol tinha bioatividade semelhante no leopardo-de-amur, na onça e no lince-euroasiático. Como a maioria das espécies [felinas] testadas até agora mostraram respostas positivas para catnip (13 de 21 espécies testadas de um total de 41 espécies vivas nesta família), é provável que esta resposta característica ao nepetalactol também seja comum em muitos [felinos].”
O grupo também mediu os níveis de endorfina dos gatos antes e depois da exposição, descobrindo que a reação felina ao nepetalactol é regulada por seu sistema opioide, fazendo com que os níveis elevados de endorfinas só fossem observados após exposição ao nepetalactol. Além disso, quando os cientistas suprimiram seus receptores opioides com drogas especiais, os animais não exibiram mais seus comportamentos característicos.
Quanto ao papel da videira-de-prata como um possível repelente de mosquitos, os pesquisadores descobriram que gatos com pelo coberto de nepetalactol atraíram significativamente menos mosquitos, especificamente a espécie mosquito tigre asiático (Aedes albopictus), do que o grupo de controle não tratado — em alguns casos até a metade. “Esta é uma evidência convincente de que a resposta característica de esfregar e rolar funciona para transferir produtos químicos vegetais que fornecem repelência de mosquitos aos gatos”, escrevem os autores.
Conforme argumentam os autores, tudo o que foi apresentado até o momento poderia explicar por que o comportamento evoluiu. Ou seja, os gatos ficam doidões, rolam nas folhas e, inconscientemente, ficam protegidos contra os mosquitos no processo. Essa teoria faz muito sentido, mas os cientistas agora precisam explicar por que esse comportamento não é visto em outros animais e se a ação repelente realmente acontece na natureza, não apenas em um ambiente de laboratório. Também precisamos descobrir se o nepetalactol funciona para repelir Aedes aegypti, o mosquito responsável pela propagação da febre amarela, dengue e zika.
Miyazaki disse que pode haver uma boa razão para os felinos desenvolverem essa relação especial com as plantas, pois muito deles “confiam na ação furtiva para perseguir e emboscar suas presas”, exigindo que permaneçam quietos e imóveis. Na opinião dele, um repelente que reduz sua suscetibilidade à irritação de mosquitos que picam e as doenças que esses vetores de insetos carregam provavelmente proporcionará uma forte vantagem seletiva. Isso explica por que essa característica foi mantida por muitas espécies de gatos, mas não como o comportamento evoluiu apenas nos felinos.
Uma possível explicação é que um ancestral dos gatos modernos desenvolveu receptores olfativos especiais, o que pode ter sido uma “pré-adaptação crucial” que proporcionou a oportunidade para esse comportamento evoluir, especulou Miyazaki.
Olhando para o futuro, a equipe quer identificar os receptores olfativos ligados ao nepetalactol, bem como os genes responsáveis pelo comportamento. Miyazaki disse que os membros da equipe testaram o nepetalactol em seus braços e ele parecia manter os mosquitos afastados. Mas isso “é apenas para dados de patentes”, disse ele.
Ah, sim, dinheiro. Mas este é um caso em que a boa ciência pode levar a um produto comercial bom e bem-vindo. Na verdade, os pesquisadores podem ter encontrado um novo tipo de repelente de mosquito, mas o tempo dirá se ele realmente funciona melhor do que os convencionais e se faz sentido econômico e prático sintetizar esse composto em grandes lotes.