Facebook critica a China para se defender, mas está de olho no dinheiro do país
Qualquer pessoa que esteja acostumada a cobrir o mundo maluco da política e das empresas de tecnologia provavelmente tem alguma ideia sobre o que acontecerá na grande audiência antitruste desta quarta-feira (29). Alguns acham que o patrimônio líquido de Jeff Bezos se tornará parte do debate. Tim Cook será questionado sobre a mão pesada da Apple sobre o ecossistema de aplicativos móveis. E não importa o que aconteça, Mark Zuckerberg será o americano mais orgulhoso que ele consegue ser.
Fazer com que uma vitória para o Facebook signifique uma vitória para a segurança nacional contra uma nação estrangeira que está na linha de fogo do presidente atualmente no cargo é uma escolha arriscada, mas não é novidade.
Ele usou a mesma estratégia na defesa da sua criptomoeda Libra. Ele usou a mesma estratégia para denunciar o gigante rival da mídia social TikTok — o CEO do TikTok, Kevin Mayer, criticou o Facebook por ataques à empresa “disfarçados de patriotismo e projetados para pôr um fim à nossa presença nos EUA”. Ele usou isso para argumentar contra os pedidos para “dividir” sua empresa.
Mas nos bastidores, o Facebook conseguiu ganhar bilhões de dólares na China, e mais devem vir por aí.
Embora os aplicativos e sites do Facebook sejam proibidos no país há mais de uma década, o Gizmodo encontrou provas de que a empresa passou os últimos dois anos silenciosamente projetando backdoors em sua plataforma de anúncios para dar às empresas chinesas aparentemente as mesmas habilidades de rastreamento e segmentação que nós conhecemos (e detestamos) aqui nos EUA.
E apesar do fato de que seus parceiros na região parecem não conseguir parar de brincar com os dados provenientes dos Estados Unidos, o Facebook — pelo menos nesse caso — parece estar colocando o lucro antes do patriotismo e da privacidade, mesmo que Zuck esteja dizendo ao Congresso tudo menos isso.
Quadro de um vídeo de 2019 do Facebook, se apresentando como “o futuro” do comércio eletrônico para marcas chinesas que buscam alcançar clientes no exterior. Captura de tela: Shoshana Wodinsky via QQ
O Facebook não se manteve necessariamente quieto ao tentar evitar sua proibição no continente.
Em 2017, ele tentou dar um jeitinho de lançar um aplicativo de compartilhamento de fotos para o país. Depois, tentou abrir uma incubadora de startups em Hangzhou, um centro de tecnologia do país e terra natal da gigante de tecnologia Alibaba. As autoridades locais imediatamente impediram. No ano passado, uma fonte sênior da empresa disse que não havia como invadir a China “no futuro próximo”.
Este ano, o Facebook confirmou que estava montando um escritório em Cingapura para ficar mais perto dos anunciantes locais. Desde então, o escritório recentemente expandido (e aprovado pelo governo) do Facebook em Hong Kong abriu vagas para funções como “evangelistas” da empresa para lançar produtos de publicidade do Facebook para pessoas “em toda a Grande China”.
Apesar das duras rivalidades com os aplicativos locais, o Facebook tem todo o direito de estar sedento por um país inteiro.
A empresa obtém quase 99% de sua receita com anúncios digitais e, embora os EUA sejam líderes no setor de gastos com anúncios, a China ocupa o segundo lugar, ainda que bem atrás. Até o final deste ano, os analistas esperam que os anunciantes nos EUA gastem pouco mais de US$ 134 bilhões em anúncios digitais, enquanto a espera-se que a China gaste um pouco mais de US$ 39 bilhões.
Mas US$ 39 bilhões ainda são US$ 39 bilhões, e o Facebook — como qualquer bom monopólio — fará o possível para conseguir um pedaço dessa torta por todos os meios necessários. E é aqui que o domínio esmagador da empresa no solo dos EUA é útil.
Como o New York Times apontou ao discutir as ambições da empresa na região no ano passado, marcas chinesas — como, digamos, a gigante dos jogos Tencent — que desejam alcançar o público dos EUA recorreram ao Facebook para fazer isso. Como resultado, o Facebook se posicionou entre as 10 maiores empresas de internet da China, apesar de seu CEO (aparentemente) estar entre os maiores críticos ao país.
Obviamente, como as plataformas do Facebook são proibidas em seu país, os anunciantes na China que procuram atingir um público ocidental não têm muita experiência no próprio Facebook. E como o ecossistema de anúncios digitais na China é ainda pior que o dos EUA, eles podem não ter muita experiência na compra de algum espaço de anúncio de uma empresa ocidental.
É por isso que o Facebook trabalha com um punhado de anúncios digitais locais e gigantes de dados para atuar como elos de ligação entre os bolsos chineses e o feed de notícias do Facebook. A Meetsocial, uma empresa que apareceu em uma reportagem do Times em 2019, é uma delas, mas existem alguns outros nomes familiares detalhados em um site pouco conhecido para anunciantes da região que o Facebook registrou em 2016.
Página do Facebook oferece cupons no valor de mais de US$ 2.200, para que pequenas e médias empresas chinesas possam anunciar na plataforma durante a pandemia. Captura de tela: Shoshana Wodinsky/Gizmodo
De acordo com o site do Facebook, uma dessas empresas é a Cheetah Mobile, com sede em Pequim, que você deve conhecer por estar envolvida em uma série de fraudes relacionadas a anúncios desde 2018 antes de ser finalmente excluída da loja do Google Play no início deste ano.
Após os escândalos de 2018, a Cheetah disse aos investidores — e ao público — que o Facebook havia cortado os laços com ela; mas em um documento mais recente, observou que, na verdade, era capaz de continuar comprando e vendendo anúncios através da plataforma usando uma subsidiária, a HK Zoom, que havia sido adquirida alguns anos antes:
Em dezembro de 2018, o Facebook suspendeu as colaborações publicitárias conosco. A suspensão não afeta nosso papel como revendedor de publicidade no Facebook por meio da HK Zoom, uma subsidiária nossa. O motivo citado pelo Facebook foi que certos aplicativos de nossa empresa não estavam em conformidade com as políticas do Facebook.
A empresa acrescentou que uma análise subsequente das políticas da Cheetah pelo Facebook constatou que “[seu] manuseio de dados de usuários do Facebook é compatível com os requisitos relevantes de proteção de dados nas políticas relevantes do Facebook”, acrescentando que, apesar disso, “o Facebook não retomou a colaboração conosco”. Apesar dos supostos laços cortados, o Facebook ainda anuncia a marca Cheetah no topo de sua página de parceria chinesa, e a Cheetah ainda se denomina como um “Agente Autorizado do Facebook”.
Além desses “revendedores autorizados” como Cheetah, o Facebook também trabalha com uma equipe rotativa de parceiros locais menores — 22 deles até o momento, para ser exato — que se concentram em trabalhar com tipos específicos de pessoas que procuram comercializar, por exemplo, jogo , produtos bancários ou qualquer coisa adjacente ao comércio eletrônico.
E como a plataforma de veiculação de anúncios do Facebook é construída extraindo dados dos celulares dos consumidores e colocando-os nas mãos dos anunciantes, isso significa que essas empresas, supostamente, estão obtendo dados dos consumidores dos Estados Unidos ou de qualquer outro lugar em que os 2,6 bilhões de usuários globais do Facebook possam deixar seus registros digitais.
Em outras palavras, as parcerias do Facebook aqui podem implicar a empresa nas mesmas travessuras internacionais que fizeram o TikTok, de propriedade da empresa chinesa ByteDance, ir parar em uma lista de observação federal, mesmo que o Facebook não mantenha nenhum de seus servidores de dados na China.
E mesmo que o Facebook tenha parado algumas de suas práticas de compartilhamento de dados para impedir que outra Cambridge Analytica acabasse em mais um escândalo, descobrimos que alguns desenvolvedores de aplicativos não dão a mínima quando o assunto é desrespeitar as regras do Facebook.
Enquanto isso, o Facebook parece especialmente ansioso para se apresentar como a resposta ao comércio internacional durante um período em que o assunto está altamente politizado. Recentemente, a empresa estabeleceu um programa ativo de subsídios, oferecendo US$ 2.254 em dólares em publicidade às empresas de Xangai atingidas pela pandemia de — observando que elas só podem ser elegíveis ao programa se fizessem negócios no exterior.
O Facebook não respondeu ao nosso pedido de comentário sobre seu relacionamento com a Cheetah Mobile ou suas parcerias com outras empresas chinesas.
Preocupações com nossos dados — válidas ou não — à parte, já vimos o dano real e tangível que ocorre ao permitir que anunciantes globais segmentem usuários no exterior.
Em março, pesquisadores da Universidade de Stanford encontraram meios de comunicação estatais chineses usando anúncios para direcionar o público de língua inglesa para suas páginas, onde eles deram sua própria visão agressivamente positiva sobre toda a pandemia. Também vimos propagandas sutis e não tão sutis em inglês.
E mesmo que o Facebook tente excluir todos os anúncios com desinformação, a rede já provou diversas vezes que fará um trabalho terrivelmente ruim.
Como Zuckerberg disse aos membros do Congresso na audiência antitruste: “A China está construindo sua própria versão da Internet focada em ideias muito diferentes e está exportando sua visão para outros países. Enquanto o Congresso e outras partes interessadas consideram como as leis antitruste apoiam a concorrência nos EUA, acredito que é importante manter os valores centrais de abertura e justiça que fizeram da economia digital da América uma força de empoderamento e oportunidade aqui e no mundo.” Mas pode ser que Zuckerberg não tenha mencionado outro valor central americano que parece estar guiando o Facebook neste momento: ganhe dinheiro.