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Facebook deixou crianças acumularem cobranças nos cartões de crédito dos pais e não fez nada para impedir

Documentos judiciais recém-revelados mostram que o Facebook estava ciente de que crianças menores de idade usavam rotineiramente as informações de pagamento de seus pais para gastar grandes quantias de dinheiro em compras dentro de jogos, e a empresa optou por não resolver o problema. Durante anos, ela permitiu o que chamou de “fraude amigável” porque […]

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Documentos judiciais recém-revelados mostram que o Facebook estava ciente de que crianças menores de idade usavam rotineiramente as informações de pagamento de seus pais para gastar grandes quantias de dinheiro em compras dentro de jogos, e a empresa optou por não resolver o problema. Durante anos, ela permitiu o que chamou de “fraude amigável” porque temia que a implementação de proteções prejudicasse a receita, de acordo com os documentos.

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Em 2016, o Facebook chegou a um acordo em uma ação judicial coletiva movida por pais de crianças que foram enganadas a, inadvertidamente, fazer compras com dinheiro real enquanto jogavam games gratuitos hospedados na plataforma de rede social. Apesar do reconhecimento do problema, discussões internas mostram que o Facebook decidiu que seria melhor lutar contra os pedidos de reembolso e permitir que o problema persistisse. Os documentos relacionados com o caso foram lacrados porque o Facebook teve sucesso ao argumentar que a divulgação ao público poderia prejudicar o seu negócio. O Reveal, uma publicação do Center for Investigative Reporting, alegou que esses documentos eram de interesse público; na semana passada, um juiz deferiu o pedido do Reveal para liberar os documentos. Na quinta-feira (24) à noite, 135 páginas do processo judicial foram reveladas, embora o Facebook tenha sido autorizado a manter algumas redações.

Os documentos incluem discussões internas entre os funcionários debatendo se deviam ou não conceder um reembolso (“chargeback“) nos casos em que era muito claro que uma criança tinha usado as informações de pagamento de seus pais sem sua permissão. Em um desses casos, dois funcionários discutem cobranças no valor de US$ 6.545 e reconhecem que a criança afirma ter 15 anos de idade, mas parece mais nova. A criança é chamada de “baleia”, um termo usado para indicar um usuário que gasta muito dinheiro. Um funcionário pergunta se deve processar o reembolso, mas é aconselhado a não fazê-lo. “Concordo. Apenas checando”, responde o primeiro funcionário.

Os documentos são de 2010 a 2014 e mostram que o Facebook estava bem ciente de que as crianças estavam jogando jogos simples como Angry Birds e comprando itens virtuais sem o conhecimento de seus pais. Um estudo interno da questão concluiu: “Em quase todos os casos, o pai sabia que seu filho estava jogando Angry Birds, mas não achava que a criança poderia comprar nada sem sua senha ou autorização primeiro (como no iOS)”.

Em 2011, Tara Stewart, analista de risco do Facebook, estudou a questão e sugeriu que a empresa começasse a exigir que os usuários inserissem os primeiros seis dígitos de um cartão de crédito usado para pagamentos em determinados jogos. Stewart realizou uma pesquisa com usuários do Facebook e descobriu que muitos pais não estavam cientes de que o site armazenava suas informações de pagamento depois de inseri-las uma única vez. Ela também descobriu que as crianças não estavam cientes do que estavam fazendo. “Não necessariamente parece dinheiro de verdade para um menor”, escreveu Stewart.

A analista de risco da empresa fez um teste para ver se inserindo os primeiros seis dígitos dos cartões haveria redução dessas cobranças indesejadas, e os resultados foram encorajadores. Stewart também disse que “faria sentido começar a reembolsar casos claros de fraude amiga com menores”. “Fraude amiga” é o termo usado pelo Facebook para se referir a essas compras fraudulentas que foram feitas sem intenção maliciosa. Apesar dessa solução óbvia, os documentos mostram que a empresa decidiu que isso prejudicaria a receita e optou por continuar contestando os pedidos de reembolso no futuro próximo.

A Rovio, criadora do Angry Birds, também notou que os pedidos de reembolso de compras do Facebook eram excepcionalmente altos e escreveu ao Facebook expressando preocupações. Depois de dar uma olhada no assunto, um funcionário da rede social concluiu que cerca de 93% “dos reembolsos estão sendo feitos devido a pedidos de reembolso de fraude amiga”. Eles disseram que a construção de uma forma de evitar o problema prejudicaria a receita, mas o Facebook poderia dar à Rovio atenção especial para monitorar as transações. “Acho que todos nós concordamos que é realmente importante que o Angry Birds seja uma história de sucesso, então, se eles estiverem realmente preocupados com a taxa de reembolso, podemos aumentar nosso foco em suas transações e em nossos processos em torno deles para tentar diminuir sua taxa de reembolso”, escreveram.

Em 2012, Glynnis Bohannon entrou com uma ação judicial contra o Facebook depois que seu filho inadvertidamente gastou US$ 610,40 em um jogo chamado Ninja Saga. Bohannon ficou frustrada por não conseguir o reembolso do Facebook e rapidamente se juntou à ação judicial de outros pais. Em 2016, a rede social decidiu chegar a um acordo pelo caso, pagando a duas famílias US$ 5.000 e concordando em mudar suas práticas.

Quando contatado para comentar o caso, um porta-voz do Facebook enviou a seguinte declaração ao Gizmodo:

Fomos contatados pelo Center for Investigative Reporting no ano passado e voluntariamente abrimos documentos relacionados a um caso de 2012 sobre nossas políticas de reembolso para compras dentro do aplicativo que os pais acreditam que foram feitas por erro por seus filhos menores de idade. Agora, divulgamos documentos adicionais conforme as instruções do tribunal. O Facebook trabalha com pais e especialistas para oferecer ferramentas para as famílias navegarem no Facebook e na web. Como parte desse trabalho, examinamos rotineiramente nossas próprias práticas e, em 2016, concordamos em atualizar nossos termos e fornecer recursos dedicados para solicitações de reembolso relacionadas a compras feitas por menores de idade no Facebook.

Só porque esse caso civil foi resolvido não significa que os legisladores não se interessem por ele. Na mais recente audiência de supervisão da Comissão Federal de Comércio dos EUA pelo Subcomitê de Comércio do Senado para Proteção ao Consumidor, vários senadores expressaram interesse particular em garantir que a agência esteja tomando medidas para proteger as crianças de atividades online predatórias. O senador Ed Markey expressou preocupação com os canais de YouTube voltados para crianças com críticas enganosas de brinquedos, e a senadora Maggie Hassan obteve uma promessa do presidente da Comissão Federal de Comércio, Joseph Simons, de lançar uma investigação sobre o uso de loot boxes (caixas com itens aleatórios que podem ser obtidas em games) pela indústria de videogames em jogos voltados para crianças.

De acordo com uma reportagem recente do Washington Post, o Facebook deverá enfrentar uma multa “recorde” da Comissão Federal de Comércio em breve. Essa punição está relacionada ao escândalo da Cambridge Analytica no ano passado.

Desde agosto de 2018, o preço das ações do Facebook começou a cair, antes de apresentar uma leve recuperação no início do ano novo. Na quinta-feira à noite (24), o CEO da empresa, Mark Zuckerberg, escreveu uma coluna de opinião no Wall Street Journal intitulada “Os Fatos Sobre o Facebook”, que claramente tinha o objetivo de aliviar os temores dos investidores. Zuckerberg admitiu que o modelo de negócios de sua companhia “pode parecer opaco, e todos nós desconfiamos de sistemas que não entendemos”. Mas essa avaliação ignora completamente as vezes em que o Facebook reconheceu um problema, mas optou por não fazer nada por medo de prejudicar sua reputação e/ou lucros. Há muitas razões compreensíveis para desconfiar do Facebook, e a única pessoa que parece não entender isso é Zuckerberg.

[Reveal, U.S. District Court]

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