Ex-engenheiro do Facebook diz que a empresa “lucra com o ódio” e não muda porque não quer
Se a pose de cidadão preocupado de Mark Zuckerberg convenceu você de que o Facebook está se esforçando muito (muito mesmo) para moderar o discurso de ódio na plataforma, ou que a empresa se tornou tão grande a ponto de ser quase impossível concluir essa tarefa, então leia esta carta de demissão do engenheiro de software Ashok Chandwaney.
Depois de trabalhar na companhia por cinco anos e meio, ele afirma que o Facebook é “uma organização que está lucrando com o ódio nos Estados Unidos e globalmente” — ecoando, essencialmente, os protestos de anunciantes e colegas de trabalho, e de autoridades e líderes de direitos civis.
Na carta, inicialmente publicada no quadro de mensagens interno da empresa e obtida pelo jornal The Washington Post, Chandwaney enquadra o Facebook como uma instituição que está “do lado errado da história”, listando alguns exemplos dessa afirmação: falha na cessar mentiras islamofóbicas odiosas que levaram a mortes no genocídio de Mianmar de 2016 a 2017; a recusa em remover uma página da milícia amplamente divulgada em Kenosha, Wisconsin, imediatamente antes do tiroteio mortal de manifestantes; a decisão de dar a Donald Trump uma plataforma para exigir ataques a civis; e permissão contínua do Facebook em segmentar anúncios discriminatórios.
“Todos os dias escolhemos minimizar o risco regulatório em detrimento da segurança de negros, indígenas e pessoas de minorias étnicas”, escreve Chandwaney, referindo-se a uma postagem de 29 de maio feita por Trump.
É exatamente aqui que o ex-funcionário reforça a opinião equivocada de Mark Zuckerberg, de que o “discurso ruim” pode ser neutralizado com “mais discurso” — no caso, discursos contrários. Nenhuma postagem em outro lugar do Facebook vai mudar o fato de que um apelo à violência contra os cidadãos feito pelo presidente dos Estados Unidos ainda está lá, sem qualquer aviso ou remoção.
Chandwaney argumenta que o Facebook definitivamente não é muito grande para ser moderado, ou pelo menos poderia fazer mais se decidisse investir a mesma energia que em suas operações de rotina. O ex-engenheiro diz que o lema “agir rápido” significa, na prática, que eles podem ser informados sobre um bug e corrigi-lo durante uma reunião, enquanto o Facebook faz o mínimo para preservar sua reputação depois de ser alertado por organizações de direitos civis, pesquisadores, o público e a mídia.
“Na verdade, seguimos em frente mesmo com a falha da Guarda de Kenosha sendo atribuída aos moderadores de conteúdo terceirizados, que são mal pagos e têm pouco apoio em seus empregos — coisas que o Facebook poderia corrigir quase instantaneamente se assim quisesse”, escreveu.
Chandwaney também acusa o Facebook de criar diferentes regras sobre desinformação para publicações de direita, a fim de preservar uma audiência conservadora. Isso também foi confirmado ao The Washington Post por fontes de dentro do Facebook.
Em resposta ao Gizmodo, o Facebook divulgou o mesmo comunicado enviado ao The Washington Post: que não “se beneficia do ódio”, investe “bilhões de dólares a cada ano para manter nossa comunidade segura” e está “em profunda parceria com especialistas para revisar e atualizar nossas políticas”. A rede social ignorou, no mínimo, uma recomendação de seus auditores: impor aos políticos as mesmas regras que aplica a todos os outros usuários. O Facebook também apontou seu expurgo no QAnon — um ano depois que o FBI chamou o movimento de conspiração de ameaça terrorista doméstica — como um progresso.
Possivelmente, a conclusão tirada pelo Facebook sobre as declarações de Chandwaney é de que se trata de uma questão de reputação de longo prazo (com ele vendo apenas “o lado errado da história”), já que o Facebook parece entender os direitos civis como mais uma questão de gerenciamento de crise. Do ponto de vista empresarial, seguir em frente e influenciar em outro conflito sangrento pode valer a pena para preservar a base de usuários conservadora e de extrema-direita existente no curto prazo.
O Gizmodo não conseguiu uma resposta de Chandwaney a tempo desta publicação, mas você pode ler a carta na íntegra, em inglês.