Facebook ignorava tentativas de manipulação política em vários países, diz ex-funcionária

Segundo ex-funcionária do Facebook, empresa dava pouca atenção para disseminação de propaganda para evitar inconveniência política.
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Foto: Dennis Charlet/Getty Images

O Facebook falhou completamente em dar uma resposta à desinformação política, às teorias da conspiração e às campanhas organizadas de manipulação nos EUA, onde fica sua sede. Fora dali, então, a empresa parece ignorar completamente a disseminação de propaganda, exércitos de trolls apoiados pelo Estado e incitação à violência, tudo para evitar inconveniências políticas.

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Um memorando interno escrito por uma cientista de dados do Facebook recentemente demitida foi obtido e resumido pelo BuzzFeed News na segunda-feira (14). O documento contém alguns exemplos novos e perturbadores dos esforços “descuidados e acidentais” da empresa para evitar que ela se torne um veículo para distopia.

A ex-funcionária Sophie Zhang detalhou no memorando que o Facebook costumava ignorar situações que acreditava que não representariam riscos significativos para sua reputação, delegando decisões que poderiam impactar países inteiros para funcionários de nível médio, como ela.

De acordo com a reportagem do BuzzFeed sobre o memorando, os países visados ​​por grandes redes de contas falsas que ficaram bem abaixo ou totalmente fora da lista de prioridades do Facebook incluem Azerbaijão, Bolívia, Brasil, Equador, Honduras, Índia, Espanha e Ucrânia.

Zhang, que era uma cientista de dados da equipe responsável por detectar engajamento falso do Facebook Site Integrity, escreveu ao longo de 6 mil palavras que ela havia descoberto evidências flagrantes de campanhas políticas inautênticas coordenadas nesses e em outros países.

Apesar dessas “múltiplas tentativas flagrantes de governos estrangeiros de abusar de nossa plataforma em grandes escalas”, escreveu Zhang, o foco do Facebook estava frequentemente em outro lugar. Com isso, ela acabava com pouca supervisão e com uma responsabilidade que poderia afetar a política global.

Em um caso, segundo o BuzzFeed, Zhang escreveu que havia descoberto uma campanha usando “milhares de ativos inautênticos para impulsionar o presidente de Honduras, Juan Orlando Hernandez, em grande escala para enganar o povo hondurenho”. O Facebook excluiu os ativos envolvidos em julho, mas os invasores simplesmente continuaram criando novas contas.

No Azerbaijão, surgiram evidências de que trolls pró-governo “utilizaram milhares de ativos inautênticos (…) para assediar em massa a oposição”, como bombardear sites de notícias com comentários atacando dissidentes e jornalistas. O Facebook ainda está investigando, de acordo com o BuzzFeed.

Na Ucrânia, escreveu Zhang, ela encontrou uma “atividade inautêntica roteirizada” apoiando a ex-primeira-ministra pró-União Europeia Yulia Tymoshenko e o ex-primeiro-ministro Volodymyr Groysman, com apenas o atual presidente Volodymyr Zelensky e seus aliados “não afetados”.

Zhang também notou desinformação sobre o novo coronavírus inundando a página do Ministério da Saúde espanhol, resultando na destruição de uma rede de 672 mil usuários falsos “agindo em alvos semelhantes globalmente”, incluindo os EUA. De acordo com o BuzzFeed, o Facebook não divulgou publicamente a existência dessa rede ou se ela foi removida.

Zhang descobriu e derrubou uma “rede politicamente sofisticada de mais de mil atores” que tentava manipular as eleições em Delhi, Índia. (No mês passado, o Wall Street Journal informou que a principal funcionária de políticas públicas do Facebook na Índia, Ankhi Das, pressionou a equipe para impedir que regras contra discurso de ódio fossem aplicadas a membros do partido político ultranacionalista BJP.)

A ex-cientista de dados do Facebook também escreveu que havia encontrado “atividade inautêntica” apoiando a queda do ex-presidente Evo Morales, e no Equador encontrou atividade semelhante apoiando o governo, que mais tarde falharia desastrosamente em conter a pandemia.

Zhang escreveu na carta que não priorizou essas situações porque sua carga de trabalho já era muito alta, segundo o BuzzFeed.

“Nós nos concentramos em regiões perigosas e prioritárias como os Estados Unidos e a Europa Ocidental”, escreveu Zhang no memorando, de acordo com o BuzzFeed. “Tornou-se impossível ler as notícias e monitorar os acontecimentos mundiais sem sentir o peso da minha própria responsabilidade.”

“Tomei inúmeras decisões nesse sentido — do Iraque à Indonésia, da Itália a El Salvador”, acrescentou ela. “Individualmente, o impacto foi provavelmente pequeno em cada caso, mas o mundo é um lugar vasto. Embora eu tenha tomado a melhor decisão que pude com base no conhecimento disponível na época, no final fui eu quem tomei a decisão de não forçar mais ou priorizar mais em cada caso, e eu sei que tenho sangue nas mãos agora.”

Zhang também escreveu no memorando que o Facebook descontou ou demorou a agir sobre a interferência cívica porque estava “fixado” em problemas como spam, com seu “impacto desproporcional ignorado”.

Ela escreveu que foi despedida depois de pedir à empresa que dedicasse mais recursos para impedir atividades políticas inautênticas. O Facebook recusou e disse a ela para se concentrar no trabalho cívico.

A ex-cientista de dados não quis falar com o BuzzFeed — embora ela tenha escrito no memorando que havia recusado um acordo de confidencialidade no valor de US$ 64 mil para que pudesse falar livremente sua experiência no Facebook.

“Construímos equipes especializadas e trabalhamos com os principais especialistas para impedir que os agentes mal-intencionados abusem de nossos sistemas, resultando na remoção de mais de 100 redes por comportamento inautêntico coordenado”, disse Liz Bourgeois, porta-voz do Facebook, ao BuzzFeed em um comunicado. “É um trabalho altamente complexo que essas equipes realizam em tempo integral. Trabalhar contra o comportamento inautêntico coordenado é nossa prioridade, mas também estamos tratando dos problemas de spam e engajamento falso. Investigamos cada questão cuidadosamente, incluindo aquelas levantadas pela Sra. Zhang, antes de agirmos ou sairmos fazendo afirmações publicamente como uma empresa.”

[BuzzFeed News]

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