Um tesouro absoluto de fósseis raros foi descoberto no centro do Colorado. A coleção revela a impressionante velocidade com que os mamíferos emergiram e se diversificaram após a extinção dos dinossauros.
Uma nova pesquisa publicada nesta quinta-feira (24) na Science descreve milhares de novos fósseis de mamíferos, répteis e plantas recuperados do sítio arqueológico Corral Bluffs, na bacia de Denver, no Colorado. Os fósseis abrangem os 1 milhão de anos que se seguiram à extinção em massa do Cretáceo-Paleogene (KPgE) – um evento que resultou na extinção de dinossauros não aviários. Esses fósseis mostram como nosso planeta e biosfera se recuperaram após a extinção em massa e a rapidez com que os mamíferos foram capazes de dominar os ambientes terrestres.
A chave para essa descoberta foi a busca de concreções – um tipo especial de rocha que se forma em torno de ossos e outros pedaços de matéria orgânica. As concreções tendem a ser ignoradas em favor de outras pistas paleontológicas, mas Tyler Lyson, principal autor do novo estudo e paleontologista do Museu de Natureza e Ciência de Denver, decidiu mudar as coisas ao explorar rochas em Corral Bluffs em 2016.
“Vi essa bola amorfa, feia, de cor branca que parecia um pedaço de pão”, disse Lyson em uma coletiva de imprensa nesta semana. “Usei meu martelo para abri-la e de repente pude ver a seção transversal de um crânio de mamífero olhando para mim.”
Lyson gritou para sua equipe ir dar uma olhada. Após um breve momento de celebração, Ian Miller, um paleobotânico do Museu de Denver e coautor do estudo, pegou outra pedra próxima e a abriu, revelando outro crânio de mamífero. Isso foi repetido várias vezes, e os cientistas perceberam que haviam feito uma descoberta monumental.
“Foi pura alegria”, disse Lyson. “Tudo aconteceu tão rapidamente – você não tem momentos de descoberta como esse na paleontologia com muita frequência”.
No total, os pesquisadores descobriram mais de 1.000 fósseis de vertebrados, 233 plantas e materiais vegetais fossilizados distintos (como esporos) e uma variedade de outros organismos. Incrivelmente, os pesquisadores documentaram 16 novas espécies de mamíferos – tantas que eles ainda precisam descrevê-las, dizendo que futuras pesquisas serão dedicadas ao detalhamento completo das novas descobertas.
Dizer que fósseis desse período são raros seria um eufemismo. E isso é uma pena, porque grande parte da era atual pode ser rastreada até esse momento crítico, quando uma variedade de animais e plantas surgiu e se diversificou na sequência de um evento que destruiu 75% de todas as espécies da Terra. Cerca de 66 milhões de anos atrás, um gigantesco cometa ou asteroide mergulhou na Terra, desencadeando uma extinção em massa que exterminou todos os dinossauros não aviários. Para os mamíferos, no entanto, isso provou ser um evento fortuito, permitindo que eles emergissem da sombra dos dinossauros.
“É análogo encontrar o primeiro capítulo inteiro de um livro, em vez de uma única página”.
A escassez de evidências fósseis tornou difícil para os cientistas estudarem o período de recuperação pós-KPgE. Em particular, a natureza fragmentária dos poucos fósseis existentes, como pedaços quebrados de mandíbulas e pedaços de dentes, não está ligada a nenhuma narrativa coerente sobre esse período de recuperação. É isso que torna essa última descoberta tão especial, pois os fósseis estão fornecendo um registro ininterrupto dos primeiros milhões de anos após a extinção em massa.
“Os sítios fósseis geralmente nos dão ‘retratos’ da vida na Terra, preservando espécies de um único ponto no tempo”, escreveu David Grossnickle, biólogo da Universidade de Washington que não estava envolvido com a nova pesquisa, em um e-mail ao Gizmodo. “O que realmente se destaca neste estudo é que ele apresenta um registro fóssil quase contínuo por um período de 1 milhão de anos durante um período crítico da história, capturando o início da Era dos Mamíferos. É análogo encontrar o primeiro capítulo inteiro de um livro em vez de uma única página”.
Ao combinar esses fósseis com um período de tempo específico, os pesquisadores conseguiram reunir três estágios críticos de recuperação pós-extinção e documentar os tipos de animais e plantas que surgiram durante esse período de um milhão de anos. Uma grande vantagem foi a velocidade com que os mamíferos se diversificaram, aumentaram de tamanho e assumiram o comando, ocupando nichos vazios e aproveitando ao máximo as novas espécies de plantas.
Como observam os autores no novo artigo, a diversidade de espécies de mamíferos dobrou a partir de 100.000 anos após o evento de impacto, uma época em que o tamanho máximo do corpo atingia os mesmos níveis observados no final do período Cretáceo. Esses animais não eram maiores que ratos ou guaxinins – pesando cerca de 8 kg – e subsistiam principalmente nos detritos ricos em carbono que restavam da extinção em massa. Dinossauros não-aviários encontraram dificuldades para sobreviver, resultando em seu desaparecimento.
As coisas realmente começaram a mudar cerca de 300.000 anos após o KPgE. Nessa fase, as samambaias começaram a dominar as paisagens terrestres, possibilitando que os mamíferos herbívoros atingissem tamanhos maiores. O maior desses animais era agora três vezes maior do que antes, pesando mais de 25 kg e atingindo o tamanho de porcos. Exemplos encontrados em Corral Bluffs incluem Carsioptychus coarctatus e Oxolophus, espécies de pequenos herbívoros de quatro patas.
“As plantas são a base dos ecossistemas terrestres”, disse Miller durante a coletiva de imprensa. “Esses mamíferos estavam respondendo a novos tipos de plantas na paisagem”.
700.000 anos após o evento de impacto, os mamíferos ficaram ainda maiores – atingindo o tamanho de lobos modernos. Os mamíferos mais pesados durante esse período pesavam entre 35 a 50 kg. Esses desenvolvimentos coincidiram com o surgimento de legumes e possivelmente nozes – fontes de alimentos ricos em calorias que sustentaram esses animais maiores.
“Uma linha histórica importante é o rápido aumento no tamanho dos mamíferos após o evento de extinção em massa, provavelmente relacionado à evolução de dietas mais herbívoras e ao preenchimento de nichos ecológicos abertos”, disse Grossnickle ao Gizmodo. “A qualidade da preservação fóssil é excelente e os fósseis são acompanhados por um registro completo de informações geológicas e ambientais, o que contribui para uma história evolutiva mais completa da época”.
O paleontólogo David Polly, da Universidade de Indiana, que não participou da nova pesquisa, disse que os fósseis são importantes porque estão nos mostrando como a biosfera voltou ao “normal” (ou seja, semelhante às condições do final do Cretáceo) e as maneiras em que mudou irrevogavelmente.
“Cem mil anos podem parecer muito tempo, mas é muito curto em um período geológico e muito mais rápido que as recuperações de outras extinções”.
“Até certo ponto, o asteroide causou um desequilíbrio no qual houve uma rápida recuperação. Mas, ao mesmo tempo, eles mostram que houve diferenças substanciais nas espécies que compunham os ecossistemas pós-asteroide e que novas especialidades evoluíram após a extinção que nunca havia sido vista antes”, disse Polly em um e-mail ao Gizmodo. “Uma coisa importante que esses fósseis mostram é que, dentro de 100.000 anos, as espécies de plantas e mamíferos eram tão diversas quanto antes do asteroide. Cem mil anos podem parecer muito tempo, mas é muito curto em um período geológico e muito mais rápido que as recuperações de outras extinções”.
Polly disse que a rápida recuperação reforça a hipótese do “desequilíbrio” – a noção de que o ambiente e o ecossistema da Terra permaneceram em grande parte em curso após o asteroide. Ao mesmo tempo, porém, os novos fósseis demonstram que “em 300.000 anos, mamíferos e plantas se tornaram mais diversificados do que antes do impacto” e que, em 700.000 anos, plantas e animais inteiramente novos surgiram. Essas mudanças, disse ele, “mostram que os ecossistemas estavam realmente funcionando de maneira diferente e que existiam novas oportunidades que não estavam disponíveis no Cretáceo”.
Prevendo futuras pesquisas, Lyson disse que gostaria de ter uma melhor noção dos ecossistemas em que cada animal viveu e como esses animais se encaixam em uma árvore da vida evolutiva maior. Quanto a Miller, ele gostaria de descobrir mais evidências fósseis de legumes e nozes para reforçar a associação entre o surgimento dessas plantas e o surgimento de mamíferos.
Se você estiver interessado nesta coleção de fósseis, a pesquisa está planejada para aparecer em um documentário da NOVA, chamado “Rise of the Mammals” (“Ascensão dos Mamíferos”), que está previsto para ser veiculado no canal de TV dos EUA PBS às 21:00 (ET) na quarta-feira, 30 de outubro de 2019.