Fragmento antigo de crânio sinaliza que humanos chegaram à Europa antes do imaginado
Uma reanálise de fragmentos de crânios achados na Grécia no fim da década de 1970 sugere que os primeiros humanos modernos estavam presentes na Eurásia há 210 mil anos. É uma das primeiras pistas de nossa espécie no continente, mas a falta de evidências arqueológicas ainda levanta algumas questões.
Uma nova pesquisa publicada na Nature descreve dois fragmentos de crânio encontrados na caverna Apidima, no Sul da Grécia, em 1978. Uma equipe liderada pela paleontologista Katerina Harvati, da Universidade Eberhard Karls de Türbingen, identificou os remanescentes como pertencentes a dois indivíduos, um homem moderno (Homo sapiens) e um neandertal.
O fragmento humano, apelidado de Apidima 1, é apenas a parte de trás do crânio e foi datado de 210 mil anos atrás, tornando-se a mais antiga evidência de humanos modernos na Eurásia. O fragmento neandertal, chamado Apidima 2, foi datado de 170 mil anos atrás e é consideravelmente mais complexo que o crânio humano, mas foi encontrado sem o maxilar inferior ou os dentes.
Infelizmente, nenhuma outra evidência arqueológica ou paleontológica foi descoberta no local, e nenhum fragmento foi encontrado em sua camada deposicional. Essas e outras limitações à parte, a noção de que os primeiros humanos modernos estavam presentes na Grécia há cerca de 210 mil anos é totalmente plausível e até mesmo esperada.
Nossa espécie surgiu na África cerca de 100 mil anos antes, com as primeiras evidências de nossa espécie datando desde o local de Jebel Irhoud, no Marrocos, e a notável descoberta de fósseis humanos de 315 mil anos. Além disso, a mais antiga evidência anterior de humanos modernos fora da África foi descoberta na caverna de Misliya, em Israel — uma queixada parcial datada entre 175 mil e 200 mil anos atrás. Isso não está muito longe na linha temporal, mas o novo estudo sugere uma data de dispersão anterior da África.
Algo importante a ser considerado é que outras espécies de humanos já haviam se aventurado por grande parte da Eurásia até então, incluindo o Homo erectus, que deixou a África cerca de 2 milhões de anos atrás, e as espécies ancestrais dos neandertais ainda a serem identificadas que foram para a Europa em algum momento entre 800 mil e 600 mil anos atrás. Então, sim, nós chegamos meio atrasados para o show.
Fragmentos do crânio Apidima 2 (direita) e sua reconstrução (esquerda). O espécime foi identificado como Neandertal. Crédito: Katerina Harvati, Universidade Eberhard Karls de Türbingen
Dito isso, Harvati não acredita que os humanos da Apidima tenham sobrevivido. Falando em uma coletiva de imprensa na última segunda-feira (8), ela disse que a presença do crânio neandertal sugere que estes humanos estavam eventualmente sendo “substituídos” por neandertais da região. Quanto ao motivo pelo qual esses primeiros humanos morreram, Harvai disse que continua sendo uma “questão importante”. É possível, segundo ela, que esses pequenos bolsões de seres humanos enfrentassem pressões climáticas ou mesmo pressões dos neandertais.
Independentemente disso, essa interpretação sugere um cenário de migração complicado para os primeiros humanos modernos, já que esta é uma evidência potencial de múltiplas dispersões da África, em vez de um grande êxodo.
Estes resultados sugerem que dois grupos humanos do Pleistoceno médio tardio estavam presentes neste local — uma população inicial de Homo sapiens, seguida de uma população Neandertal.
“Nossas descobertas apoiam múltiplas dispersões dos primeiros humanos fora da África e destacam os complexos processos demográficos que caracterizam a evolução humana do Pleistoceno e a presença humana moderna no sudoeste da Europa”.
Como observado, esses fragmentos de crânio foram descobertos nos anos 1970. Embora analisado e datado anteriormente, o novo estudo envolveu “análises mais abrangentes”, nas palavras dos pesquisadores. Além disso, os fragmentos do crânio foram encapsulados em um pequeno bloco de breccia (uma rocha sedimentar), que também contribuiu para o atraso, uma vez que levou anos para limpar cuidadosamente os espécimes. Além disso, ambos os fragmentos foram distorcidos e deformados, tornando a análise mais difícil. Também não ajudou que os fragmentos de crânio fossem encontrados sem qualquer evidência arqueológica ou paleontológica de apoio, como ferramentas, ossos de animais ou outras pistas..
Para o estudo, Harvati e seus colegas fizeram reconstruções virtuais 3D dos fragmentos usando tomografia computacional, além de realizar análises físicas dos espécimes. Isso permitiu que eles identificassem Apidima 1 e Apidima 2 como pertencentes a um ser humano moderno primitivo e um neandertal, respectivamente.
Apidima 1 “apresenta uma mistura de características humanas e primitivas modernas”, enquanto Apidima 2 exibiu características clássicas de um neandertal, como uma crista espessa e arredondada, de acordo com os pesquisadores. Durante a coletiva de imprensa, Harvati disse a repórteres que o espécime neandertal não era nada fora do comum, e que provavelmente pertenceu a uma versão inicial da espécie.
Trabalhos anteriores feitos por outros pesquisadores calcularam a idade dos espécimes em algo entre 160 mil e 170 mil anos de idade usando uma técnica bem estabelecida chamada datação de séries de urânio.
Para o novo estudo, a equipe recrutou Rainer Grün, da Universidade Griffith, na Austrália, que também usou a série U, mas obteve um conjunto mais extenso de amostras que incluíam pedaços de osso de Apidima 1 e Apidima 2 e a breccia associada a eles. Apesar do fato de que os fragmento do crânio foram encontrados próximos um do outro na caverna, as amostras eram de diferentes idades — o fragmento foi datado como sendo de 210 mil anos e o fragmento de Neandertal de 170 mil anos de idade. Embora localizados próximos uns aos outros, os fragmentos foram depositados no chão da caverna em diferentes momentos, e finalmente se uniram através de uma série de processos geológicos complexos, Grün disse durante a coletiva de imprensa.
Questões sobre a descoberta
A falta de evidências associadas no sítio de Apidima dificulta discernir quais eram as condições na época ou por que esse local era atraente para os primeiros seres humanos. A região pode ter sido favorável para hominídeos, que buscavam abrigo em condições ambientais adversas ou outros fatores de estresse, disse Harvai na entrevista coletiva. Esses humanos podem ter caçado grandes recursos marinhos ou explorado do mar próximo.
Infelizmente, não sabemos, mas o trabalho adicional no local pode fornecer as respostas, disse Harvati.
O arqueólogo Israel Hershkovitz, da Universidade de Tel Aviv, teve vários problemas com o novo estudo, incluindo a falta de evidências arqueológicas, nenhum contexto cronológico claro, a natureza incompleta dos espécimes e as severas distorções observadas nos remanescentes, entre outras queixas, descritas em um e-mail ao Gizmodo.
Hershkovitz, que esteve envolvido na descoberta dos fósseis da caverna de Misliya, foi contra o uso da “teoria da substituição” para a análise, ou seja, a afirmação de que os neandertais suplantaram os humanos nessa região.
“Não há nada no estudo para suportar esta afirmação”, disse Hershkovitz ao Gizmodo. “Na verdade, esses dois grupos Homo poderiam facilmente ter vivido lado a lado — eu pessoalmente acredito que esse era, de fato, o caso, baseado em evidências do Levante [no Oriente Médio] — e ocasionalmente cruzadas. Muitos aspectos comportamentais, como pinturas rupestres, só podem ser explicados se aceitarmos a ideia de que o Homo sapiens chegou à Europa — e não apenas ao sul da Europa — muito cedo e permaneceu lá desde então”, disse ele.
O especialista da Universidade de Tel Aviv também discordou da datação, que ele descreveu como “pouco convincente”. Ele disse que os crânios foram encontrados fora do contexto, e não dentro de uma camada arqueológica reconhecida que teria confirmado com segurança as datas radiométricas. Datar breccia, disse ele, não forneceu nenhuma informação sobre a datação real dos crânios, “especialmente quando você não sabe exatamente de onde os crânios provêm”, disse. Ele também não gostou das grandes margens de erro atribuídas à datação direta, que para a Apidima 1 apresentou um sinal de mais ou menos 16 mil anos. Então, se considerarmos o limite inferior de datação direta, Apidima 1 poderia ser tão jovem quanto 195 mil anos — o que coloca a espécie muito mais próxima do tempo dos fósseis de Misliya.
A arqueóloga Eleanor Scerri, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, também não envolvida com o novo estudo, disse que o contexto deposicional é “claramente complexo”, e “e a datação da série U depende de entender algo sobre essa complexidade”. Parece provável que “o único método de datação usado em um único crânio reconstruído causará alguma controvérsia”, disse ela ao Gizmodo.
Desentendimentos sobre datação à parte, Scerri disse que os novos resultados são, ao que parece, “críveis”, dado o fato de que Apidima 1 ainda é 100 mil anos mais jovem do que os fósseis africanos mais antigos da nossa espécie e um pouco mais velha que fósseis encontrados na caverna Misliya.
“O significado do estudo reside no fato de que ele se soma a um crescente corpo de evidências mostrando múltiplas dispersões do Homo sapiens fora da África”, disse Scerri ao Gizmodo. “Toda vez que o deserto do Saara-Arábico se contraía — amplamente em ciclos de 100 mil anos — grupos de primeiros Homo sapiens aparentemente se mudavam da África para a Eurásia, até que os portões do deserto se fecham atrás deles”.
“Não estou surpresa, pessoalmente, que estamos encontrando evidências de dispersões fora da África — afinal de contas, é algo que eu e meus colegas argumentamos a favor, há algum tempo”, disse Scerri. “Eu não necessariamente esperava que as descobertas fossem tão cedo quanto a caverna de Apidima afirma, mas certamente está tudo dentro dos domínios da possibilidade, dado o que sabemos”.
Quanto ao motivo de os arqueólogos não encontrarem mais restos humanos fora da África neste período de tempo, “parece provável que mais pessoas encontrarão esse tipo de evidência”, disse ela. Ao mesmo tempo, parece também provável que as descobertas permaneçam extremamente limitadas. Se estas eram populações descontínuas e pequenas, explicou, então a possibilidade de várias descobertas semelhantes diminui.
É um pensamento desanimador, mas temos que continuar procurando. Em algum lugar lá fora, as pistas para o nosso passado ancestral ainda estão esperando para serem encontradas.