O que vai acontecer com o bitcoin?

Será que tudo vai desmoronar ou o bitcoin sobreviverá até a próxima década? Contatamos vários especialistas para ter uma noção do futuro da moeda digital.
Ilustração de moeda com símbolo do bitcoin sendo jogada para o alto
Ilustração: Elena Scotti (Fotos: Getty Images, Shutterstock)

Desde o seu começo em 2009, o bitcoin fez e destruiu fortunas, ajudou a vender drogas e livros sobre criptomoeda, resistiu a milhões de piadas e a muitas previsões de colapso iminente, e — através um processo pouco transparente para a maioria das pessoas, inclusive eu — chegou a um ponto em que, até o momento em que este artigo foi escrito, cerca de dez unidades poderiam comprar uma casa de tamanho decente, assumindo que seu corretor de imóveis aceite criptomoedas.

O que vem em seguida? Será que tudo vai desmoronar ou ele sobreviverá até a próxima década? Para o Giz Pergunta desta semana, contatamos vários especialistas para ter uma noção do futuro do bitcoin.

Sabrina T. Howell

Professora Assistente de Finanças da NYU Stern School of Business e NBER

O bitcoin representa um divisor de águas no desenvolvimento de ativos digitais: foi a primeira moeda descentralizada que conseguiu evitar trapaças (geralmente chamada de problema do “gasto duplo”), codificar regras para criar um nova moeda e incentivar participantes (“mineradores”) a manter e proteger o registro histórico de transações. Esta é uma inovação na manutenção de registros que não se refere a nenhuma moeda única — e agora existem milhares de criptomoedas. Trata-se da tecnologia subjacente, o blockchain, que é descentralizada e resistente a violações.

Minha resposta para “O que vai acontecer com o bitcoin?” é que eu não tenho ideia. O bitcoin enfrenta muitos desafios para o uso generalizado, incluindo o fato de que ele pode lidar com apenas 7 transações por segundo, enquanto a Visa pode lidar com 10.000. No entanto, se os principais mineradores adotarem uma atualização de protocolo que permita volumes mais altos, não é impossível que o bitcoin se torne muito mais usado. Hoje é principalmente um ativo especulativo, uma ferramenta para lavagem de dinheiro e uma moeda de último recurso para pessoas em países com moedas muito mal gerenciadas, como a Venezuela.

O quadro geral é que o blockchain afetará todos os setores que dependem de dados seguros transacionados entre muitos participantes, que são basicamente todos os setores. Ainda esse ano, os fornecedores de hortaliças do Walmart deverão usar o blockchain da IBM construído para a logística da cadeia de suprimentos. Isso não é por acaso, já que as hortaliças costumam ser foco de doenças transmitidas por alimentos, o que gera muitos custos. Quando cada encomenda está no blockchain, os gerentes poderão rastrear o problema até a fazenda em segundos, em vez de semanas, e descartar apenas os pacotes de lá que tiverem problemas. Acredito que os serviços de saúde, serviços financeiros e imóveis também verão seus dados migrarem para blockchains.

“O bitcoin enfrenta muitos desafios para o uso generalizado, incluindo o fato de que ele pode lidar com apenas 7 transações por segundo, enquanto a Visa pode lidar com 10.000. No entanto, se os principais mineradores adotarem uma atualização de protocolo que permita volumes mais altos, não é impossível que o bitcoin se torne muito mais usado.”

Garrick Hileman

Chefe de Pesquisa da Blockchain e Pesquisador da London School of Economics

O bitcoin tem pouco mais de 10 anos, mas já atraiu dezenas de milhões de usuários e está crescendo mais rápido que a internet e os computadores pessoais. Olhando para o futuro, existem vários agentes poderosos por trás do crescimento do bitcoin e de outros criptoativos.

Hoje, os proprietários de stablecoins podem ganhar 10% de juros anuais em suas economias por meio de várias plataformas Open Finance ou DeFi (financiamento descentralizado). Isso é muito superior às taxas de minimis ou mesmo taxas negativas oferecidas em muitos bancos tradicionais. O desenvolvimento de tecnologias descentralizadas da Web 3.0 e o trabalho de reprojetar a internet em torno da infraestrutura blockchain, de uma maneira que ela carregue por definição a característica de “não poder ser má”, é outro fator a longo prazo do crescimento dos criptoativos.

No curto prazo, com nossa atual instabilidade financeira, comercial e política, o catalisador mais poderoso para a adoção contínua de ativos de criptografia é o papel do bitcoin como um ‘ativo tangível’. De fato, a oferta inelástica e finita faz do bitcoin um dos ativos mais tangíveis da história. Essa qualidade tem sido um fator importante na valorização de 3x que a criptomoeda teve este ano, após as disputas comerciais EUA-China, desafios à independência do banco central, Brexit e outras turbulências políticas europeias, e o retorno da instabilidade financeira à Argentina e outros mercados emergentes.

“No curto prazo, com nossa atual instabilidade financeira, comercial e política, o catalisador mais poderoso para a adoção contínua de criptoativos é o papel do bitcoin como um ‘ativo tangível’.”

James Grimmelman

Professor de Direito na Cornell Tech, cuja pesquisa se concentra em como as leis que regulam o software afetam a liberdade, a riqueza e o poder.

O bitcoin se tornará bitcoins, no plural. Haverá forks e fragmentação. Parte disso virá de profundas divergências sobre decisões técnicas. Parte disso será uma drama político vindo de dentro da comunidade, alimentado por acusações de cartéis secretos de mineração, identidades secretas e conspirações secretas. E parte disso será impulsionado pelas pressões regulatórias dos governos de todo o mundo. Os humanos nunca foram muito bons em chegar a um consenso, nem mesmo com a ajuda da criptografia.

Linda Schilling

Professora Assistente de Economia Financeira da École Polytechnique CREST

No curto e no longo prazo, o bitcoin precisa enfrentar seus concorrentes. A competição vem de dentro do grupo de criptomoedas e de moedas nacionais. A longo prazo, o bitcoin como produto precisa fornecer uma vantagem sobre outras moedas existentes, algum recurso que o torne único.

O bitcoin se vende como um veículo para realizar pagamentos anônimos sem envolver uma observação confiável de terceiros. Para pagar anonimamente via euro, em contrapartida, você precisa entregar as notas de euro pessoalmente. Ou então, alguma outra pessoa precisa fazê-lo no seu lugar, alguém em quem você confie e não pegue seu dinheiro e saia correndo. Curiosamente, a popularidade das criptomoedas levou alguns bancos centrais a restringirem ainda mais os serviços fornecidos por seus produtos. O abandono do dinheiro em favor de uma moeda digital do banco central implica que os pagamentos anônimos com a moeda nacional serão impossíveis por completo, criando outro nicho para as criptomoedas preencherem. O futuro dos bitcoins pode, portanto, depender da avaliação da privacidade das pessoas e da capacidade dos bitcoins possibilitarem pagamentos anônimos de forma confiável em uma escala potencialmente grande, de maneira rápida e barata.

“O abandono do dinheiro em favor de uma moeda digital do banco central implica que os pagamentos anônimos com moeda nacional serão impossíveis por completo, criando outro nicho para as criptomoedas preencherem.”

Steven Goldfeder

Pesquisador de pós-doutorado na Cornell Tech/IC3, co-fundador da Offchain Labs e co-autor de bitcoin and Cryptocurrency Technologies

A tecnologia principal do bitcoin é revolucionária, e você pode esperar que o bitcoin e outros projetos de blockchain continuem existindo. Mas se o bitcoin continuará sendo a criptomoeda dominante do futuro ou será destronado por outro projeto depende muito de como seus concorrentes amadurecem e de como a comunidade bitcoin, por sua vez, irá responder.

Apesar de seus muitos pontos fortes, o bitcoin tem várias deficiências que outras criptomoedas procuram resolver. Para citar alguns: os contratos inteligentes da ethereum expandem em muito as possibilidades de criação de poderosos aplicativos descentralizados. As transações privadas do zcash oferecem uma enorme melhoria sobre a natureza totalmente pública do histórico de transações do bitcoin. E as mais de mil transações por segundo de vários outros projetos é muito maior que a capacidade do bitcoin (estimada em menos de dez transações por segundo).

Atualmente, esses projetos concorrentes estão em estágios relativamente iniciais e ainda precisam provar que podem oferecer suas respectivas visões em maior escala sem comprometer a segurança. Mas com o passar do tempo, eles sem dúvida amadurecerão. E, quando isso acontecer, caberá à comunidade bitcoin incorporar essas novas tecnologias — algo que a comunidade até agora tem sido lenta ou relutante em fazer — para manter o domínio dessa moeda digital.

Embora o bitcoin tenha sido bastante revolucionário em 2009, em 2019 outros projetos estão avançando e fazendo melhorias inovadoras em relação ao design original. E, para que ele mantenha seu domínio em 2029, precisará estar aberto a incorporar algumas dessas inovações mais recentes à medida que amadurecem.

“Embora o bitcoin tenha sido bastante revolucionário em 2009, em 2019 outros projetos estão avançando e fazendo melhorias inovadoras em relação ao design original do bitcoin.”

Ghassan Karame

Líder do Grupo de Pesquisa de Segurança, NEC Labs e autor de Bitcoin and Blockchain Security

É claramente difícil prever como será o futuro do bitcoin. Muitos fizeram este exercício por diversão (e lucro), e suas tentativas não foram necessariamente bem-sucedidas. Entretanto, qualquer previsão desse tipo deve considerar os seguintes aspectos: a maior conscientização dos usuários, os planos dos reguladores, a posição dos pools de mineração e os avanços da tecnologia de consenso.

Com o passar do tempo, mais usuários (que não são mineradores) parecem estar mais conscientes dos conceitos/problemas intrínsecos ao bitcoin. Embora a empolgação não tenha desaparecido completamente, os usuários parecem perceber que (1) os custos de efetuar pagamentos com a moeda digital, no final das contas, não são tão baixos, (2) o mecanismo do bitcoin (Prova de Trabalho) consome mais energia do que o esperado, (3) suas transações não são tão privadas e podem ser vinculadas ao seu perfil (camada de rede e associação baseada em comportamento) e (4) não são tão descentralizados quanto desejado (poucos pools de mineração controlam o poder da computação).

Paralelamente, os reguladores também estão se tornando cada vez mais conscientes de que (1) o bitcoin não é tão privado quanto eles inicialmente temiam e muitos criminosos deixam um rastro que não é tão fácil de apagar e (2) não é impossível regular o bitcoin como pensado inicialmente.

Os pools de mineração continuarão movimentando o bitcoin enquanto continuar sendo um negócio lucrativo. Enquanto isso continuar acontecendo, os pools podem estar dispostos a resistir à pressão dos reguladores, podem até cooperar com as legislações tributárias nacionais e podem até concordar com uma estrutura que regule o envolvimento deles.

Finalmente, a própria tecnologia pode amadurecer e podemos ver o nascimento de uma eventual tecnologia de consenso que não favorece o pool e pode substituir com eficiência a Prova de Trabalho. A tendência é que isso adicione pressão considerável sobre os pools de mineração, mas não deve afetar consideravelmente a posição dos usuários/reguladores.

Resumindo, o bitcoin parece já ter passado por uma fase difícil (adoção/resistência à pressão). Não parece haver nenhuma ameaça considerável para ele que mudaria a situação atual no curto prazo. A longo prazo, se continuar resistindo a quaisquer mudanças drásticas, apesar de todos os aspectos mencionados, corre o risco de ser simplesmente ter seu lugar tomado por um sistema mais jovem, que agrade melhor o apetite de todos os envolvidos.

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