Histórias de Silvio Santos e seu passado vintage pouco conhecido
Qualquer brasileiro adulto com até mais ou menos 60 anos de idade não sabe o que é uma vida sem Silvio Santos (1930-2024) na TV aos domingos — pelo menos até a última aparição, em 2022, do apresentador no programa que ainda leva seu nome na emissora da qual era proprietário.
Pode-se gostar ou detestar Silvio Santos, mas é impossível ignorar o tamanho de sua fama e de sua importância na televisão brasileira. Nem sua influência nos costumes e hábitos de enorme parte da população.
O que é mais fácil de achar na internet e é cultuado pelas gerações mais recentes é o Silvio Santos desde os anos 1990.
O Silvio do “mas e o bambu?…”, o idoso alegremente desbocado que falava qualquer barbaridade politicamente incorreta que lhe desse na telha, a vĩtima do stalking dos humoristas Ceará e Vesgo do programa “Pânico na TV”, o apresentador que despencou numa tina cheia d’água em seu próprio show, o vovozinho que duelava verbalmente com a espertíssima menina Maísa…
Histórias do Silvio Santos mais jovem
Mas há um Silvio Santos mais jovem, dos anos 1960 até a fundação de seu canal SBT em 1981, que vive mais na memória de quem viu ao vivo. Pouquíssimos vídeos sobraram em condições razoáveis.
E mesmo o SS e seus programas dos anos 1980 não são tão fáceis de achar na web nem tão cultuados quanto as peripécias a partir dos anos 1990.
A morte de Silvio aos 93 anos no último sábado (17/8) causou um impacto inimaginável (a cobertura detalhista, impecável e aprofundada que dominou a programação da concorrente Rede Globo foi algo que ninguém sonhava ser possível).
Aqui vai um fluxo de memória sem ordem cronológica do Silvio Santos e seus coadjuvantes na fase mais vintage, mais “raiz”. Pelo menos são estas que o autor tem.
No imaginário popular dos anos 1960 e 1970, Silvio Santos era “o homem mais rico do Brasil”. A revista americana de economia Forbes e suas listas anuais de bilionários do mundo todo discordariam. E havia pessoas bem mais ricas no país que apenas não apareciam na televisão.
Mas como discordar da lenda urbana quando, na época, SS chegou a emprestar dinheiro para Roberto Marinho para tirar a Globo do sufoco de seus primeiros anos?
Muito antes de sua filha Patrícia Abravanel nos últimos anos, Silvio Santos teve seus substitutos no programa dominical quando precisava se ausentar do ar, especialmente nas férias.
Nos anos 1970, os curingas que apresentavam o “Programa Silvio Santos” eram seu padrinho artístico Manuel de Nóbrega, morto em 1976, e o irmão mais novo Leon Abravanel, transformado em Leo Santos, morto em 1982.
Nóbrega, pai de Carlos Alberto de Nóbrega, criador da “Praça da Alegria” (futura “A Praça É Nossa”) e primeiro dono do Baú da Felicidade, se dava melhor, uma vez que era um profissional de comunicação bem rodado.
Já Leo Santos era meio duro, sem muito jogo de cintura. Esforçado, mas não tinha uma gota do carisma do irmão.
Sua maior glória televisiva foi dar no SBT o furo de que a cantora Elis Regina tinha morrido, em janeiro de 1982. No mês seguinte, o próprio Leo morreu.
Em 1967, uma nota curtinha da revista “Intervalo”, da Editora Abril, assegurava que Silvio Santos já procurava meios para adquirir seu próprio canal de TV.
Ou seja, a história já era antiga quando Silvio finalmente conseguiu um canal no Rio de Janeiro em 1975. E, posteriormente, a sua rede nacional em 1981, rebatizada de SBT, no espaço aberto pelo fechamento da Rede Tupi em 1980.
Antes de se tornar proprietário, Silvio arrendou horários em emissoras para apresentar seus programas.
A partir de 1963 e até a implantação da transmissão via satélite, ele apresentava seus programas ao vivo apenas em São Paulo e região.
O de domingo era na TV Paulista, adquirida pela Globo em 1965. Nos meios de semana, Silvio também apresentava shows nas noites da TV Tupi. Um dos quadros era o “Cidade Contra Cidade”, que colocava equipes de duas cidades do interior paulista disputando a vitória do dia.
Silvio ficou na Globo até 1976, quando já tinha a TVS no Rio. Mudou seu programa para sua própria emissora. Também adquiriu metade da TV Record para salvá-la da falência.
Assim, entre 1977 e 1987, houve a situação bizarra de o “Programa Silvio Santos” ser exibido simultaneamente em DOIS canais para todo o Brasil.
Primeiro, na Tupi e na Record. Depois, no SBT e na Record. Isso acabou quando Silvio vendeu sua parte na Record.
O acima citado “Cidade Contra Cidade”, que foi integrado ao programa dominical nos anos 1970, revelou pelo menos um nome de destaque no meio artístico.
Em 1980, numa série de disputas entre universitários de Rio de Janeiro e São Paulo, um rapaz carioca chamado Sérgio roubava as atenções com seu humor moleque que tentava levar SS no bico.
Percebendo que havia um talento natural ali, Silvio estimulava as brincadeiras e insistia, em tom de falsa reprovação: “Mas, Sérgio, você é muito malandro…”
No ano seguinte, o tal Sérgio universitário iniciava no SBT sua carreira com o nome artístico Sérgio Mallandro…
O quadro “Show de Calouros” é o provável carro-chefe histórico do programa dominical. Apesar de esse nome ter sido consolidado apenas em 1977, a atração com amadores aspirantes ao estrelato já existia bem antes disso no show de SS.
O sucesso de João da Praia
Em termos de sucesso estrondoso, mesmo que temporário, pode-se dizer que a maior revelação do quadro de calouros foi um cidadão que se apresentava como João da Praia.
Em 1974, esse vendedor de sorvetes na orla carioca foi ao programa de Silvio Santos com seu violão com uma única corda e uma composição própria chamada “O Boi Vai Atrás”.
João da Praia foi imediatamente contratado pela gravadora Beverly e lançou um compacto duplo. O refrão “aonde a vaca vai / o boi vai atrás” e versos como “eu não vou na sua casa / pra você não vir na minha” dominaram as rádios AM brasileiras nos meses finais de 1974.
Diz a lenda que, no auge do sucesso, João da Praia se achou no direito de deixar Silvio Santos plantado esperando que ele aparecesse num domingo qualquer. Com essa pisada de bola, João nunca mais pisou nos estúdios de SS.
Na miséria, João da Praia morreu ou em 1988 (segundo a revista “VEJA”) ou em 1989 (segundo os poucos amigos dele). Tinha entre 38 e 39 anos.
Talvez a figura mais recorrente do “Show de Calouros” tenha sido Jordão, o cantor chorão.
Desde o começo dos anos 1970, Jordão aparecia volta e meia no programa para tentar cantar uma música até o fim. Mas SEMPRE começava a chorar descontroladamente pensando numa mulher que o tinha abandonado e acabava gongado.
A saga de Jordão e seu choro durou até meados dos anos 1980. Silvio Santos sempre perguntava, desafiando: “Mas, Jordão, você vai conseguir hoje? Já esqueceu aquela mulher?”
E o pobre calouro jurava que daquela vez iria conseguir cantar até o final e já tinha esquecido a ingrata. Tente adivinhar o que aconteceu depois…
Em questão de bizarrice, meu favorito é um suposto uruguaio que entrou no palco do “Show de Calouros” com um cãozinho, garantindo: “Mi catchorro tchora quando yo canto”. É claro que o cão não esboçou qualquer reação enquanto seu dono “cantava”.
Silvio sabia que, como cantor, era um ótimo apresentador. Isso não o impediu de iniciar sua carreira fonográfica em 1965, quase sempre gravando marchinhas como “A Pipa do Vovô Não Sobe Mais” e “Coração Corinthiano”.
Mas há uma inusitada participação séria de SS em disco, embora seja falando, e não cantando. Em 1971, ele participou como contraponto romântico da faixa de abertura do LP da cantora Carmen Silva, a melodramática “Goodbye, Adiós, Adieu, Arrivederci”. Ouça abaixo esta pérola:
Um dos quadros clássicos do programa de domingo era “Só Compra Quem Tem”. Um jogo de perguntas e respostas em que os participantes só podiam se arriscar a responder se tivessem “saldo” para comprar uma pergunta.
O quadro fazia tanto sucesso que, por volta de 1975/76, SS lançou um jogo de tabuleiro Só Compra Quem Tem para diversão doméstica.
O cartão de perguntas mais inacreditável (e quem respondia tinha a chance de escolher entre as opções a, b e c) trazia o seguinte:
“Em qual Estado do Brasil aconteceu a Insurreição Pernambucana?”
Acho que a resposta é Pernambuco, seu Silvio… Bom repouso pro senhor.