IA vai fortalecer a língua indígena guarani mbya em São Paulo
O Brasil abriga uma das maiores diversidades linguísticas do planeta: 150 línguas indígenas são faladas por aqui. Esse número, porém, já foi bem maior. Existiam, pelo menos, 750 línguas antes dos colonizadores portugueses chegarem. E muitas das que restaram continuam em perigo: somos o segundo país com mais línguas que podem desaparecer, segundo a Unesco.
A preservação da cultura dos povos originários depende, claro, da proteção às suas próprias terras. Mas, cientistas da computação afirmam que também podem ajudar, criando inteligências artificiais, em parceria com linguistas, para fortalecer as línguas indígenas. Esta é a ideia de pesquisadores da empresa IBM e do IEA-USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo).
A equipe escolheu trabalhar com uma comunidade do povo Guarani que habita a terra indígena Tenondé Porã, no estado de São Paulo. Eles visitaram estas pessoas para estabelecer a parceria, mostrando primeiro como a inteligência artificial poderia fortalecer a guarani mbya – uma das três variedades modernas da língua guarani, falada amplamente no Paraguai, na Argentina e na Bolívia, além do Brasil.
Houve diversos encontros com os indígenas da Tenondé Porã para definir qual seria o foco do projeto. A preocupação era seguir o lema “nada para nós sem nós”, que afirma a importância de se incluir os povos originários nas iniciativas para preservação de suas culturas. Este é um dos pilares éticos recomendados pela Unesco, que estabeleceu a Década das Línguas Indígenas, entre 2022 e 2032.
Objetivo e andamento do projeto
Os Guarani compartilharam que seus jovens estudantes de Ensino Médio eram uma peça-chave para os esforços de conservação linguística: eles falam bem português e guarani, mas só escrevem bem em português e têm dificuldades com a língua indígena. Assim, o grupo de pesquisa estabeleceu seu objetivo: ajudar estes jovens a escrever guarani com um assistente de escrita digital.
A equipe combinou encontros semanais com aproximadamente 30 estudantes da Tenondé Porã e, desde então, faz oficinas de tecnologia com duas horas de duração. “Estamos usando uma técnica chamada design probes, que consiste em trazer ferramentas incompletas para tentar descobrir o que vai, de fato, ajudá-los”, explicou Claudio Pinhanez, pesquisador da IBM que lidera o trabalho, em entrevista ao Giz Brasil.
“Eles tiveram dificuldade com um tradutor, por exemplo – uma dificuldade que não era óbvia para a gente, porque eles são fluentes em português e guarani.” A equipe está testando outras tecnologias com os jovens Guarani, como dicionários digitais, corretores automáticos e ferramentas de previsão de texto – como as que você tem no teclado do celular para digitar em português.
“A gente vai descobrir, juntos, qual assistente digital de escrita funciona para estes estudantes [levando sua cultura e suas afinidades em consideração]. E, no semestre que vem, tentaremos levar uma ferramenta mais estruturada para a comunidade – e testar novamente”, explica o cientista da IBM.
O grupo está, portanto, nos primeiros passos para o desenvolvimento da IA. A proposta de pesquisa foi aprovada em dezembro de 2022 pelo IEA-USP. A primeira ocasião em que se falou publicamente sobre o andamento do projeto foi durante o Colóquio Tecnologias Responsáveis e Inclusivas, que aconteceu na última terça (15) na sede da IBM, em São Paulo.
Planos futuros
Embora o resultado ainda demore a vir, a equipe já enxerga uma aplicação inusitada para a inteligência artificial: dar suporte à criação de uma Wikipédia em guarani mbya, que serviria de repositório para a cultura e história do povo guarani, assim como material de ensino e ferramenta de difusão cultural.
“A minha impressão é que os mecanismos da Wikipédia para criação coletiva [dos verbetes], digamos assim, dão um match muito interessante com a ideia de consenso dos Guarani e sua cultura, no geral”, afirma Pinhanez. A enciclopédia digital seria uma criação de professores, lideranças e anciãos da comunidade, auxiliados pela equipe de pesquisa.
O grupo também já pensa em expandir o impacto social da iniciativa, estabelecendo parcerias com o Ministério dos Povos Indígenas e a Unesco, e desenvolvendo seu modelo para outras línguas indígenas brasileiras a depender da disponibilidade de dados sobre elas e, claro, do interesse das comunidades em questão.