Influenza: baixa cobertura vacinal gera aumento de casos fora de época; apenas 53% das pessoas se vacinaram
Reportagem: Aline Tavares / Instituto Butantan
A baixa adesão à vacinação contra a influenza, que permanece com apenas 53% de cobertura, tem gerado uma alta de casos de gripe atípica para esta época do ano. Predominante no outono e no inverno, quando há maior aglomeração em lugares fechados, o vírus tem encontrado brechas para circular devido às falhas na imunização. Os mais impactados são os idosos: os casos e óbitos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por gripe nesse grupo quase dobraram de 2023 para 2024: de 2.839 para 5.536 casos, e de 623 para 955 mortes. Mais de 85% das mortes estão concentradas nesse público.
Em toda a população, até novembro de 2024, foram registrados 13.934 casos de SRAG por influenza, com 1.142 mortes, de acordo com o último boletim da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. O influenza foi o vírus respiratório mais detectado em indivíduos com mais de dez anos (39%), seguido do rinovírus (32%) e SARS-CoV-2 (19%). Em idosos de 60 anos ou mais, também predominou influenza (34%), depois SARS-CoV-2 (30%) e rinovírus (22%).
No boletim, o Ministério da Saúde reforça que a vacinação é importante para reduzir hospitalizações e óbitos, e que a campanha seguirá até o fim dos estoques. Produzida no Instituto Butantan, atualmente a vacina da gripe está disponível gratuitamente nos postos de saúde para qualquer pessoa acima de seis meses. A meta da campanha é vacinar pelo menos 90% dos grupos prioritários, que incluem crianças de seis meses a menores de seis anos, profissionais da saúde, gestantes, puérperas, indígenas, idosos e pessoas com doenças crônicas.
“Estamos vivendo um momento de pós-pandemia em que as curvas de influenza estão ficando claras novamente, e que todos os países tem enfrentado queda nas coberturas vacinais. Quem leva o maior impacto disso é a população de maior vulnerabilidade, como idosos, gestantes, pessoas imunocomprometidas e com comorbidades”, aponta a gestora médica de Desenvolvimento Clínico do Butantan, Carolina Barbieri.
Ela explica que, ocasionalmente, a própria característica do vírus influenza de sofrer mutações pode provocar pequenos picos de casos fora de época, mas sem aumento significativo de hospitalizações. Com a baixa cobertura vacinal, o Ministério da Saúde apontou uma alta relevante de óbitos por influenza entre setembro e outubro, avançando de 25% para 40% das mortes causadas por SRAG.
“Quanto menos as pessoas se vacinam, mais o vírus se dissemina – ou seja, mais ele se replica em diferentes organismos. Consequentemente, ele vai modificando o seu material genético e infecta pessoas que já não reconhecem o vírus com seus anticorpos, dificultando o controle da doença”, diz a médica.
Riscos vão além de complicações respiratórias
Outro impacto de não se vacinar contra a gripe é o aumento no número de infartos, devido à descompensação de doenças de base provocada pelo vírus. Uma pesquisa recente da Universidade de Utrecht, na Holanda, associou o diagnóstico de gripe a um risco seis vezes maior de ter um ataque cardíaco. “A influenza gera uma resposta inflamatória no organismo. Se o paciente já tem uma doença de base, mesmo que não diagnosticada, ele corre um risco cardiovascular maior – diversos estudos da literatura já mostraram essa relação”, esclarece Carolina.
O alto número de hospitalizações causado pela baixa cobertura vacinal também abre caminho para o desenvolvimento de bactérias resistentes. “Quando temos um índice de vacinação elevado, temos menos hospitalizações e complicações, usamos menos antibióticos e, com isso, prevenimos a resistência antimicrobiana”, completa.
A especialista reforça que se vacinar contra a gripe protege não só o vacinado, mas aqueles ao seu redor, contribuindo para a chamada imunidade coletiva. Além disso, ajuda a reduzir a carga do sistema de saúde – algo que ficou ainda mais evidente durante a pandemia de Covid-19, com a falta de leitos de UTI.
Para Carolina, é preciso ampliar o diálogo sobre os benefícios da vacinação da influenza, além de diversificar os meios de divulgação da campanha para atingir mais públicos. “A queda da imunização é explicada, em parte, pela hesitação vacinal, mas este não é o todo. Também estamos carentes de uma comunicação mais assertiva e em maior quantidade. Precisamos estar na televisão, na internet – cartazes em postos não são suficientes”, pondera.
Mudanças climáticas
Em meio às graves enchentes que acometeram recentemente o Rio Grande do Sul, no Brasil, e Valência, na Espanha, e às ondas de calor que superaram recordes históricos em todo o mundo, Carolina Barbieri chama atenção para o impacto das mudanças climáticas na proliferação de doenças infecciosas.
“Tudo o que foge do esperado para as estações – como o inverno quente que tivemos e agora uma primavera mais fria – favorece a disseminação de vírus como influenza. As pessoas tendem a ficar aglomeradas em períodos que antes não ficavam. E sem a vacinação, a chance do vírus se espalhar é muito maior”, afirma.
Segundo uma revisão da Universidade Tsinghua, as mudanças climáticas aumentam o risco do surgimento e transmissão de doenças respiratórias ao afetar a biologia dos vírus, a suscetibilidade do hospedeiro, o comportamento humano e as condições ambientais.
Essas consequências ficaram ainda mais evidentes com os surtos de gripe aviária que têm preocupado cientistas nos últimos anos. Um estudo da Universidade da Califórnia, de 2011, já demonstrava que mudanças nas chuvas, por exemplo, alteram a distribuição, abundância e qualidade das zonas úmidas e podem impactar a migração de aves aquáticas.
Conforme essas aves infectam outros animais ao longo de suas rotas migratórias, o vírus vai sofrendo mutações genéticas para se adaptar – o que pode eventualmente facilitar sua migração aos humanos. Na região das Américas, casos em humanos já foram registrados em países como Estados Unidos, Equador e Chile.
Com o objetivo de se preparar para uma possível pandemia de gripe aviária H5N1, o Butantan está desenvolvendo uma vacina, tendo submetido recentemente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o pedido para iniciar a fase 1/2 de ensaios clínicos do imunizante.