A internet ainda é uma revolução?
A gente escuta muito que a internet revolucionou a forma que a gente se comunica, traz informação mais rápido a um número maior de pessoas, e pode ser usada para projetos colaborativos. Mas será que quem fica assistindo gatos no YouTube, falando bobagens no Twitter e jogando Fazenda Feliz faz parte da revolução? E já falamos dos problemas que o excesso de informação causa na gente, reprogramando nossos cérebros para raciocinar de forma rasa e distraída. Toda essa mediocridade não acaba com a ideia de revolução pela internet?
Não, segundo Clay Shirky, autor do livro "Cognitive Surplus: Creativity and Generosity in a Connected Age". No livro, ele discute o conceito de "excedente cognitivo". A ideia básica, explicada em artigo da Wired, é que as pessoas estão trocando a televisão – um meio de comunicação passivo e de consumo – pela internet, que oferece atividades que envolvem mais interação. Mas a interação ocorre sem nenhum estímulo externo: por exemplo, as pessoas editam a Wikipédia de graça e aumentam o banco de dados do Flickr com fotos sem cobrar um centavo. Por que as pessoas fazem isso?
As pessoas têm três tipos de motivações – biológicas (comer, beber, transar), por estímulos externos (recompensas e punições) e por estímulo próprio. Por décadas, o principal meio de comunicação foi a TV, e acabamos suprimindo a terceira motivação no nosso cotidiano. Com a internet, o estímulo próprio ganhou destaque e agora vários projetos exemplares são feitos por colaboradores que trabalham de graça, por vontade própria. E ainda há potencial para mais. Segundo Shirky, se considerarmos todo o conteúdo gerado pela Wikipédia, ele corresponde a 100 milhões de horas de trabalho. Enquanto isso, os americanos assistem 200 bilhões de horas de TV todo ano.
Excesso de conteúdo, antes e agora
Mas entre projetos como o Ushahidi – jornalismo cidadão integrado ao Google Maps – e o PatientsLikeMe – que reúne pessoas que sofrem de doenças graves ou raras e contem com apoio e informações, existe uma enxurrada de videocassetadas, fotos engraçadas e conteúdo completamente descartável na net. Shirky lembra que isso não é novidade – na verdade, acontece pelo menos desde que a prensa móvel foi criada no século XV por Johannes Guttenberg.
Por causa da prensa móvel, surgiu um fluxo enorme de literatura de baixa qualidade e adaptações vulgares e imprecisas da Bíblia. E, por causa da prensa móvel, surgiram os clássicos da literatura, meios de comunicação como os jornais, e periódicos científicos. Na época, muitos diziam que, se a imprensa não fosse controlada, isso levaria ao declínio da vida intelectual europeia. Hoje, dizem que ficar muito tempo na internet deixa a gente mais burro.
Nós só conseguimos usar a nova mídia – a imprensa – para o bem depois de muito tempo aprendendo novas formas de usá-la. A revolução da internet aconteceu bem mais rápido que a da imprensa, e mesmo depois de décadas, ainda estamos aprendendo a criar um uso para essa nova mídia, tal como no passado. Como Shirky lembra: os romances eróticos vieram 100 anos antes dos periódicos científicos.
Então como vamos aprender a separar o joio do trigo? Através da alfabetização, como no passado: com a disseminação dos livros, foi necessário investir recursos extraordinários a cada ano, em cada país, para ensinar as crianças a ler. Com a internet, teremos uma "alfabetização digital" – precisamos decidir como integrar o mundo digital na sociedade, assim como fizemos com os livros.
E, no fim, a vantagem do conteúdo descartável é que ele pode ser, bem, descartado: como escreve Shirky, "maior liberdade para criar significa maior liberdade para criar material descartável" e maior liberdade para experimentar. Wikipédia, Ushahidi, PatientsLikeMe – isso é só o começo. [Wired e Wall Street Journal]