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Dois investidores adulteravam embalagens de máscaras proibidas para vendê-las a hospitais

Nos EUA, empresários compravam máscaras de proteção facial de baixa qualidade e as reembalava para revender para hospitais.

Foto: Getty Images

Em meio a uma escassez nacional de equipamentos de proteção individual nos EUA, um investidor do Vale do Silício e seu parceiro de negócios aparentemente encontraram a maneira mais ridiculamente desonesta de lucrar com a procura por máscaras faciais de classe médica por causa do coronavírus.

Os dois usariam aplicativos populares de prestação de serviços, como Venmo e TaskRabbit, para pagar trabalhadores para reembalar milhares de máscaras KN95, que não têm qualidade para uso médico, compradas da China. Elas seriam vendidas para autoridades de saúde, hospitais e revendedores do Texas, de acordo com uma reportagem da ProPublica publicada na quinta (25).

Testes federais da Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) descobriram que as máscaras KN95 costumam ser menos eficazes do que as máscaras N95 fabricadas nos EUA para filtrar partículas pequenas e potencialmente carregadas de vírus. Os trabalhadores da saúde precisam se proteger destas partículas ao trabalhar na linha de frente da crise.

Como parte desse esquema, os trabalhadores tiravam máscaras chinesas das sacolas marcadas com etiquetas com a inscrição “MEDICAL USE PROIHIBITED” (“uso médico proibido”, em tradução livre) e as colocavam em novas embalagens quase idênticas, mas sem a etiqueta de aviso, disse ao ProPublica um dos trabalhadores contratados, Lucas Rensko.

Depois de responder a uma solicitação de trabalho no aplicativo TaskRabbit, Rensko conheceu um dos cérebros por trás da operação, Jaime Rivera, e conheceu as instalações do que era “essencialmente um armazém” em San Antonio, onde aproximadamente meia dúzia de outros “frilas” estavam reembalando máscaras por US$ 20 por hora.

“[Rivera] estava dizendo que eles eram designados para uso pessoal ou residencial, não para uso médico”, disse Rensko à agência. “E então o que ele estava fazendo era basicamente colocá-los em outras embalagens”. Assim, eles poderiam ser vendidos em San Antonio e no Texas para fins médicos.

Como seria de se esperar, Rensko acabou recusando o trabalho. Mas era apenas a ponta do iceberg em uma empreitada muito maior e legalmente duvidosa.

De acordo com a reportagem, Rivera foi convidado a entrar no empreendimento por Brennan Mulligan, investidor de start-ups e CEO da plataforma online de design e fabricação SKYOU. Os dois se conheceram no TaskRabbit. Eles encomendaram máscaras faciais de várias marcas da China que não atendem aos padrões da FDA para uso médico e as venderam a revendedores particulares e autoridades do Texas encarregadas de distribuí-las para hospitais.

Uma foto de uma remessa que Rivera compartilhou no Facebook mostrava máscaras com ganchos de encaixe inadequados, que não ofereceriam proteção suficiente para atender às recomendações da FDA para uso por profissionais de saúde em um ambiente médico, de acordo com a reportagem.

Outra foto mostra uma pilha de quase dois metros de caixas rotuladas como provenientes da Guangzhou Aiyinmei Co. Ltd., uma fabricante chinesa cujas máscaras foram recolhidas no Canadá por sua ineficácia. Essas máscaras filtram apenas 39% das partículas, de acordo com exames do CDC. A FDA as aprovou brevemente para uso na área de saúde na pressa de atender à demanda no início da pandemia, mas reverteu essa decisão.

Em outros posts analisados ​​pela ProPublica, Rivera detalhou como ele alugou um caminhão da U-Haul para entregar quase 100 mil máscaras para dois compradores. Ele também compartilhou uma captura de tela de um pagamento de US$ 2.000 feito pelo app Venmo com um memorando que descrevia uma entrega de “37.500 KN95 para entrega e 50.000 para retirada” para alguém com as iniciais BM, como Mulligan também era conhecido.

De acordo com o histórico de transações no Venmo da equipe, que foi deixado público, os dois venderam milhares de máscaras em abril e maio, incluindo “131 caixas para o TDEM”, sigla em inglês para a Divisão de Gerenciamento de Emergências do Texas, bem como pagamentos a funcionários por serviços. como entregas e “reembalagem” de máscaras.

Em entrevista, Rivera disse que as máscaras foram rotuladas como não médicas por engano e que os regulamentos confusos da China levaram a que outros lotes do mesmo tipo de máscara fossem liberados nas inspeções de exportação, mesmo sem a etiqueta de aviso. “Tudo o que estamos fazendo é apenas omitir. Tiramos qualquer coisa que diga ‘não-médico’.”

“Antes de chegar ao hospital, é preciso superar a burocracia”, continuou ele. “Essas máscaras estão sendo tomadas e negadas por razões arbitrárias. Essas são vidas que estão sendo impactadas.”

Ele descreve a iniciativa como uma área cinzenta legal. Mulligan disse explicitamente em um comunicado ao ProPublica que a equipe não havia infringido nenhuma lei. Apesar disso, Rivera disse mais tarde ao site que um investigador do Departamento de Segurança Interna dos EUA entrou em contato com eles sobre suas vendas de máscaras.

“A analogia dele é que você está dizendo a alguém que tem uma Ferrari, mas está vendendo um Fusca”, disse Rivera sobre sua conversa com um investigador.

Quando a ProPublica entrou em contato com a TDEM, a agência reconheceu remessas de máscaras que Rivera havia compartilhado com o site, mas disse que sua compra havia sido feita por meio de um contrato de US$ 14 milhões com um vendedor independente, a Eminent Commercial LLC.

Segundo a reportagem, a Eminent trabalhou com uma dúzia de subcontratadas ao longo de abril e maio, incluindo a SKYOU, para procurar e comprar as máscaras faciais que eram desesperadamente necessárias. A TDEM cancelou seu contrato com a Eminent em 20 de maio “porque os produtos que estávamos recebendo eram fraudulentos”, disse um porta-voz da agência à ProPublica.

O CEO da Eminent, Ted Coleman, confirmou com a agência que a SKYOU havia tentado vender máscaras que não cumpriam o padrão da agência. E a empresa de Mulligan estava longe de ser a única.

“Tivemos milhões e milhões de máscaras que foram rejeitadas pelo estado do Texas”, disse Coleman à ProPublica. “Provavelmente, um total de 10 a 15 fornecedores diferentes que estavam apenas nos enviando qualquer coisa que pudessem nos enviar, na esperança de que isso fosse aceito pela TDEM.”

No entanto, Mulligan e Rivera foram “acima e além” tentando contornar as regulamentações e vendendo máscaras ineficazes sob seu contrato, continuou ele, e Mulligan em particular causou “um constrangimento muito grande” com funcionários da sede da TDEM em Austin depois que as máscaras de sua empresa foram rejeitadas.

[ProPublica]

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