Jovem Cientista: após isolamento na pandemia, fã de Bum Bum Tam Tam estuda remédio contra depressão no Butantan
Reportagem: Camila Neumam/Instituto Butantan
O ano de 2021 parecia ser o mais promissor da vida de Kim Silva de Queiroz, então com 19 anos. Mas a pandemia de Covid-19 mudou tudo. Calouro de Biotecnologia na Universidade de São Paulo (USP), ele viu sua tão sonhada vida universitária se resumir a aulas online, sem contato com amigos e colegas. A diferença entre o que Kim tinha imaginado e a realidade da pandemia foi tão grande que estremeceu sua paixão pela Ciência, nascida na infância.
Em meio a tantas notícias trágicas somadas ao isolamento sufocante, uma flauta envolvente mexeu com sua mente. Era a música “Vacina Butantan”, de MC Fioti. No videoclipe, o funkeiro canta uma versão da já famosa canção, enquanto dança nas dependências do Instituto Butantan, em São Paulo. O remix conclamava a população a tomar a primeira vacina contra o coronavírus disponível no Brasil, a CoronaVac, produzida pelo Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
“Depois desse clipe eu passei a acompanhar de perto as redes sociais do Butantan. Foi tão apaixonante a forma como divulgavam a ciência, com toda a polarização que rolou na pandemia, que eu realmente me apaixonei por divulgação científica”, lembra Kim.
Na época, o garoto criado em Osasco (SP) estava em dúvida de qual área começar sua iniciação científica. Mas uma certeza ele já tinha: precisava ser no Instituto Butantan!
“Sabe quando você vê a conexão e pensa: ‘algum dia eu quero poder estar ali no meio da ciência, poder estar envolvido e ajudar a informação chegar nas pessoas?”
Iniciação científica
Na mesma época, Kim havia se interessado por Farmacologia durante as aulas da graduação. Na ocasião, ele se questionou se haveria uma medicação que ajudasse a aplacar aquela tristeza e apatia do contexto pandêmico, sem os conhecidos efeitos colaterais. Não era para menos: o isolamento mexia com o humor de todos, inclusive com o dele mesmo. “Não passei por depressão, mas aquela situação de todo mundo em casa me gerou uma angústia, eu estava apático. Além do envolvimento pessoal, eu tive a curiosidade de estudar sobre a depressão porque eu sempre fui muito curioso”, conta.
E não é que havia um laboratório de Farmacologia no Butantan que estudava uma toxina com potencial antidepressivo? Alguns e-mails depois, Kim foi visitar o local onde lhe foram apresentadas algumas linhas de pesquisa.
A pesquisadora científica do Laboratório de Farmacologia do Butantan Ana Leonor Abrahao Nencioni se tornou sua orientadora. Juntos, os dois desenvolveram um projeto de pesquisa para estudar as propriedades da bufotenina, uma substância encontrada na pele do sapo, com estrutura semelhante à da serotonina. O projeto rendeu a Kim uma bolsa da Fundação Butantan, e hoje ele atua junto à Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB).
“Recebi apoio desde o início e com a bolsa me senti abraçado. Quando começou eu já estava com o ânimo diferente. E até hoje estou muito empolgado com a pesquisa. Isso é o que eu sempre quis fazer”, recorda.
Porém, engana-se quem pensa que a ciência se resume a momentos de eureca. Como bem lembra Mc Fioti, é “de quem tá presente”.
“Eu idealizava a pesquisa como algo muito mais rápido, e não é. Tem que ter muita paciência porque o normal é dar errado. Quando começa a dar certo é porque você está fazendo algo muito incrível. Isso me deixou mais maduro para tentar ser um pesquisador. Vou persistir, persistir até algum momento dar certo.”, afirmou.
Informação para as pessoas
Para o jovem cientista que aos 7 anos pediu um livro de anatomia aos pais, nada parece tão difícil de estudar e de debater. Acostumado a pesquisar por conta própria assuntos de interesse e conversar sobre eles em família, Kim percebeu um prazer em ser compreendido, mesmo quando o assunto parece técnico e científico demais.
“Queria poder ajudar a informação chegar nas pessoas porque eu fui criado em um ambiente muito aberto para conversar sobre qualquer coisa. Como eu sempre pesquisei sobre ciência, algo que eu gostaria é de tentar facilitar para eles esse conhecimento, conseguir traduzir um artigo para pessoas que não são do meio”, reflete.
De olho no futuro
A pesquisa de Kim ainda está em fase inicial, isto é, na tentativa de conseguir padronizar um modelo de indução de depressão para testar a bufotenina e identificar os seus efeitos. Nada que desanime Kim, que viu sua vida acadêmica finalmente desabrochar em 2022, quando voltou às aulas presenciais na faculdade e em 2023 na ESIB, com o projeto de pesquisa.
“Temos uma possibilidade de ter um novo agente antidepressor que não vai ter efeitos colaterais tão fortes e pode se tornar um produto competitivo no mercado. Coloco muita fé nisso porque um sonho que eu tenho é continuar esse projeto aqui, quem sabe em um mestrado e em um doutorado”, afirma.
Afinal, este é um projeto de 10 anos, se de fato se resultar em um fármaco. Nada que assuste Kim. “A minha trajetória está sendo basicamente paciência e persistência.”, concluiu.