Laboratório de metanfetamina e cães mortos: como o fundador do antivírus McAfee tornou-se um foragido em Belize

Já faz um tempo que não publico nada. “Tenho andado ocupado” é a desculpa de todo mundo para a preguiça, mas não consegui pensar em uma melhor. Para aqueles que têm acompanhado notícias da América Central, vocês devem saber que estou me escondendo em um local secreto em Belize. Esconder-se não é divertido. Sempre me […]
McAfee em seu cavalo.

Já faz um tempo que não publico nada. “Tenho andado ocupado” é a desculpa de todo mundo para a preguiça, mas não consegui pensar em uma melhor. Para aqueles que têm acompanhado notícias da América Central, vocês devem saber que estou me escondendo em um local secreto em Belize. Esconder-se não é divertido. Sempre me perguntei por que pessoas em fuga mudam em tantos casos. Agora eu sei a resposta — tédio.

Estou no quarto de uma casa em um lugar bem desinteressante. Não saio de casa há cinco dias. Não tenho TV a cabo ou via satélite e tenho três DVDs — “Revelações”, “Tierra” e “Naked”. Não tenho livros. Tenho um iPad, mas sem carregador. Eles são difíceis de se obter nesse país. Tenho 21% de carga restante — tenho racionado. No fim das contas, a única pessoa em quem você pode confiar é em si mesmo; não tenho tido contato com ninguém além de entrevistas por telefone com a imprensa.

A GSU tem feito acusações novas, mas não divulga o que é na realidade. Por já ter passado uma noite dormindo no chão duro da cadeia da Cidade de Belize, a possibilidade de retornar para lá não me anima muito. Sim, não existem camas na cadeia de Belize. Uma caixa de leite cortada pela metade serve a esse propósito. Estava tolerável até a uma da manhã, quando um bêbado foi jogado na cela e chegou chutando tudo. Cinco de nós dormíamos juntos no canto menos contaminado da cela. Eu estaria livre ao amanhecer, então não devia reclamar.

Meus advogados me dizem que não há nada a temer, o que me deixou preocupado. Eles negociarão com o governo hoje, se tudo correr bem.

Estou com 17% de bateria. Eu deixarei vocês.

***

John McAfee, o fundador da McAfee Antivirus, publicou isso em um fórum privado no dia 7 de maio; sua casa em Belize foi invadida pelas autoridades locais, ele foi tirado da cama que dividia com uma garota de 17 anos, nu e confuso, para se deparar com a Unidade de Supressão de Gangues de Belize no portão. Eles mataram seu cachorro com um tiro e o prenderam por posse ilegal de arma de fogo. Eles prenderam alguns dos seus funcionários também. Ele saiu em fuga.

Você talvez já tenha lido alguma notícia sobre; este é o lado dele da história.

Aperte o cinto. Isso é maluquice pura.

McAfee é conhecido por criar o antivírus que você conhece tão bem. Mas isso foi em outra vida. Em outra época. Após ganhar muita grana no negócio de software, ele fundou uma empresa que tenta lançar a próxima geração de antibióticos (de eficácia não comprovada) com sede em Belize. A empresa afundou quando o cientista chefe pulou do barco. Mas McAfee permaneceu, operando uma balsa e um bar. Ele tinha, de um modo quase literal, ido viver no meio do mato.

E então, na manhã do dia 4 de maio, ele acordou com o barulho dos megafones.

“Eu pulei da cama, eu estava nu, corri para a varanda de onde podia ver as tropas com suas armas automáticas em posição de ataque, o andar vagaroso, definitivamente uma movimentação agressiva, hostil”, ele disse via telefone de um local desconhecido em Belize. “Voltei para dentro, coloquei uma calça, voltei para fora e fui empurrado contra a parede. E ali começou o meu dia. Enquanto era algemado, podia ver com o canto dos olhos os machados que eles usavam para derrubar portas — que por sinal estavam trancadas — e saquear.”

Os motivos por trás da ação na casa de McAfee ainda não estão completamente claros. De acordo com McAfee, as autoridades disseram que ele operava um laboratório de metanfetamina; mas ninguém do governo de Belize confirmou isso — ou mesmo que houve uma ação. Gastamos horas ao telefone tentando descobrir o que aconteceu, pulando de um policial para outro — de um sargento terrivelmente relutante e meio suspeito a um relações públicas da polícia extremamente calado e irritado, até um comissário-assistente da polícia ansioso-para-desligar-o-telefone. Apesar da natureza super simples das perguntas, ninguém nos deu respostas. Nem a embaixada de Belize em Washington D.C. nos ajudou.

A única pessoa do setor de segurança pública disposta a falar só o faria se a conversa não fosse gravada, e apenas se ela fosse conduzida em um celular “quente”, o que tornou impossível a nós verificar a sua identidade. E tudo o que ele quis dizer foi que McAfee foi preso e que uma denúncia de porte de arma de fogo estava sendo investigada. Conte-nos algo novo agora.

Existe, talvez, uma provável explicação para toda essa relutância em dizer qualquer coisa.

“Todos os telefones em Belize são grampeados. Todas as conversas telefônicas são gravadas e mantidas por dois anos. Essa conversa está sendo gravada enquanto nós falamos,” McAfee disse. Isso soa como a paranoia de um homem recentemente encarcerado, mas é (acredite ou não) algo bem plausível. Se o governo está ou não escutando mesmo, a estrutura necessária para permitir isso existe, o que deixa a dúvida no ar. Resumindo, ninguém fala.

Bem-vindo a Belize. Conheça seu guia: John McAfee.

Agora, olha… John McAfee é um cara estranho. Vamos esclarecer isso. Ele é durão e coberto de tatuagens tribais e vive na selva. Ele manteve alguns negócios meio dúbios e provavelmente está vivendo em outro país para se esconder de processos que correm nos Estados Unidos. Ainda que McAfee não seja o narrador mais confiável do mundo, ele também não comanda um laboratório de metanfetamina. E em qualquer caso, ele tem uma história e tanto para contar.

“Eu fui preso e acusado de estar em posse de armas de fogo ilegais,” McAfee nos disse, “mas se eu tinha licenças para todas as outras, nove de dez, por que eu escolheria não tirar a licença para uma delas? E em todo caso, meu pessoal encontrou a papelada original, levou para a delegacia e mesmo assim não me deixaram sair. Foi preciso a intervenção da embaixada dos EUA para fazê-los retirar a acusação e me liberarem. No dia seguinte [a polícia] disse que eu mantinha um laboratório de antibióticos ilegal — no terceiro mundo esse tipo de coisa é um crime sério, a indústria farmacêutica não gosta de pessoas interferindo em seus negócios. Mas o que eu desenvolvi é praticamente um antisséptico trópico. Eles não me acusariam por isso. É aí que eles alegaram que eu tinha um laboratório de metanfetamina.”

Sendo assim, por que a polícia foi procurar um laboratório de metanfetamina na propriedade de McAfee? Ninguém que saiba quis dizer, o que deixa espaço para um monte de especulações dos americanos.

“Não tenho nenhuma informação sobre este caso,” disse Eric Heyden, responsável por assuntos públicos da embaixada dos EUA em Belize, “estou tão perplexo e confuso quanto vocês sobre a razão da Unidade de Supressão a Gangues ter tomado medidas contra um civil americano.”

De acordo com Heyden, gangues são um problema sério, especialmente na Cidade de Belize, onde pessoas são alvejadas em conflitos de gangues com bastante frequência. a GSU é uma reação a isso, foi formada em 2010 para tentar combater a crescente violência naquele país de 300 mil habitantes.

Existem fortes evidências de que ela está agora partindo para atividades extra-judiciais. Heyden nos contou sobre uma recente prisão onde o suspeito morreu enquanto estava sob custódia, supostamente por ter quebrado seu pescoço enquanto tentava escapar, mas que, na realidade, morreu por espancamento, conforme revelou a autópsia. A imprensa em Belize tem acusado a Unidade de atos diversos de violência e de ser o braço armado de um partido político, o Partido Democrático Unido. McAfee vê uma conexão aqui.

“Eu não doei para um político local, que ficou enfurecido,” explicou. “Era uma mensagem simples dizendo ‘olha, não mexa com a gente e quando lhe pedirmos algo, nos dê.'”

McAfee está no limbo.  Ele não está mais se escondendo, mas também não voltou para casa e, em suas palavras, está na surdina. Muito na surdina, sem dizer a ninguém o que fará na sequência. Fitzroy Yearwood, oficial de relações públicas da polícia de Belize, recusou-se a responder quaisquer perguntas a não ser via email, e mesmo assim não nos respondeu. Tentativas de falar com qualquer um do governo capaz de responder a questões como o motivo da incursão à casa de McAfee, ou o que acontecerá agora, foram infrutíferas. Pedidos para falar com o chefe da GSU, Marco Vidal, ou o Comissário da Polícia de Belize, Gerald Westby, foram negados.

De sua parte, McAfee está lutando. “Eu não desisto das coisas,” disse ele. “Estou com 66 anos, normalmente minha vida é meio entediante.”

Besteira. De todas as coisas que a vida de McAfee pode ser, entediante não é uma delas.

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