Tal como acontece com todas as drogas que consumimos, há efeitos bons e ruins que vêm com a maconha. Mas um novo estudo publicado nesta segunda-feira (15) sugere que um desses maus efeitos secundários pode ser uma estranha tolerância a anestesia. A pesquisa descobriu que os moradores do Colorado, nos Estados Unidos, que usam regularmente cannabis precisavam de até duas vezes mais sedativos poderosos antes de um procedimento.
Os pesquisadores do Colorado analisaram os registros médicos de 250 pacientes do estado submetidos a endoscopias, procedimentos que envolvem o envio de uma câmera pela garganta (ou outros orifícios sensíveis) para ver de perto o interior do corpo. Eles procuraram especificamente por pacientes após 2012, já que foi quando a maconha recreativa foi legalizada no estado. Embora ela não fosse oficialmente vendida nas lojas até 2014, os pacientes ainda estariam presumivelmente mais confortáveis para contar a seus médicos sobre o uso da maconha a partir de 2012.
Aqueles que disseram que consumiam cannabis diariamente ou semanalmente eram significativamente menos sensíveis a várias drogas de diferentes classes usadas para sedar as pessoas, quando comparados com pessoas que disseram que nunca a usaram. Em média, foram necessários 14% mais fentanil (um opiáceo), 20% mais midazolam (uma benzodiazepina) e 220% mais propofol (um anestésico geral) para atingir o nível de sedação necessário para seus procedimentos (as endoscopias são normalmente feitas com anestesia local, embora algumas pessoas precisem de ou optem por sedação profunda).
Os resultados foram publicados no Journal of the American Osteopathic Association.
De acordo com o autor principal Mark Twardowski, médico de medicina interna osteopática, há evidências anedóticas de que pacientes que usam cannabis precisam de mais sedativos para se submeter a cirurgias. Mas esse pequeno estudo (apenas 25 consumidores de cannabis foram examinados no total) é aparentemente o primeiro a tentar quantificar a dimensão do problema. E a necessidade de doses mais elevadas pode certamente ser mais perigosa para os pacientes, uma vez que, dependendo da droga, isso pode aumentar as probabilidades de efeitos colaterais.
“Alguns dos medicamentos sedativos têm efeitos colaterais dependentes da dose, ou seja, quanto maior a dose, maior a probabilidade de problemas”, disse Twardowski em um comunicado. “Isso se torna particularmente perigoso quando a função respiratória suprimida é um efeito colateral conhecido.”
O que está menos certo é como exatamente a cannabis pode estar causando esse aumento da tolerância aos sedativos. A cannabis e as drogas à base dela interagem principalmente com uma rede única de receptores no sistema nervoso chamada sistema endocanabinóide. Este sistema desempenha um papel em todos os tipos de funções corporais, desde a nossa sensação de fome até à percepção da dor. Mas outras drogas, incluindo opioides e benzodiazepínicos, também interagem com esses receptores. E pode haver outras formas de a erva estar causando esses efeitos colaterais.
“Este estudo realmente marca um pequeno primeiro passo”, disse Twardowski. “Ainda não entendemos o mecanismo por trás da necessidade de maiores dosagens, o que é importante para encontrar melhores soluções de gestão de cuidados.”
O que o estudo sugere claramente, tal como outros já o fizeram, é que ainda há muito que não sabemos sobre os efeitos da cannabis no corpo. Nos EUA, isso acontece, em grande parte, devido à lei federal americana que ainda classifica a cannabis como uma droga sem aplicações médicas, impedindo e retardando a pesquisa. Essa falta de conhecimento também nos impede de detectar as consequências menos positivas do consumo de cannabis.
Twardowski e sua equipe esperam continuar estudando a relação entre cannabis e a tolerância a sedativos (incluindo seu efeito sobre a anestesia geral), assim como se a cannabis também pode afetar a forma como a dor é tratada após procedimentos médicos.