Mulheres enfrentam violência ‘generalizada’ em face da crise ambiental, segundo relatório
A destruição ambiental, como desmatamento, mineração e mudanças climáticas não é apenas ruim para os ecossistemas. Ela representa sérios riscos para as mulheres em todo o mundo, e um novo relatório mostra o quão difundidos e até mortais são esses riscos. Estou falando de algumas das formas mais flagrantes de violência que existem: agressão sexual, tráfico de seres humanos e morte.
A União Internacional para Conservação da Natureza (normalmente conhecida por monitorar espécies ameaçadas de extinção) publicou na quarta-feira (29) o novo relatório descrevendo como a degradação ambiental afeta desproporcionalmente mulheres com base em mais de 80 estudos de caso globais, mais de 1.000 fontes, e feedback de revisores. Isso faz com que esta seja uma das análises mais aprofundadas da complexa relação entre a violência contra as mulheres e a degradação ambiental. As conclusões são importantes formuladores de políticas que trabalham com questões globais de desigualdade e sustentabilidade, uma área que está se tornando cada vez mais premente à medida que a crise climática se intensifica.
“Sempre soubemos que a violência baseada em gênero é disseminada”, disse ao Gizmodo a coautora do estudo Cate Owren, gerente sênior do programa de gênero do Programa Global da IUCN sobre Governança e Direitos. “O que foi chocante foi a extensão e a abrangência disso”.
Os pesquisadores descobriram que as mulheres têm menos acesso aos recursos naturais e enfrentam maiores ameaças de violência quando madeireiros ou pescadores ilegais chegam às suas comunidades. Ao mesmo tempo, eles descobriram que as mulheres enfrentam impactos mais diretos dessas ameaças ambientais, principalmente se escolherem ou forem forçadas a defender terras e recursos.
Por exemplo, sabemos que os defensores ambientais enfrentam altas taxas de assassinatos, especialmente povos indígenas. Nos últimos 15 anos, pelo menos 684 indivíduos foram mortos tentando proteger suas terras. Essa ameaça é real para todos os defensores ambientais, independentemente do gênero, mas o relatório detalha como as mulheres estão particularmente em risco. Os autores observam que houve 609 casos de agressão contra mulheres da América Central e do México apenas entre 2015 e 2016. Os autores do relatório também entrevistaram especialistas e descobriram que 59% deles já haviam observado violência de gênero relacionada a questões ambientais, incluindo direitos à terra e infraestrutura energética.
O abrangente relatório de 272 páginas observa como os papéis das mulheres na sociedade podem ser usados contra elas ao se envolverem em ativismo e proteção ambiental. Os autores se referem ao “fardo duplo” que elas enfrentam como mães e ativistas, o que levou algumas comunidades a classificá-las como “mães ruins” por deixarem seus filhos em casa quando não estão trabalhando para defender o meio-ambiente e suas comunidades”. Em alguns casos, as mulheres defensoras do meio-ambiente enfrentaram ameaças de que seus filhos seriam levados como resultado, o que “pode ter efeitos duradouros para as mulheres jovens, suas famílias e comunidades, bem como na defesa ambiental”.
Esses impactos não afetam apenas as mulheres que se manifestam. Todas enfrentam riscos ambientais, especialmente no Sul Global, onde eventos climáticos extremos estão assumindo novas formas devido ao aquecimento do planeta. Existe o risco único que as mulheres enfrentam quando são deslocadas de suas casas e se tornam refugiadas. Isso pode expor mulheres, meninas e crianças pequenas ao tráfico de pessoas, de acordo com o relatório.
Em muitas partes do mundo, elas cuidam das tarefas domésticas e precisam administrar a escassez de alimentos depois de condições climáticas extremas. Quando as colheitas são exterminadas, as mulheres geralmente são deixadas para descobrir como alimentar seus filhos e famílias. O estresse desse tipo de situação também permite a ocorrência de violência doméstica, especialmente em culturas onde esse comportamento é aceitável.
O estudo ainda cita alguns casos que ocorreram no Brasil. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) relata que as empresas de construção de represas são cúmplices no tráfico sexual de mulheres, incluindo menores. Em um canteiro de obras em Belo Monte, o grupo encontrou mulheres e adolescentes vivendo em condições análogas à escravidão em bordéis, sendo tratadas como mercadoria para os homens que trabalhavam no local.
A violência dificilmente se limita aos países em desenvolvimento. Houve um aumento no número de casos de abuso após o furacão Michael em 2018 nos EUA, por exemplo. E há alguns anos, líderes indígenas nos EUA, no Canadá e em outros lugares vêm alertando sobre os perigos que os projetos de petróleo e gás representam para as mulheres locais, já que esses projetos normalmente atraem homens de fora para essas comunidades pequenas. A violência sexual normalmente é resultado da criação dos chamados homens do campo.
“Por um lado, a violência é sobre poder e controle, mas, por outro, acontece na ausência de poder e controle”, disse Nadine Shaanta Murshid, professora assistente de serviço social da Universidade de Buffalo, que foca na violência por parte do parceiro íntimo e que não estava envolvida neste relatório, ao Gizmodo. “Essa é a parte que requer mais compreensão”.
Embora este relatório abranja uma série de questões ambientais, todas elas estão ligadas às mudanças climáticas. Se o desmatamento não parar, a situação pode piorar. A extração de petróleo e gás está alimentando a crise climática. O aquecimento da Terra está interrompendo os ciclos naturais dos quais as comunidades dependem para crescer e procurar alimentos.
Este relatório, embora aprofundado, está apenas revelando a superfície de um tópico que precisa urgentemente de atenção. A mudança climática está aqui, e as mulheres ao redor do mundo já estão vendo as maneiras perigosas como o sistema patriarcal sexista do mundo está permitindo que a violência prospere junto com a crise ambiental. Para muitas, o custo tem sido a vida delas – e isso é algo que nós, como sociedade, temos a opção de erradicar.